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domingo, 9 de janeiro de 2011

Tudo é UM entre um Milhão de Caminhos: Seu Caminho tem Coração?

“— A erva-do-diabo quase me matava cada vez que eu tentava usá-la. Uma vez foi tão ruim que eu pensei que estava liquidado. No entanto, eu podia ter evitado todo esse sofrimento.
— Como? Há um meio especial de se evitar o sofrimento?
— Sim, há um meio.
— É uma fórmula, um processo, ou o quê?
— É um modo de se agarrar as coisas. Por exemplo, quando eu estava aprendendo a respeito da erva-do-diabo, era por demais ansioso. Agarrava as coisas assim como as crianças agarram bala. A erva-do-diabo é apenas um entre um milhão de caminhos.
Tudo é um entre um milhão de caminhos. Portanto, você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se achar que não deve segui-lo, não deve permanecer nele, sob nenhuma circunstância.
Para ter uma clareza dessas, é preciso levar uma vida disciplinada. Só então você saberá que qualquer caminho não passa de um caminho, e não há afronta, para si nem para os outros, em largá-lo se é isso o que seu coração lhe manda fazer. Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso.
Olhe bem para cada caminho, e com propósito. Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário. Depois, pergunte-se, e só a si, uma coisa. Essa pergunta é uma que só os muito velhos fazem. Meu benfeitor certa vez me contou a respeito, quando eu era jovem, e meu sangue era forte demais para poder entendê-la.
Agora eu a entendo. Dir-lhe-ei qual é: esse caminho tem coração? Todos os caminhos são os mesmos: não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato.
Em minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, compridos, mas não estou em lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho tem um coração?
Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem, alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer sua vida. Um o torna forte; o outro o enfraquece.
(...)
— A erva-do-diabo é como uma mulher, e como mulher, lisonjeia os homens. Prepara armadilhas para eles a cada passo. (...) Estou-lhe advertindo. Não a tome com paixão, a erva-do-diabo é apenas um dos caminhos para os segredos de um Homem de Conhecimento. Há outros caminhos. Mas a armadilha dela é fazê-lo crer que o caminho dela é o único. Digo que é inútil desperdiçar a vida num caminho, especialmente se esse caminho não tiver coração.
— Mas como é que sabe quando o caminho não tem coração, Dom Juan?
— Antes de segui-lo, você faz a pergunta: esse caminho tem coração? Se a resposta for não, você o saberá, e então deve escolher outro caminho.
— Mas como saberei ao certo se um caminho tem ou não coração?
— Qualquer pessoa sabe isso. O problema é que ninguém faz a pergunta; e quando o homem afinal descobre que tomou um caminho sem coração, o caminho está pronto para matá-lo. Nesse ponto muito poucos homens conseguem parar para pensar e deixar o caminho.
— Como devo fazer para perguntar direito, Dom Juan?
— Pergunte, apenas.
— Quero dizer, existe um método apropriado, para não mentir a mim mesmo, acreditando que a resposta é sim quando na verdade é não?
— Por que havia de mentir?
— Talvez porque no momento o caminho seja agradável.
— Isso é tolice. Um caminho sem coração nunca é agradável. Tem de trabalhar muito até para segui-lo. Por outro lado, um caminho com coração é fácil; não o faz trabalhar para gostar dele. (...) Já lhe disse que, para escolher um caminho, você deve estar livre do medo e da ambição.
Argumentei que a gente precisa de ambição até para tomar algum caminho, e que a afirmação dele, de que a gente tinha de ser livre de ambição, não tinha sentido. Uma pessoa tem de ter ambição para poder aprender.
— O desejo de aprender não é ambição — disse ele. — É nosso destino como homens querer saber, mas procurar a erva-do-diabo é querer o poder, e isso é ambição, pois você não está querendo saber. Não deixe que a erva-do-diabo o cegue. Já o fisgou. Engoda os homens e lhes dá uma sensação de poder; ela os faz sentir que podem fazer coisas que nenhum homem comum pode fazer. Mas isso é a armadilha dela. E em seguida o caminho sem coração se volta contra os homens e os destrói. Não custa muito morrer, e procurar a morte é não procurar nada.”

Retirado de: “A Erva do Diabo” de Carlos Castaneda, Editora Record - Nova era

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