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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Avesso da Vida

Até a década de noventa o jornal "O Dia" publicado no Rio de janeiro era conhecido como diz o professor Luiz Eduardo T. Brandão em "Case Study: Jornal O Dia: Formulação e Implementação de uma Estratégia Empresarial" como um jornal "populista e sanguinário". Era impresso apenas em preto e branco, mas todo mundo dizia que se pegasse o jornal e torcesse, ele respingaria sangue, devido as matérias sensacionalistas que ele trazia (do tipo "Matou a Família e foi ao Cinema"...). 

Em 1983 ele foi comprado pelo grupo do Jornalista Ary de Carvalho que com a inauguração de um parque gráfico iniciou uma transformação radical. O jornal ganhou uma apresentação moderna e passou a ser apresentado colorido a partir de 1992, assim deixando definitivamente sua tendência sanguinolenta que foi passada para jornais como "O Povo na Rua" (conhecido popularmente apenas como "O Povo")  e modernamente para os tablóides de meia página no estilo inglês e norte americano de consumo rápido e preço barato como "Expresso" e " Meia Hora" (cujas manchetes em líguagem popular merecem um capítulo a parte, recheadas de gírias e linguagem coloquial algumas vezes de mau gosto). 

No velho Jornal "O Dia ", uma das coisas que eu gostava era a coluna "O Avesso da Vida" escrita pelo jornalista policial Leo Montenegro, morto em 2003. Eram sempre histórias sobre o cotidiano das delegacias ou da vida pequeno-burguesa, sem palavrões, mas recheados de nomes esquisitos (que acredito terem sido usados para evitar polêmicas ou processos) e que sempre, invariavelmente terminavam em um camburão, ambulância ou conflito generalizado entre os personagens (entre os quais a magrinha, o gordão, o careca, o baixinho e o indefectível homem com uniforme cáqui de safari com direito a chapéu de caçador). 

Era uma espécie de "Patrulha da Cidade" cômico escrito em papel (para quem não conhece, a "Patrulha da Cidade" é um programa de rádio que desde 1960 na Tupi AM dá as notícias policiais do dia em tópicos curtos, sucintos e cheio das gírias da polícia e dos bandidos). 

Em minha adolescência cheguei a colecionar algumas das colunas, mas elas não chegaram aos dias de hoje. Encontrei algumas histórias no "Yahoo Grupos" como essa que postarei hoje (Retirada de: http://br.groups.yahoo.com/group/riso/message/6562), creditadas em nome do autor, mas não acho que seja uma das originais. Após a morte de Leo Montenegro alguém (talvez um filho ou parente) assumiu a autoria das histórias, mas elas, pelo menos para mim, soam diferentes e são mais como uma bela homenagem do que simples imitação, embora guardem grande parte do espírito anárquico que tinham quando as lia no jornal entre um assassinato e outro.    


AVESSO DA VIDA       
Léo Montenegro
Arnobaldo saiu de casa com 50 reais, rumo ao bar:
– Tô cheio de moral! Com esses R$ 50 vou beber um oceano de cerveja!
Só que viu um vizinho, a quem devia R$ 20.
– Credo, dinheiro atrai credor! Preciso me livrar desse cara!
Mas não deu, pois o outro, um gordinho, gritou:
– Nem mais um passo! Pensa que não te vi, caloteiro? Cadê minha grana?
Arnobaldo entrou naquela tática de atacar para se defender:
– Que negócio é esse de me parar na rua pra me cobrar? Pô, eu sou um homem sério!
– Vai passando os R$ 20 que me deve, que eu tô precisando pra caramba dessa grana!
Arnobaldo começou a arriar a cascata:
– Me pegou numa péssima hora! Sabe minha sogra? Gastei uma grana com ela! É que a infeliz resolveu aumentar a bunda e aí já viu, né? Haja silicone!
O gordinho era duro na queda:
– Perdão, mas não tenho nada com o traseiro da sua sogra!
Arnobaldo, sem medo de ir para o SPC do céu:
– Foi exatamente o que acabo de deixar na caixa de esmolas lá da igreja da paróquia! Foi uma promessa que fiz, caso minha senhora parasse de andar de lado!
O credor era protestante:
– Desperdício! Vai tratando de meter a mão no bolso!
Arnobaldo fez promessa:
– Se essa nota de R$ 50 continuar no meu bolso, juro pra São Bregonildes que paro de beber durante umas três horas!
– Pare de ficar falando sozinho pra fingir que tá maluco! Quero o meu dinheiro!
Arnobaldo já ia retrucar, mas um assaltante chegou e rendeu os dois:
– Perderam! Perderam! Passem a grana!
Arnobaldo pegou a nota de R$ 50, rapidinho, e meteu no bolso do gordinho:
– Toma seus R$ 20! Depois você me dá os R$ 30 de troco!

