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quinta-feira, 1 de julho de 2010

Charles Disco e o Sequestro Misterioso (Capítulo 11)

CAPÍTULO 11
No outro dia Disco sai cedo deixando um bilhete preso na geladeira:
- Não me espere para almoçar. Passarei o dia todo fora. Encontre algo para se distrair, mas cuidado!
Virginie retira o papel com um sorriso.
- Não sei porque recomenda tanto cuidado - Pensa - Ainda não vi nada demais aqui.
Longe dali, Disco deixa a moto num estacionamento e sobe o acesso da Rua Senador Dantas em direção a Parada dos centenários bondes elétricos do bairro de Santa Teresa.
- Que bom que isso não mudou após tantos anos. Lembra muito o meu avô. Ele gostava desse bairro.
O bondinho sai da estação sacolejando e uma a uma, as estações vão passando. Disco salta na Parada Vista Alegre e sobe uma pequena ladeira, parando diante de um grande portão azul com grades na parte superior. Uma cachorro começa a latir incessantemente, assim que ele toca a campainha.
- Quieto, Muka! - Grita uma voz do outro lado do portão - Quem está aí?
- Precisa tomar vergonha e colocar um interfone, Sunshine, ao invés de ficar gritando desse jeito.
- Disco? - Pergunta a voz do outro lado - É você?
- Sim. Sou eu. Abra logo!
O portão se abre dando passagem a um homem alto, aparentando mais de cinquenta anos, com fartos cabelos grisalhos encaracolados e desgrenhados, com um bigode farto castanho claro desbotado e amarelado. Veste calças multicoloridas e uma jaqueta de artesanal de couro vermelha.
- O que aconteceu, Disco? - Pergunta ele casualmente com um estranho cigarro entre os dedos. - Já acabou aquele carregamento que levou da última vez? Aquilo dava pra começar uma guerra!
- Vim aqui por outro motivo...
- Sei... Depois que seu pai morreu, você sumiu. - Solta uma longa baforada do cigarro - Quer um tapa?
- Sabe que não transo isso... Sumi porque qualquer coisa que lembrasse o meu avô era doloroso demais para mim.
- Caretão como o avô... - Diz para si mesmo - Não sei como um cara doidão como ele não pegava “unzinho”.
- Como ele sempre dizia: O barato tá na mente, não é preciso colocar nada dentro dela para ser alegre.
- Taí uma coisa que nunca entendi... - Reflete por alguns instantes - Mas deixa de conversa mole e vai entrando!
Eles atravessam a garagem e entram na casa de madeira em estilo antigo de Sunshine, um sobrado com uma varanda ornada com mourões de madeira de que contorna todo o segundo andar da casa. O interior é todo enfeitado com artesanato hippie e quadros de artistas ligados a contracultura dos anos 60.
- Sabe, bicho, na nossa juventude, eu e seu avô já éramos deslocados. Diziam que a gente tinha parado no tempo. Imagina agora, com toda essa merda de violência Hi-Tech o ideal de paz e amor - Faz o sinal com dois dedos da mão direita - Virou um fóssil. Coisa de dinossauro, mesmo.
- Eu sei o que é isso.
- Tô sabendo... - Fala tirando uma tragada do cigarro - A culpa de tu se sentir deslocado é do teu avô.
- Não sei se gostaria de ser um qualquer que não enxerga nada na frente do seu próprio nariz. Vovô me ensinou a pensar, a questionar as coisas, a ser um ser humano pleno.
- Também acho que não gostaria de ser um burguesinho que sai todo dia com sua pastinha e fica esperando pacientemente a morte chegar para levá-lo... Também aprendi muito com aquele velho maluco.
Eles entram na casa e Sunshine deixa-se cair numa confortável poltrona feita com muitas almofadas.
- Senta aí, meu. Vamos bater um papo.
- Não posso ficar muito tempo, amigo, estou num caso e preciso apenas de algumas informações suas.
- Qualé, Disco! - Reage endireitando-se na poltrona - Tá me achando com cara de dedo duro?
- Não é nada disso, Sunshine, eu...
- Nosso trato era: eu te arrumo as “ferramentas” e você não me pergunta de onde elas vem.
- Não quero saber de onde vem as armas que você me arranja. Aliás prefiro não saber mesmo... Pro meu próprio bem..
- Então que papo é esse?
- Como eu disse... Estou num caso e os suspeitos usam armamento profissional, coisa complicada para entrar pelo aeroporto, logo, deve ter sido comprado aqui mesmo. Como você está no ramo, pensei se poderia me dizer de alguma grande encomenda nos últimos tempos.
