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domingo, 31 de julho de 2011

Parando Para ir ao Banheiro

Tom Stonehill vinha dirigindo por algumas horas do foi dominado pela necessidade de ir ao banheiro. Era tarde da noite e todos os postos de combustível pelos quais passava estavam fechados. À medida que o tempo ia passando ia ficava cada vez mais desesperado. Finalmente, Tom saiu da rodovia e entrou na primeira cidadezinha do caminho. Ali começou a procurar um lugar que tivesse instalações abertas ao público.
Enquanto seguia, sua necessidade física adquiriu urgência maior e ele aumentou a velocidade. Neste exato momento, ouviu alguém com um alto-falante lhe ordenar que parasse. Era o xerife da cidade, que saltou do carro e abordou Tom.
- A que velocidade você acha que pode dirigir por aqui? -perguntou, em tom amedrontador.
- Eu nunca dirijo a essa velocidade, senhor - disse Tom, desculpando-se. - Mas é que estou com uma enorme necessidade de um banheiro.
O xerife percebeu a sinceridade na voz de Tom e se compadeceu dele.
- Creio que pode haver algum estabelecimento aberto se você continuar por essa estrada - disse, apontando para frente. - Mas vai ter de respeitar o limite de velocidade, acrescentou.
- Vou respeitar - respondeu Tom, aliviado e feliz de por seguir em frente.
Alguns instantes mais tarde, Tom vislumbrou ao longe uma luz. Tinha certeza de estar se aproximando de um mercado aberto vinte e quatro horas. No entanto, quanto mais se aproximava, ficava claro de que estava se dirigindo para uma casa funerária. Tom hesitou, mas sua necessidade era forte ora ser ignorada. Foi até a entrada, estacionou o carro e entrou.
Uma vez lá dentro, foi acolhido com amabilidade:
- Seja bem-vindo. Gostaria de assinar o livro? - disse o Sr. Gifford, responsável pela funerária.
- Bem estou aqui... só para usar o banheiro - disse Tom, desculpando-se. - O senhor me dá licença?
- Claro que sim - respondeu o Sr. Gifford -, mas antes assine o livro.
Tom não conseguia entender por que era necessário registrar seu nome, mas fez o que lhe pediram e esperou que isso encerrasse a questão. Estava prestes a perguntar onde ficava o banheiro masculino quando o Sr. Gifford prosseguiu:
- Por favor, escreva também seu endereço.
- Mas por que vocês precisam do meu endereço? - perguntou Tom, perplexo. - Estou aqui só para usar o banheiro por um minuto.
- Por favor, senhor, escreva a informação - foi a resposta.
- Que diferença faz? - resmungou Tom com seus botões, enquanto escrevia. Seguiu então o Sr. Gifford, que o conduziu ao sanitário masculino.
Antes de sair da casa funerária, Tom parou por um instante nas para prestar a última homenagem ao falecido que lá se encontrava. Ao sair do prédio, viu o xerife.
- Muito obrigado - disse, despedindo-se do Sr. Gifford e do xerife- e com isso, partiu, retomando a viagem de volta para casa
Três semanas depois, Tom recebeu um telefonema de um advogado desconhecido:
- Represento a casa funerária onde o senhor parou para usar o banheiro há algumas semanas - disse o homem – o senhor precisa comparecer ao meu escritório nesta quinta às duas da tarde.
Tom ficou perturbado.
- Por favor - perguntou, alarmado -, diga-me se fiz alo errado. Vou precisar de um advogado?
- Não, não será necessário - garantiu-lhe o advogado - Basta que seja pontual.
Ao longo dos dias seguintes, Tom ficou nervosíssimo.
- O que é que eu posso ter feito? Por que me chamariam? - perguntava-se em voz alta.
Na quinta-feira, foi, apreensivo, até o escritório do advogado. Resfolegando e com o coração acelerado, bateu à porta principal.
- Entre - disse a secretária. Uma vez dentro da sala, Tom surpreendeu-se ao ver ali tanto o xerife quanto o Sr. Gifford.
- Por favor, queiram sentar-se - disse o advogado. - Recebi autorização judicial para ler o último testamento do Sr. Stanley Murrow. - O advogado apanhou o livro de assinaturas que Tom havia assinado. Voltou-se para o responsável pela casa funerária, apontou para Tom e perguntou: - E esse o homem que assinou o livro?
- É - respondeu o Sr. Gifford. E então o advogado olhou para Tom e falou:
- Creio que o senhor não conheceu o Sr. Murrow. Era um homem muito rico. Possuía a maior parte dos imóveis dessa cidade. No entanto, não tinha família e era detestado por dos, sendo praticamente evitado pelos moradores.O Sr. Murrow autorizou-me a ser seu testamenteiro. - O advogado apanhou um documento e prosseguiu: - Este é o testamento mais curto que já redigi. Ele diz apenas: "Todos odiavam minha sombra e ninguém nunca tirou dinheiro de mim enquanto vivi. Por isso, qualquer pessoa que compareça ao meu velório é obviamente alguém que sentiu alguma compaixão por um velho biruta como eu. Deixo por meio desse instrumento todo o meu espólio, com todos os meus bens, para ser dividido em partes iguais entre aqueles que de fato comparecerem ao meu funeral. - O advogado olhou então direto para Tom:
A sua era a única assinatura que apareceu no livro - disse ele. - Portanto...