14 comentários:

  1. "o jornal que não se pode dobrar/se não pode derramar/
    é um banco de sangue/ encadernado/ já vem pronto e depurado/ é somente aplicar/ e usar...
    Gilberto Gil em "Tropicália ou Panis et Circensis".

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  2. eu era colecionador d'O Avesso...

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  3. Sou sobrinho do Léo Montenegro e ele não teve filhos, era irmão de minha mãe e era um cara divertido e bom de copo, morava na julio de castilho em Copacabana e frequentava um pé sujo chamado de faísca.

    Não sei onde encontrar mas lembro que ele chegou a lançar uma coletânea com as melhores crônicas, li dezenas de vezes o livreto com capa do Jaguar e impresso em papel de jornal.

    Uma coincidência fez com que ele não recebesse as merecidas homenagens do jornal O Dia, o Carvalho, dono do jornal morreu no dia seguinte.

    abraços e obrigado por lembrar do tio léo

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    1. Carlos, eu também colecionava os recortes das histórias do seu tio, mas infelizmente durante minha mudança para Porto Velho a transportadora perdeu umas das caixas que havia estes recortes e fiquei orfão.Não havia um dia em que eu não fizesse essa leitura. Espero que você consiga achar esta coletânea e a publique pois fãs do Leo não faltarão.
      Um forte abraço

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    2. Carlos, prazer em conhecer...Era super fã de seu tio...colecionava os 'Avessos da Vida"...Hoje, li algo que me lembrou as maravilhosas crônicas do Leo...Cara, eu morava na Emilio Berla,final da Barao de Ipanema... se soubesse que ele morava tão perto, na epoca, tentaria conhece-lo. Hoje, tenho 48 anos...e essa parte da minha adolescencia eu nunca esqueci. Que ele esteja em paz. abraço

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    3. Olá, Carlos. Li algo, anos atrás, sobre o outro sobrinho dele, Marcelo Ramos, reunir os textos e lançar um livro. Sabe qual o andamento disso?
      Forte abraço,
      Leo Nunes

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  4. Me lembro que uma vez li um livreto que ganhei de uma professora no Rio de Janeiro, me lembro que o título era "O AVESSO DA VIDA", contava várias histórias engraçadas do cotidiano do Rio, numa delas falava sobre uma ruela em que moravam vários papa-defuntos, que quando um velhinho atravessava a rua, eles corriam juntos já com a fita métrica na mão para medir o velhinho, pra saber o tamando caixão. Era mais ou menos assim, pois fazem muitos anos e eu perdi o livro. Ganhei esse livrinho mais ou menos em 78 a 80, não sei o nome do autor. Até hoje tento encontra um exemplar pela internet mais não consigo. Não sei se esse livreto tinha a ver com o Léo Montenegro, mas pelo que falaram a forma de contar histórias hilárias tem muito haver.

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    1. Essa estória do papa-defunto está no livro. Estou começando um projeto agora para publicar o livro digitalmente, recolher material minha tia que guarda tudo e até criar uma seção "colabore" onde o leitor do site irá poder digitalizar e enviar algum recorte de jornal guardado, ai publico e dou crédito ao colaborador.

      Abraços a todos que conheceram meu tio.

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  5. Pow gente, que saudades do Avesso,cansei de comprar o jornal só pra ler o Léo.
    muitas saudades mesmo

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  6. Que boa lembrança, também não perdia "O Avesso" quando criança

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    1. Incrível coincidência... também colecionava recortes do jornal O Dia, especificamente da página 4. Depois que meu pai lia o jornal, tomava posse e recortava "O Avesso da Vida". Me divertia muito com as histórias prá lá de engraçadas e com os nomes exóticos dos personagens. Também perdi minha coleção...

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  7. Caramba...foi com a coluna do Léo Montenegro que eu aprendi a gostar de ler jornal,curti muito e cheguei a colecionar mas depois que inventaram a internet e me casei....deixei na antiga casa e se perdeu ...mas guardo muitos episódios engraçados na memoria....boa leitura

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  8. Quando criança meu avô comprava o jornal O Dia com frequência e a parte que eu mais gostava, talvez a única, a crônica do Leo Montenegro. Um estilo único e muito divertido de escrever o cotidiano do subúrbio carioca. Já adulto lia sempre que podia.

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  9. Quando criança meu avô comprava o jornal O Dia com frequência e a parte que eu mais gostava, talvez a única, a crônica do Leo Montenegro. Um estilo único e muito divertido de escrever o cotidiano do subúrbio carioca. Já adulto lia sempre que podia.

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