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sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Vingança é um Prato que se Come Frio II

Em março de 2007, a revista Sábado publicou uma notícia sobre uma festa de casamento ocorrida em Portugal:

"Não houve gritos, nem insultos, muito menos agressões, apenas um filme, mais eficaz do qualquer escândalo. quando todos os convidados se sentaram à mesa, o noivo aproximou-se do retroprojetor e lançou a bomba: imagens explícitas da mulher a cometer adultério. um a um, os amigos do noivo retiraram-se, sem fazer comentários. até porque sabiam do plano desde o início. da parte da família da noiva, que tinha patrocinado a festa, aquela refeição foi um murro no estomago: a mãe desmaiou, o pai ficou em choque e os empregados atordoados. o noivo saiu do local confiante. para ele, foi um dia de vitória. para a noiva, um dia trágico marcado pela humilhação pública".

A revista Sábado afirmava ter contratado a empresa que organizou a festa de casamento, que se teria recusado a prestar declarações, alegando sigilo profissional. dos noivos e respectivas famílias, nem sinal. Em Portugal, a fazer fé na notícia da Sábado, a realidade terá imitado a ficção. nos outros países onde circula há mais de uma década (Espanha, França, Reino Unido, Brasil, E.U.A., Canadá), a história está devidamente identificada como uma lenda urbana. na América do Norte aparece, nas suas varias versões, em três dos mais importantes sítios da internet que se dedicam à análise destes fenómenos. uma destas versões tem como título "Que Casamento" e foi publicado no jornal local e até o programa do cómico Jay Leno falou nisto:

"Era um casamento à grande, em Clemson, com cerca de 300 convidados. depois da boda, no copo-de-água, o noivo subiu ao palco e falou ao microfone. agradeceu a presença dos convidados, muitos deles vindos de longe, e em particular agradeceu ao sogro por ter providenciado um casamento tão espectácular. para agradecer a toda a gente, o noivo disse que tinha um presente muito especial para cada um e disse aos convidados para procurarem um envelope debaixo da cadeira onde estavam sentados. dentro de cada envelope estava uma fotografia 8X10 com o padrinho do noivo a fazer sexo com a noiva. ele desconfiara de que estavam a ter um caso e contratara um detective para os seguir nas semanas que antecederam o casamento. o noivo permaneceu no palco alguns minutos, a assistir à reacção das pessoas, depois virou-se para a noiva e disse-lhe: «vai-te lixar». no final, virou-se para a multidão incrédula e exclamou: «vou-me embora daqui». na manhã do dia seguinte, mandou anular o casamento. a sua vingança: fazer os pais da noiva pagar 32.000 dólares (cerca de 22.000 euros) por um casamento com 300 convidados. e depois desmascarou tudo, à frente de amigos e familiares, arrastando para a lama a reputação da noiva e do seu padrinho".

Anos depois, o final deste mito urbano mudou, inspirado numa conhecida publicidade da companhia de cartões de crédito MasterCard. o relato ganhou o seguinte desfecho:

"Não acham que a história dava um óptimo anúncio da MasterCard?
Casamento elegante com 300 convidados...                                                                32.000 dólares.
Despesas com o fotógrafo...                                                                                         3.000 dólares.
Lua-de-mel luxuosa nas Bahamas...                                                                              8.500 dólares.
A cara dos convidados a olhar para as fotografias da noiva na cama com o padrinho...  NÃO TEM PREÇO!
Há coisas que o dinheiro não pode comprar. Para todo o resto, há a MASTERCARD!!!"

A versão original da lenda é anterior à internet. remonta ao início da década de 80 e está elencada em dois livros do etnólogo americano Jan Harold Brunvand. neste caso, a traição é do noivo e a futura esposa contenta-se com uma vingança mais modesta, atirando com o bouquet à cara do noivo por este ter dormido com a madrinha de casamento dela. no início dos anos 90, o conto era famoso nos E.U.A. e no Canadá e circulava como um acontecimento verídico.

Uns garantiam ter presenciado a cena, outros tê-la ouvido pela boca de um dos convidados. havia quem jurasse que vira nas notícias da televisão, rádio e no jornal. mas três jornais americanos: Chicago Tribune, The Washington Post e Los Angeles Times, investigaram e chegaram à conclusão de que o famoso casamento não se realizou, nem sequer existiu.

Na Espanha, o mito urbano tem como palco Benidorm, na província de Alicante. em França, a falsa boda teria decorrido na Catedral de St. Martin, perto de Colmar, na Alsácia. em Portugal, a história conta-se sem referências geográficas e nenhuma das empresas constatadas, na área da organização de eventos, ouviu falar do episódio.

Esta lenda, dizem os etnólogos, tem vários ingredientes apelativos. mistura temas-tabu, como o sexo e o dinheiro, e junta-lhes traição e castigo. a vingança agrada a todos os corações ofendidos. Uns preferem-na cruel, outros generosa. a sabedoria popular aconselha que se sirva fria. O tema apaixonou a literatura e o cinema, a psicologia e as conversas de rua.

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