Retirado de: Pequenos Milagres: Coincidências extraordinárias do dia a dia. de Yitta Halberstam & Judith Levental. Ed. Sextante, 1998.

sábado, 30 de julho de 2011

Dados Pessoais

Seu nome era Salete,
mas ela não gostava dele.
Tinha os olhos tristes,
mas não por causa do nome
(ela ria sozinha
quando pensava que seu nome
fosse o diminutivo de sala
em algum dialeto perdido).
Era por causa do Márcio.
Dele ela gostava,
mas o Márcio não gostava dela.
Salete era pequena,
mas tinha um coração grande,
do tamanho do mundo
e igualmente doce.
Tinha na vida
apenas um medo e um defeito.
Seu maior medo era ficar louca.
Não de amor.
Esse ela queria todinho
com A maiúsculo.
O único defeito?
Era gostar de quem não gostava dela.

(Dimas de Fonte)

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Vingança é um Prato que se Come Frio II

Em março de 2007, a revista Sábado publicou uma notícia sobre uma festa de casamento ocorrida em Portugal:

"Não houve gritos, nem insultos, muito menos agressões, apenas um filme, mais eficaz do qualquer escândalo. quando todos os convidados se sentaram à mesa, o noivo aproximou-se do retroprojetor e lançou a bomba: imagens explícitas da mulher a cometer adultério. um a um, os amigos do noivo retiraram-se, sem fazer comentários. até porque sabiam do plano desde o início. da parte da família da noiva, que tinha patrocinado a festa, aquela refeição foi um murro no estomago: a mãe desmaiou, o pai ficou em choque e os empregados atordoados. o noivo saiu do local confiante. para ele, foi um dia de vitória. para a noiva, um dia trágico marcado pela humilhação pública".

A revista Sábado afirmava ter contratado a empresa que organizou a festa de casamento, que se teria recusado a prestar declarações, alegando sigilo profissional. dos noivos e respectivas famílias, nem sinal. Em Portugal, a fazer fé na notícia da Sábado, a realidade terá imitado a ficção. nos outros países onde circula há mais de uma década (Espanha, França, Reino Unido, Brasil, E.U.A., Canadá), a história está devidamente identificada como uma lenda urbana. na América do Norte aparece, nas suas varias versões, em três dos mais importantes sítios da internet que se dedicam à análise destes fenómenos. uma destas versões tem como título "Que Casamento" e foi publicado no jornal local e até o programa do cómico Jay Leno falou nisto:

"Era um casamento à grande, em Clemson, com cerca de 300 convidados. depois da boda, no copo-de-água, o noivo subiu ao palco e falou ao microfone. agradeceu a presença dos convidados, muitos deles vindos de longe, e em particular agradeceu ao sogro por ter providenciado um casamento tão espectácular. para agradecer a toda a gente, o noivo disse que tinha um presente muito especial para cada um e disse aos convidados para procurarem um envelope debaixo da cadeira onde estavam sentados. dentro de cada envelope estava uma fotografia 8X10 com o padrinho do noivo a fazer sexo com a noiva. ele desconfiara de que estavam a ter um caso e contratara um detective para os seguir nas semanas que antecederam o casamento. o noivo permaneceu no palco alguns minutos, a assistir à reacção das pessoas, depois virou-se para a noiva e disse-lhe: «vai-te lixar». no final, virou-se para a multidão incrédula e exclamou: «vou-me embora daqui». na manhã do dia seguinte, mandou anular o casamento. a sua vingança: fazer os pais da noiva pagar 32.000 dólares (cerca de 22.000 euros) por um casamento com 300 convidados. e depois desmascarou tudo, à frente de amigos e familiares, arrastando para a lama a reputação da noiva e do seu padrinho".