- Paramilitar?
- Ainda não sei...
- Bom... Fala depois de uma pausa - Na verdade eu não lido com grandes quantidades nem com armamentos muito pesados. Só arrumo essas coisas para você por consideração a seu avô, apesar de ter certeza de que se ele soubesse de suas atividades, não ia gostar nem um pouco, ele era um pacifista.
- Só que ele sabia. Sempre soube. Pouco antes de morrer me disse que gostaria de ter a coragem de fazer o que eu faço.
- Servir de alvo pros outros?
- Não fale bobagem, Sunshine.
- Take easy man! - fala agitando o toco de cigarro no ar. - Mas deve concordar comigo que não é muito inteligente ficar se metendo em encrencas por causa dos outros.
- Também é estranho um cara que prega paz e amor ganhar a vida vendendo armas, mas o que se pode fazer...
- Bicho... a gente tem de se defender do jeito que dá. As armas são apenas quebra-galho.
- Não precisa se justificar...
- Eu sou um artista, meu irmão, mas arte às vezes não enche barriga, entendeu? Além do mais eu não trampo com qualquer um, muito menos pra esses malucos que transam mercadoria da Bolívia, sacou? Sente só – sacode o cigarro entre os dedos - Minha ganja é artesanal, orgânica, plantada por mim mesmo pra consumo próprio, falou?
- Tudo bem... Que tal agora me dizer se sabe de alguma coisa?
- Olha, cara...
- É a vida de uma criança que está em perigo, Sunshine!
- Nesse caso eu só posso te dizer uma coisa: Tô por fora.
- O que quer dizer?
- Só transo coisa pequena, entende? - Gesticula - Umas armas de baixo calibre, uns bagulhinhos e muito de vez em quando um pouco de pó, mas só para os amigos, nada muito volumoso. Mais que isso é atestado de óbito na certa.
Disco fica calado.
- Como disse antes...o máximo que já passou pelas minhas mãos é o material que te arrumei, e isso por causa do teu avô...
- Eu sei... Eu sei...- Impacienta-se ele.
- Calma, cara, vai acabar tendo um colapso!
- Tenho um coração forte, não se preocupe.
- Não sei muita coisa, mas posso te indicar um cara que tem uns contatos para esse tipo de coisa que tu tá procurando. Se alguém pode te ajudar, esse alguém é o Grilo.
- E onde encontro o cara?
- Ele é freguês cativo do Wodstock.
- Wodstock? O festival?
- Não, meu, se liga! - bate com o indicador da mão direita na têmpora - É um barzinho que fica perto de onde tu saltou. Ele fica sempre numa mesa do fundo. É um cara alto e louro, com uns cabelos compridos, uma figura, mas é um cara cem por cento. Ele deve estar lá a essa hora. Chega lá e fala meu nome que tá limpo.
Disco deixa a casa de Sunshine e desce a rua entrando no estabelecimento. É um prédio do início do século XX com um letreiro de madeira entalhada onde se lê o nome “WOODSTOCK”. Na verdade aquele local era um misto de quitanda, mercearia e entreposto de comida natural que servia aos naturebas da redondeza. Como Sunhine dissera, um homem louro estava sentado sozinho na mesa mais ao fundo.
Disco aproxima-se.
- Posso sentar?
- Se quiser...
Disco senta-se.
- Você é o Grilo?
- Quem quer saber?
- Meu nome é Charles Disco. O Sunshine me falou que você trabalha com uns instrumentos que me interessam.
- Se o Sunshine te mandou deve ser gente fina. O que vai querer?
- Informação.
O homem se sobressalta.
- Então sujou, meu, Tu é tira ou o quê?
- Não sou da polícia, mas preciso que me diga se ultimamente intermediou ou teve notícia de alguma grande compra de armas.
- Nesse negócio, meu amigo, boca fechada é sinônimo de uma vida longa.
Ele ameaça levantar-se e Disco o segura pelo braço.
- Escute aqui, Grilo, uma menina de cinco anos está correndo perigo e eu preciso saber quem são os caras que a levaram.
- Escuta aqui você, senhor Disco! - exalta-se o homem - Não vou colocar meu pescoço na corda a troco de nada, entendeu?
- Então está querendo dinheiro?
- Agora, eu só tô querendo me mandar daqui. Acho que pela primeira vez na vida o Sunshine se enganou...
- Muito bem. se não quer dinheiro, deve haver algo que queira...

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