Ao preparar esse último post sobre o “Ócio Criativo” cheguei a duras conclusões sobre meu trabalho de professor, se e somente se seguirmos o raciocínio do italiano Domenico de Masi: eu não sou capaz de ensinar nada a ninguém! Nunca fui a Europa e não tenho meios físicos, nem econômicos de como usar a internet para dar aulas. Devo estar na profissão ou no país errado. Concordo com ele quando diz que o estudo não deve ser "penoso e chato", mas não tem como de deixar de ter uma grande parcela de esforço pessoal e por isso é um trabalho de alguma forma, senão a alternativa é o ensino virar uma boate ou um show de variedades em que o professor é o mestre de cerimônias (para não dizer o palhaço como às vezes vemos por aí...). Concordo com ele que uma aula possa e deva ser descontraída e interessante, mas acredito que um grande erro é querer que ela seja lúdica o tempo todo como é apregoado em muitos livros e palestras de "pedagogês". Nada na vida é assim, por que a escola tem que ser já que uma das funções dela é preparar o aluno para o futuro?
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Por Juliana Resende
O sociólogo italiano Domenico de Masi, autor de diversos e revolucionários livros — entre eles, os best sellers Desenvolvimento sem trabalho (Editora Esfera) e A emoção e a regra (Ed. José Olympio) —, é um dos mais polêmicos e inovadores pensadores da era pós-industrial. de Masi esteve no Brasil durante a última semana de abril [de 2000], para lançar o livro O ócio criativo (Ed. Sextante). De Masi, como definiu a jornalista italiana Maria Serena Palieri, cuja entrevista com o sociólogo se transformou no livro é um militante pela "redistribuição do tempo, do trabalho, da riqueza, do saber e do poder". Proferindo frases de efeito do tipo "o homem que trabalha perde tempo precioso", de Masi faz todo tipo de gente parar e questionar por que correr tanto para ganhar dinheiro e acumular bens.
Em seu discurso simples e lógico, não há razão nem vida longa aos workaholics — mesmo porque o desemprego ronda a globalização como urubu em torno de carniça e a mão-de-obra humana está sendo substituída por máquinas. E o tempo livre que foi delegado à humanidade ou conquistado por ela pode e deve ser bem aproveitado — e nunca "amargado" em depressão.
"Dos 6 bilhões de habitantes do mundo, somente 1,5 trabalham — o resto não conhece ou não tem acesso ao ritmo pós-industrial de trabalho", contabiliza de Masi, na introdução de seu raciocínio. "Se a vida média útil de um ser humano tem hoje cerca de 530 mil horas, o tempo médio gasto com o trabalho é de apenas 80 mil horas (considerando a jornada universal de 40 horas por semana). Restam 220 mil horas, passadas dormindo, e mais 220 mil horas livres, reservadas para a pessoa fazer o que lhe der na telha. Esse tempo pode ser aproveitado de maneira criativa, saudável e produtiva, no sentido mental e físico."
Ditadura da correria
Como não concordar com ele? O trabalho, de acordo com as leis e com o advento da tecnologia, foi reduzido à metade neste século. No entanto, o modelo de civilização desenvolvida, adotado pelos EUA e Japão, pragmatiza o trabalho como a principal razão de viver. "Todos correm como loucos, nunca têm tempo para nada — nem mesmo para usufruir da riqueza que acumularam. Os norte-americanos vão a supermercados nos feriados comprar coisas inúteis, acumulando dívidas que passarão a vida pagando — e trabalhando para isso. Vocês, brasileiros, têm um ritmo cultural de vida que ainda pode escapar dessa ditadura!", conclama de Masi, animado. Nessa altura, a platéia está boquiaberta.
Simpático e bonachão, o professor italiano continua sua aula em defesa do ócio criativo, ou seja, do aproveitamento do tempo livre de cada dia — ou noite. Ele defende que, no caso de trabalhadores intelectuais (especialmente os professores) — aqueles que usam mais o cérebro do que o corpo, e que são maioria na sociedade pós-industrial —, as melhores sacadas podem brotar na hora em que não têm absolutamente nada a fazer — a não ser deixar a mente viajar. Não é preciso forçar esse estado de letargia. Ele vem naturalmente, quando a pessoa consegue relaxar — coisa difícil na era do consumismo e da informação.