Anos depois, o final deste mito urbano mudou, inspirado numa conhecida publicidade da companhia de cartões de crédito MasterCard. o relato ganhou o seguinte desfecho:

"Não acham que a história dava um óptimo anúncio da MasterCard?
Casamento elegante com 300 convidados...                                                                32.000 dólares.
Despesas com o fotógrafo...                                                                                         3.000 dólares.
Lua-de-mel luxuosa nas Bahamas...                                                                              8.500 dólares.
A cara dos convidados a olhar para as fotografias da noiva na cama com o padrinho...  NÃO TEM PREÇO!
Há coisas que o dinheiro não pode comprar. Para todo o resto, há a MASTERCARD!!!"

A versão original da lenda é anterior à internet. remonta ao início da década de 80 e está elencada em dois livros do etnólogo americano Jan Harold Brunvand. neste caso, a traição é do noivo e a futura esposa contenta-se com uma vingança mais modesta, atirando com o bouquet à cara do noivo por este ter dormido com a madrinha de casamento dela. no início dos anos 90, o conto era famoso nos E.U.A. e no Canadá e circulava como um acontecimento verídico.

Uns garantiam ter presenciado a cena, outros tê-la ouvido pela boca de um dos convidados. havia quem jurasse que vira nas notícias da televisão, rádio e no jornal. mas três jornais americanos: Chicago Tribune, The Washington Post e Los Angeles Times, investigaram e chegaram à conclusão de que o famoso casamento não se realizou, nem sequer existiu.

Na Espanha, o mito urbano tem como palco Benidorm, na província de Alicante. em França, a falsa boda teria decorrido na Catedral de St. Martin, perto de Colmar, na Alsácia. em Portugal, a história conta-se sem referências geográficas e nenhuma das empresas constatadas, na área da organização de eventos, ouviu falar do episódio.

Esta lenda, dizem os etnólogos, tem vários ingredientes apelativos. mistura temas-tabu, como o sexo e o dinheiro, e junta-lhes traição e castigo. a vingança agrada a todos os corações ofendidos. Uns preferem-na cruel, outros generosa. a sabedoria popular aconselha que se sirva fria. O tema apaixonou a literatura e o cinema, a psicologia e as conversas de rua.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Por que palavras? - Um Conto Zen

Um monge aproximou-se de seu mestre — que se encontrava em meditação no pátio do templo à luz da Lua — com uma grande dúvida:

"Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os sutras e as recitações são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?"

O velho sábio respondeu: "As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta."

O monge replicou: "Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a indique?"

"Poderia," confirmou o mestre, "e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à vista. O Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o Primeiro Princípio."

"Então," o monge perguntou, "por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?"

"Porque," completou o sábio, "da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato consumado, assim também os homens não confiam na verdade já revelada pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as palavras são um subterfúgio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário."

O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de súbito, simplesmente apontou para a lua.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Croniqueta de Um Amor Perdido

Ela era bonita.
Eu não.
Ela era exuberante.
Eu não.
Ela era popular.
Eu não.
Quando saíamos
ela chamava a atenção.
Eu não.
Conquistei-a
por que lhe mostrei
as coisas boas
que eu tinha guardado
para alguém especial,
embora não soubesse
que as daria para ela.
Abri meu coração
e ela ficou comigo.
Não tinha nada melhor pra fazer.
Quando descobriu me deixou.
Ela lidava bem com perdas.
Eu não.
Quando um velho amor bateu à sua porta
ela atendeu.
Eu não tinha mais o que oferecer.
Tudo o que eu tinha dei a ela.
Eu a amava.
Ela não.

(Dimas de Fonte)

terça-feira, 26 de julho de 2011

A Suástica

por Layla Brizola
A Suástica é um símbolo hindu que “saiu de circulação” por seu mau uso. O nome SWASTIKA vem da palavra sânscrita SVASTIKAH, que significa bem-estar e boa fortuna.

As mais antigas suásticas conhecidas datam de 2.500 ou 3.000 A. C. na Índia e na Ásia Central, e foram encontradas entre os Maias, Astecas, Judeus (quem diria!), nas tribos dos EUA e até mesmo do Brasil. As sacerdotisas gregas usavam esse símbolo no braço, as tribos germânicas a chamavam de “Cruz de Thor”, entre outros exemplos.




A China adotou esse símbolo quando o Budismo chegou da Índia, e é usado até hoje pelo Falun Dafa. Eles explicam que “quando o Falun (suástica) gira no sentido horário ele automaticamente absorve energia do universo, no sentido de auto-salvação de quem a usa. Ao girar no sentido anti-horário, ele emite energia, oferecendo a salvação ao próximo”.

Esse símbolo é lindo, pois representa o macro e o microcosmo. Veja que as galáxias são estruturadas desta forma, e os nossos centros de força (chakras) também possuem esse desenho.

Pena que o idiota do Hitler tenha pego esse símbolo e invertido a direção de suas “pás” [que parecem girar para a esquerda, num giro chamado extrógero e associado ao deus Shiva da destruição, ao contrário da forma cultuada à séculos, dextrógera e associada a Vishnu o conservador da vida], provavelmente no sentido de roubar energia do universo para seus propósitos, além de incliná-la a 45 graus. A idéia dele com isso foi “parar o tempo” da era atual e iniciar os mil anos de domínio da nova ordem: o 3º Reich.



A suástica representava o poder alemão, que quando avançava, girava (...) e destruía tudo em seu caminho (o que realmente acontecia, parando só em Stalingrado). Porém seu real significado parte muito mais para o ocultismo. É fato que o nazismo se interessava pelas culturas do oriente, principalmente as praticadas na região do Himalaia (era frequente o envio de comitivas para estudos e pesquisas, pois se acreditava que a origem da raça ariana tenha passado pela aquela região, entao o povo de lá também seriam descendentes dos arianos)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O Cinema Como Dominação Ideológica

Jean-Claude Bernadet ao escrever sobre o cinema, oferece uma instrutiva visão (que alguns diriam datada ou obsoleta por que imersa num marxismo hoje fora de moda) de como essa indústria pode se constituir num mecanismo de reprodução do ideal capitalista. Sua reflexão, entretanto, não restringe ao cinema; ela pode ser aplicada, guardadas as devidas proporções, à televisão, ao teatro e a imprensa mainstream, oferecendo uma explicação que revelaria a forma como eles normatizam nossas vidas o tempo todo. Cabe a cada um refletir sobre isso e tirar suas próprias conclusões.