"Podemos gastar nosso tempo livre com atividades que não nos cansam ou alienam, mas que nos excitam. Os despertadores e burocratas são os maiores inimigos do ócio criativo", diz. "Só que as pessoas, consumidas pelo trabalho, não percebem como aproveitam mal seu tempo livre. Não lembram sequer que têm direito a ele", continua. Em tempo: De Masi lembra de outros inimigos do ócio criativo — a religião e a escola. "A Igreja prega o trabalho como um 'castigo divino' e a escola prepara indivíduos para seguirem o modelo atrofiante da sociedade consumista."
Autonomia e sabedoria
É claro que, para usufruir da liberdade com autonomia e sabedoria, é preciso praticar "a educação para o ócio". de Masi alerta que a sociedade pós-industrial já se encarrega também de programar nosso tempo livre. "Enquanto estamos aqui, os produtores de Hollywood estão trabalhando em filmes para assistirmos; os McDonald's estão fabricando novos sanduíches para comermos e a televisão está anunciando programas que não podemos perder."
De Masi adverte: para sermos, de fato, donos do nosso destino, é preciso refletir sobre ele e isso só é possível com o ócio criativo. Certo de que o stress causado pelo excesso de trabalho e pela supervalorização dele só leva certeiramente a um destino mais rápido — a morte —, de Masi salienta que a beleza e o prazer da vida está, principalmente, em coisas que fazemos "sem gastar um tostão": fazer amor, encontrar amigos, folhear uma enciclopédia, meditar e deixar o tempo correr, sem nenhuma ansiedade.
Certo também de que o comunismo, embora quisesse distribuir a riqueza, mas não soubesse produzi-la, perdeu terreno para o capitalismo, que sabe produzir riqueza mas não distribuí-la, de Masi alimenta a possibilidade de criar um novo sistema político, que possa se adequar às necessidades humanas — e não fazer dos indivíduos reféns dele. Otimista? "Sim, acho que evoluímos muito, apesar de tudo. Temos um futuro brilhante nas mãos — e temos tempo de sobra para aprendermos a conduzi-lo em nosso favor".
Domenico de Masi é professor titular do curso de Sociologia da Universidade La Sapienza, de Roma, membro do comitê científico de várias revistas italianas e diretor-responsável da revista Next - Strumenti per l'Innovazione (que pode ser editada no Brasil, encartada no jornal Valor Econômico), além de atuar como consultor organizacional, por meio de seu instituto-escola S3 Studium, para empresas como Fiat, IBM e Pirelli.
Como se vê, trabalho é o que não falta a de Masi. Mas, entre uma palestra e outra no Brasil, ele achou tempo para conceder a entrevista a seguir.
Como o senhor chegou às suas conclusões sobre o ócio criativo?
É possível todos os trabalhadores desenvolverem essa relação entre trabalho e lazer, ou seja, tornar seu trabalho mais prazeroso?
Transportando essa relação para a escola, então...
Qual seria a maior falha dos atuais sistemas de ensino, já que a escola e os professores são considerados pelo senhor como os principais inimigos do ócio criativo? O que pode ser feito, em termos de transmissão de conhecimento, para que essa realidade comece a mudar?
Por outro lado, é necessário que professores se aperfeiçoem para tornar a transmissão de conhecimento algo mais interessante e menos massacrante, mecânico. O professor que não tenha ido à Europa, ou sequer navegado pela internet não pode ensinar nada a ninguém. O professor que não usa a internet é um delinqüente! (risos) É preciso resgatar a dignidade entre escolas, professores e alunos. Acho que essa mudança vai acontecer naturalmente, à medida em que morrem os professores antigos e chegam os jovens. Para os jovens, a criatividade simplesmente flui.
No Brasil, há 40% de analfabetos e a maioria dos professores é mal remunerada, têm deficiências de formação e, efetivamente, não tem condições de ir à Europa ou de navegar na internet. O que fazer então?
Falando de questões da sociedade pós-industrial, como a globalização e o desemprego, como o desempregado pode desenvolver seu ócio criativo?
Qual é o projeto que o S3 Studium pretende desenvolver no Brasil? O que é preciso para os interessados participarem dele?
Retirado de:
Referência para Leitura: O Ócio Criativo - Autor: Domenico de Masi - Editora Sextante, 2000
Leia mais sobre o assunto:
http://abcimaginario.blogspot.com/2011/07/o-ocio-criativo-13-o-conceito.html
http://abcimaginario.blogspot.com/2011/07/o-ocio-criativo-23-entrevista-de-2007.html
Leia mais sobre o assunto:
http://abcimaginario.blogspot.com/2011/07/o-ocio-criativo-13-o-conceito.html
http://abcimaginario.blogspot.com/2011/07/o-ocio-criativo-23-entrevista-de-2007.html
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