***

A máquina cinematográfica não caiu do céu. Em quase todos os países europeus e nos Estados Unidos no fim do século XIX foram-se acentuando as pesquisas para a produção de imagens em movimento. É a grande época da burguesia triunfante; ela está transformando a produção, as relações de trabalho, a sociedade, com a Revolução Industrial; ela está impondo seu domínio sobre o mundo ocidental, colonizando uma imensa parte do mundo que posteriormente viria a se chamar de Terceiro Mundo. (...)
No bojo de sua euforia dominadora, a burguesia desenvolve mil e uma máquinas e técnicas que não só facilitarão seu processo de dominação, a acumulação de capital, como criarão um universo cultural à sua imagem. Um universo cultural que expressará o seu triunfo e que ela imporá às sociedades, num processo de dominação cultural, ideológico, estético. Dessa época, fim do século XIX, início deste, datam a implantação da luz elétrica, a do telefone, do avião, etc, etc, e, no meio dessas máquinas todas, o cinema será um dos trunfos maiores do universo cultural. A burguesia pratica a literatura, o teatro, a música etc, evidentemente, mas essas artes já existiam antes dela. A arte que ela cria é o cinema.
Não era uma arte qualquer. Reproduzia a vida tal como é — pelo menos essa era a ilusão. Não deixava por menos. Uma arte que se apoiava na máquina, uma das musas da burguesia. Juntava-se a técnica e a arte para realizar o sonho de reproduzir a realidade.
(...)
Vai-se até mais longe. Não só o cinema seria a reprodução da realidade, seria também a reprodução da própria visão do homem. Os nossos dois olhos nos permitem ver em perspectiva: não vemos as coisas chapadas, mas as percebemos em profundidade. Ora, a imagem cinematográfica também nos mostra as coisas em perspectiva e por isso ela corresponderia à percepção natural do homem. A reprodução da percepção natural apresentar-nos-ia a reprodução da realidade, tudo isso graças à máquina que dispensaria maior intervenção humana.
(...)
É verdade que é necessário forçar um pouco a barra para chegar a essa compreensão do cinema. Por exemplo, a imagem cinematográfica não reproduz realmente a visão humana. Nosso campo de visão é maior que o espaço da tela. Sentando-se no meio de um cinema, além da tela, o nosso olhar abrange também as partes laterais, superior e inferior. (...) Vemos em cor: quando o cinema surgiu, a imagem era em preto e branco, portanto não natural, mas artificial. E mesmo com o cinema em cor que se implantou nos anos 50, as cores não são naturais. Percebe-se que foi necessário deixar muita coisa de lado para identificar a imagem cinematográfica à percepção natural.
Até a perspectiva: muito mais do que a visão natural, a imagem cinematográfica reproduz uma forma de representação que se implantou na pintura com o Renascimento, no fim da Idade Média. Nem sempre a pintura obedeceu à perspectiva: os egípcios não desenharam em perspectiva, nem a pintura medieval segue a perspectiva tal como a conhecemos hoje.
Nas artes plásticas, a perspectiva é um fenômeno ocidental, não universal. A partir do Renascimento, os ocidentais começam a familiarizar-se com a pintura em perspectiva e a nossa cultura acostumou-nos a considerá-la como a visão natural na pintura, mas é uma convenção.
E também nos dizem que o cinema reproduz o movimento da vida. Mas sabemos que não há movimento na imagem cinematográfica. O movimento cinematográfico é uma ilusão, é um brinquedo ético. A imagem que vemos na tela é sempre imóvel. A impressão de movimento nasce do seguinte: "fotografa-se" uma figura em movimento com intervalos de tempo muito curtos entre cada "fotografia" (= fotogramas).
São vinte e quatro fotogramas por segundo que, depois, são projetados neste mesmo ritmo. Ocorre que o nosso olho não é muito rápido e a retina guarda a imagem por um tempo maior que 1/24 de segundo. De forma que, quando captamos uma imagem, a imagem anterior ainda está no nosso olho, motivo pelo qual não percebemos a interrupção entre cada imagem, o que nos dá a impressão de movimento contínuo, parecido com o da realidade. É só aumentar ou diminuir a velocidade da filmagem ou da projeção para que essa impressão se desmanche.
Mas por que ter passado por cima de tanta coisa para fazer desaparecer os aspectos artificiais e ter apresentado o cinema como reprodução do olhar natural e da realidade? Quando obviamente o cinema é um artifício, quando obviamente os filmes são feitos por pessoas. Por que ter mascarado tudo o que pudesse desmentir essa pretensa naturalidade? Por que ter feito de conta que a realidade expressava-se diretamente no cinema?
Se alguém fizer uma determinada afirmação — o regime brasileiro é ditatorial, por exemplo —, posso responder que não é, que não penso assim, que esse é o pensamento da pessoa que falou, mas pensamento sujeito a controvérsias. Este é o ponto de vista de quem falou. Mas suponhamos que, graças a alguma mágica, a pessoa que fala sumisse e que essa frase ficasse solta, como uma afirmação não de alguém em particular, mas como uma frase que existe em si, independentemente de qualquer pessoa que a proferisse.
Eu não poderia mais dizer que é um ponto de vista, que é a fala de alguém. Seria uma frase sem autor, sem intervenção humana. Não sei se por este exemplo deu para entender aonde quero chegar, mas é um pouco o que acontece com o cinema. Dizer que o cinema é natural, que ele reproduz a visão natural, que coloca a própria realidade na tela, é quase como dizer que a realidade se expressa sozinha na tela.
Eliminando a pessoa que fala, ou faz cinema, ou melhor, eliminando a classe social ou a parte dessa classe social que produz essa fala ou esse cinema, elimina-se também a possibilidade de dizer que essa fala ou esse cinema representa um ponto de vista.
Ao dizer que o cinema expressa a realidade, o grupo social que encampou o cinema coloca-se como que entre parênteses, e não pode ser questionado. Esse problema é talvez um tanto complicado, mas é fundamental tentar equacioná-lo para que se tenha ideia de como se processa, no campo da estética, um dos aspectos da dominação ideológica. A classe dominante, para dominar, não pode nunca apresentar a sua ideologia como sendo a sua ideologia, mas ela deve lutar para que esta ideologia seja sempre entendida como a verdade. Donde a necessidade de apresentar o cinema como sendo expressão do real e disfarçar constantemente que ele é artifício, manipulação, interpretação.
A história do cinema é em grande parte a luta constante para manter ocultos os aspectos artificiais do cinema e para sustentar a impressão de realidade. O cinema, como toda área cultural, é um campo de luta, e a história do cinema é também o esforço constante para denunciar este ocultamento e fazer aparecer quem fala.
Um argumento que aparece frequentemente contra o que estou dizendo é que foi o próprio cinema que se impôs como reprodução do real, não seria uma imposição da burguesia. Isto é supor que a máquina e todo o processo de realização do cinema teriam características e significações independentes de quem os usa.
Ao que se pode responder que nunca uma máquina tem uma significação em si, ela sempre significa o que a fazem significar (embora seja um pouco mais complicado do que isso). Em outras palavras, podemos dizer que uma técnica não se impõe em si. Dela se apropria um segmento da sociedade e é essa apropriação que lhe dá significação, é bastante simples provar que a burguesia sempre procurou elaborar uma estética que apresentasse as obras como expressão do real.
(...)
Outros afirmam que pouco importa que se diga que o cinema reproduz ou não o real, é natural ou artificial, não importa o cinema em si, importa o que dizem os filmes, o seu conteúdo. É pouco relevante que dois filmes sejam sustentados pela impressão de realidade, mas é relevante que um seja contra determinado movimento operário, e outro a favor. Um fuzil é sempre um fuzil, o que é significativo não é o fuzil, mas sim quem o maneja e contra quem é manejado.
Nada do que foi dito até agora revela um complô: um burguês vilão que teria resolvido apoderar--se do cinema para dominar os pobres espectadores desprevenidos. Trata-se de processos históricos, difíceis de perceber enquanto estão-se desenvolvendo, sempre sujeitos a interpretações ambíguas. (...) Tudo isso foi sendo percebido lentamente e essa crítica à impressão de realidade e ao cinema como expressão do real só se desenvolveu a partir dos anos 60; é sintoma de uma crise que existe no cinema-e, de modo geral, na estética e nas linguagens artísticas dominadas pela burguesia. E também o cinema não nasceu assim pronto, "reproduzindo o real". É algo que se foi construindo aos poucos, o cinema levou tempo para encontrar a sua localização na sociedade, suas formas de produção, sua ou suas linguagens.

Retirado de: O que é cinema de Jean-Claude Bernardet, Coleção Primeiros Passos, Editora Brasiliense. 1980.
***
Jean-Claude Bernadet, nasceu na Bélgica, de família francesa, passou a infância em Paris, e veio para o Brasil com sua família aos 13 anos, naturalizando-se brasileiro em 1964. É diplomado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) e doutor em Artes pela ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP.

domingo, 24 de julho de 2011

Introdução ao Carioquês em Três Lições: 03 - A Nuance Carioca

Do Horário:
Há o horário inglês, americano, japonês, alemão e brasileiro (entre outros). E tem o horário carioca.

Tente seguir uma agenda apertada ou fixar prazos rígidos enquanto estiver no Rio, que você vai virar um candidato certo a uma úlcera no estômago. 

Seja um encontro de negócios, um jantar para seis pessoas, uma festa para trinta ou uma hora marcada com o bombeiro hidráulico para consertar o ralo do banheiro, você vai logo perceber que a pontualidade não é a prioridade número um do carioca.

De fato, a menos que o atraso resulte na perda de um avião ou fechamento da loteria esportiva, o carioca da gema simplesmente ignorará qualquer horário determinado e chegará a um encontro ou reunião quando lhe der na telha.

Se você chegar na hora marcada num coquetel ou jantar carioca, você vai ficar conversando com as paredes ou papeando com a dona da casa embaraçada. E você pode ter certeza que ela não está embaraçada com o atraso dos demais, e sim com a sua pontualidade.

Para evitar esse tipo de gafe, na próxima vez que você for convidado para um jantar carioca "às nove", e chegar no horário, ao invés de ficar olhando os quadros falsos da sala, simplesmente dê o fora pela porta de serviço e vá (por que não?) a um cinema.

Com isso você ganha duas horas, tempo suficiente para voltar à festa às onze horas, assim chegando pontualmente junto com os outros convidados. E não se esqueça de fazer hora no boteco da esquina, beliscando umas coxinhas de galinha ou batatas fritas, pois o jantar somente será servido pontualmente bem mais tarde.
  
Das Despedidas:
Por natureza, os cariocas tendem a ser abertos, calorosos e amigáveis. E para demonstrar a sua amizade em situações de convívio social, você pode ter certeza que eles jamais irão se despedir com um simples "adeus". 

Seria muito seco para a sua natureza efusiva. Se quiser agir como um carioca da gema, sempre termine seus encontros sociais com uma das seguintes saudações:

• A gente se vê.

• Te ligo.

• Aparece lá em casa.

Mas, lembre-se! Estas frases não devem ser levadas a sério ou entendidas no seu sentido literal. Em outras palavras, o que ficou bem claro é que:

• A gente não vai se ver tão cedo.

• Não espere que eu não vou te ligar.

Não seja besta de aparecer lá em casa.

Um carioca verdadeiro usará tais frases frequentemente e de forma entusiástica. Mas quando ele as escuta, dá tanta importância a elas quanto a um grão de areia na praia de Ipanema. 

Assim, se você levar a sério qualquer dessas frases, não somente correrá o risco do ridículo como vai dar a maior bandeira de ser um turista.

Retirado de: Rau Tchu Bi a Carioca (How to be a Carioca) : O Guia alternativo para o turista no Rio de Priscilla Ann Goslin, Editora Twocan, 1993.





Leia mais sobre isso:
http://abcimaginario.blogspot.com/2011/07/introducao-ao-carioques-em-tres-licoes.html
http://abcimaginario.blogspot.com/2011/07/introducao-ao-carioques-em-tres-licoes_23.html


sábado, 23 de julho de 2011

Introdução ao Carioquês em Três Lições: 02 - A Linguagem Corporal


Se a pronúncia arrastada do carioca está deixando você um pouco inseguro, não se desespere. As palavras são apenas parte da linguagem carioca. Incapaz de falar sem gesticular continuamente, o carioca usa os braços, cabeça, sobrancelhas, o corpo todo para enfatizar um detalhe ou prender a sua atenção. E sempre com as mãos em movimento.


Damos, a seguir, alguns exemplos de frases úteis com seus gestos apropriados. Combinar as palavras com os gestos não tem tanta importância, pois vários gestos são intercambiáveis. Basta movimentar sempre as mãos que as palavras não vão fazer a menor falta a você.

Qualé a tua?
Levante o queixo, franza a testa, dê um passo à frente e abra as mãos de forma inquisitorial.

O negócio é o seguinte ...:
Passe as mãos no ombro da pessoa, balance a cabeça e sorria.

Vamu nessa!:
Solte a cabeça lateralmente enquanto levanta o polegar, como se pedisse uma carona.

Ué?:
Coloque a mão no queixo e encolha os ombros, arregalando os olhos.

Pô, que saco!:
Bata nos joelhos, levante-se, dê dois passos à frente, gire em torno, antes de dizer a frase. Se estiver de pé, jogue as mãos pra cima e olhe ao redor, exclamando: — Pô, que saco!

Maneiro...:
Balance a cabeça lentamente e sorria com satisfação.

O contato corporal é essencial. Se você quiser conversar como um carioca de verdade, fale o mais perto possível do seu interlocutor, olhos nos olhos, e toque-o pelo menos uma vez a cada frase. As formas mais aceitáveis de contato durante a conversa são as seguintes:
• tocando no braço
• alisando o antebraço
• apertando as mãos
• dando tapinhas nas costas ou nos ombros
• tocando no queixo ou no rosto
• batendo no peito (só para homens)

O contato corporal é ainda mais importante quando você cumprimenta outro carioca. Seja esbarrando com um amigo na rua, sentando numa mesa para seis na hora do almoço ou entrando numa reunião de vinte pessoas, é imperativo que haja contato corporal com cada um dos presentes, quer você os conheça ou não.
Por exemplo, você entra num restaurante e vê uma amiga jantando com um grupo de pessoas que você jamais viu antes. A regra rigorosa de etiqueta carioca é a seguinte:

1. Diga "Oi" [ooooiiii] de modo entusiástico. Isto pode ser seguido de "Tudo bem?"

2. Beije sua amiga em ambas as faces (primeiro a direita, por favor).

3. Corra a mesa, beijando todo mundo (e dando tapinhas nas costas ou nos ombros dos homens, se for homem); não tem importância que as pessoas estejam mastigando um bife ou levando o maior papo com alguém ao lado.

Obs.: Não precisa encarar as pessoas, nem dizer o seu nome ou esperar que digam os delas. Regra geral: mulher beija mulheres e homens, homens dão tapinhas nas costas dos outros homens ou, às vezes, um abraço bem apertado com um braço só. Homem nunca beija outro homem.

Despedindo-se do grupo, faça o seguinte:

1. Volte à sua amiga e diga "Te ligo".

2. Beije-a em ambas as faces.

3. Dê a volta na mesa, beijando as mulheres e dando tapinhas nos homens (as mulheres têm o direito de beijar todos). E não se esqueça, primeiro a bochecha da direita.



Leia mais sobre isso:

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Introdução ao Carioquês em Três Lições: 01 - A Pronúncia.

É mole falar que nem um carioca. É só seguir as seguintes regras fáceis, usá-las com frequência, e você nunca será confundido com um turista no Rio. (Mascar constantemente um chiclete enquanto fala e chiar que nem uma locomotiva a vapor também ajudam bastante.)

1ª Regra: Quando uma palavra tem um "s", aplique o som de "shh" (como se quisesse pedir silêncio fazendo "Shhhhhh!):
A.  quando o "s" precede uma consoante (com exceção de "c"):
      como em gostosa [goshhtosa] ou especial [eshhpecial]
B.  quando usado no plural:
      como em galinhas [galinhashh] ou motéis [moteishh]

2ª Regra: Quando uma palavra tem um "r", pronuncie-o como se fosse cuspir:
A.  se o "r" e a primeira letra na palavra:
      como em rato [rrrato] ou ridículo [rrridículo]
B.  se o "r" é a última letra numa sílaba:
      como em carta [carrrta] ou sorte [sorrrte]
C.  se o "r" é a última letra na palavra:
     como em amor [amorrr] ou mulher fmulherrr] 
    Obs.: Neste último caso, algumas vezes o som do "r" acaba ficando mudo: [amô] ou [mulhé]. A opção é sua!

3a Regra: Quando uma palavra tem um "d", aplique o som de "dji":
A.  se o "d" precede um "i":
      como em difícil [djifícil] ou dinheiro [djinheiro]
B.   se o "d" precede um "e" na última sílaba:
      como em cidade [cidadji] ou liberdade [liberdadji]

4ª Regra: Quando uma palavra tem um "t", use o som do "tchi":
A.   se o "t" precede um "e" na última sílaba da palavra:
       como em dente [dentchi] ou assaltante [assaltantchi]
B.  quando tem um "ti":
      como em ti ti ti [tchi tchi tchi] ou jeitinho [jeitchinho]

Agora treine seu carioquês repetindo a seguinte sentença:

Pô, cara, vamos passar uns dias chocantes na praia?
[Pô, cara, vamoshh pasarrr unshh djiashh chocantchishh na praia?]


Retirado de: Rau Tchu Bi a Carioca (How to be a Carioca) : O Guia alternativo para o turista no Rio de Priscilla Ann Goslin, Editora Twocan, 1993.


Leia mais sobre isso:
http://abcimaginario.blogspot.com/2011/07/introducao-ao-carioques-em-tres-licoes_23.html
http://abcimaginario.blogspot.com/2011/07/introducao-ao-carioques-em-tres-licoes_24.html

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A Fábula do Gato e do Passarinho

Era uma vez um pássaro que não gostava de migrar para o sul no inverno.

Então, num certo ano, resolveu que não viajaria.

Contou a seus companheiros que, em vão, tentaram demovê-lo da ideia.

Chegado o tempo de partir, todos os demais se despediram, ficando ele sozinho.

Com o passar dos dias, a temperatura caindo, percebeu que realmente seria impossível ficar e se preparou para viajar.

Entretanto, sua decisão fora tardia: começou a voar e, após algum tempo, viu que suas asas congelavam e seu esforço não seria o bastante para continuar.

Foi perdendo altura, perdendo altura… até cair num pátio de estrebaria.

Quando lançava o que pensava ser seu último suspiro, uma vaca saiu da baia sem percebê-lo, para exatamente sobre ele e… enche o pássaro de bosta.

Indignado, pensou: “vou morrer e, ainda por cima, cheio de merda de boi”.

Mas como a natureza é caprichosa, como resultado disso, o sangue do passarinho recomeçou a circular normalmente...

E a vida do passarinho lentamente normalizou-se.

A cagada quentinha lhe aquecia e foi lhe devolvendo à vida.

Cantou de felicidade, cada vez mais alto.

O barulho atraiu um gato que se encontrava próximo...

O grande e gordo gato que vivia por perto ouviu o seu cantar, pulou o muro, futucou o monte de bosta e… comeu o passarinho.


Essa história tem 4 morais:

Moral 1. Nem sempre quem caga na tua cabeça e te põe na merda é seu inimigo;
Moral 2. Nem sempre quem te tira da merda é seu amigo;
Moral 3. Se você está quente e confortável, mesmo que seja na merda, mantenha o bico fechado;
Moral 4. Quem está na merda não canta!

Retirado e adaptado de: http://www.nababu.org/?p=490

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Amizade!

Essa imagem de uma revistinha do Maurício de Souza já rola na internet faz tempo. Não é nova, mas é uma mensagem que não custa ser repetida a exaustão se isso for necessário para ajudar o mundo a ser um lugar melhor. Um abraço para todos os meus amigos.   

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“Valorize suas amizades… demonstre seus sentimentos mesmo que faça muito tempo que você não vê seus amigos, afinal é preferível chegar atrasado nessa vida do que adiantado na outra. Isso vale para tudo, mesmo que seja tarde. O importante é que seja dito! "