“O caminho incrivelmente severo do verdadeiro mestre do zen não é para qualquer pessoa, e não é de surpreender que só alguns discípulos extremamente adiantados consigam bons resultados. Mas quando conseguem a liberdade que atingem é absoluta e ilimitada. Eles ficam livres de tudo, inclusive dos próprios professores e mestres amados.
O momento real da libertação final chega inesperadamente, como um raio do Céu, e não é resultado de nenhum ato do discípulo. Simplesmente acontece. Este é o motivo pelo qual os mestres do zen costumam falar em 'iluminação súbita'.
Essa iluminação ocorre quando o demandante se libertou de si mesmo, quando já não resta uma única barreira, por mais fina e tênue que seja, quando a pessoa iluminada e a iluminação são uma só coisa. Nesse ponto o raio da iluminação divina consegue atingi-la.
Quando o 'iluminado' volta ao que chamamos 'vida normal', não há diferença nenhuma entre si mesmo e o ambiente. O iluminado não tem nenhum halo, nem o mais leve aroma de santidade a seu redor. O aspecto extremamente comum é o sinal exterior que o permite ser reconhecido pelos seus iguais, e também é o motivo de não ser reconhecido pelos outros.
Para ele, não há diferença entre o sagrado e o profano, nem há coisas como inferior e superior. O iluminado consegue conversar sobre qualquer assunto com qualquer pessoa, pois se confunde com tudo que entra em contato consigo.
Talvez apresente uma certa nobreza e dê uma impressão de distância, mas essas propriedades são aceitas sem discussão, do mesmo modo que aceitamos o perfume de uma flor: não se trata de uma encenação, pois essas propriedades são parte integral do ser do iluminado. Bodhidharma exprimiu esse critério de iluminação verdadeira em duas palavras sucintas: ‘Nada sagrado’.
(...) O caminho que tem de ser percorrido para chegar a esse estado é longo e pedregoso. Quem achar que um pouquinho de zazen aqui e ali já basta, está sujeito a ficar desapontado. Mas, ao mesmo tempo, posso atestar que se trata de um caminho que qualquer pessoa, sem nenhuma exceção, pode percorrer.
Desde que o Homem começou a pensar, existem demandantes que procuram a iluminação e encontram-na. A cadeia jamais foi rompida, mas a única coisa que chegou até nós foram os nomes dos mestres do zen de maior fama. A grande maioria dos que chegaram à iluminação é formada por anônimos.
O Homem vem procurando Deus desde a aurora da história: nas cavernas da Idade da Pedra, na América do Norte dos tempos antigos, muito antes da chegada do homem branco, no culto da 'Grande Mãe’ da Europa, no culto de ísis e Osíris do Egito e, posteriormente, nas chamadas Religiões Universais.
E não importa onde nem em que condições, sempre que o homem procurou Deus, encontrou-o. Mesmo antes de construir um templo para o Divino ou para os atributos dele, que eram os deuses, nunca houve um único lugar desta Terra em que o Homem não estivesse orando, procurando e meditando. Em nossa Terra, onde quer que ponhamos os pés, estamos pisando em solo sagrado.
Não há como negar a verdade miraculosa do seguinte: desde tempos imemoriais o Homem sempre carregou em si a centelha divina, e sempre conseguiu perceber o potencial divino que há em si próprio. A expressão exterior desta percepção pode ter sido diferente em épocas diferentes e em sociedades diferentes, mas sempre existiu. Na realidade, o Homem é imortal.
Nossa tarefa, que é desejo de Deus, é despertar a centelha interior e, se possível, abaná-la para obter uma chama bem grande. A eterna pergunta é: ‘Como?’ O melhor meio de começar é fazer um exame objetivo da situação em que você se encontra, tomando muito cuidado para não permitir que nenhuma emoção distorça suas observações.
Depois, independentemente de sua situação ser boa ou má, satisfatória ou insatisfatória, sua próxima tarefa é aceitá-la. Este é o primeiro obstáculo grande a ser transposto, e só pode ser transposto se você conhecer a natureza do carma.
A situação em que nascemos, nossos pais, o ambiente e a profissão que temos, tudo é determinado pelo carma, isto é, tudo é fruto do que fizemos nas encarnações anteriores a esta. Tendo compreendido perfeitamente isso, você vai começar a ver que, na realidade, está exatamente onde precisa estar, e na Terra não há outro lugar mais adequado a você nesta fase de seu desenvolvimento, mesmo que agora não lhe pareça que tudo está tão satisfatório assim. Compreender isso é o começo da aceitação.
O ponto que precisa ser reforçado a seguir é que você tem de aceitar o seu carma incondicionalmente, sem nenhum ‘e se...’ nem ‘mas...’ Tudo tem de vir do coração. Não cometa o erro de esperar que as coisas vão melhorar se você se obrigar a 'aceitar': isso não vai adiantar absolutamente nada.
Você tem de entender de verdade e aceitar de verdade, completamente. Mas depois de conseguir isso, pode estar certo de que já superou o maior de todos os obstáculos do caminho. Tenho de confessar que não é nada fácil, porque exige muita intuição e resistência interior, mas a recompensa é incrivelmente grande. (...)
Depois de conhecer bem a própria situação e aceitá-la, o terceiro passo do caminho é começar a livrar-se do carma que você trouxe das vidas anteriores. Não se importe em saber se o carma de agora é bom ou não; todas as pessoas que fazem parte do drama de sua vida estão aqui para equilibrar tudo que aconteceu antes; e cada ator tem alguma coisa a aprender.
Geralmente, as relações cármicas que há nas famílias, entre pais e filhos ou entre irmãos e irmãs, são extremamente negativas. Tanto são, que infelizmente as pessoas que tomam parte nesse tipo de relacionamento começam não querendo ou não conseguindo examinar melhor seu próprio carma. Se você está nessa situação, precisa entender que tem de encará-la; acontece que não há outra saída.
O caminho para Deus, que você está ansiando por encontrar, só vai ficar livre quando você jogar fora o carma que veio junto consigo para esta vida. Literalmente falando, o carma é um obstáculo que há no caminho, um obstáculo que você não pode contornar nem saltar.
Você tem de enfrentá-lo e negociar com ele; de outra forma, não consegue continuar. Apesar de tudo, não é tão difícil como parece no começo. E uma simples questão de perseverança e paciência.
A prática diária do zazen também ajuda muito. (...) A finalidade do zazen é chegar a um estado de paz interior; no começo, a atenção depositada na 'posição' tem de se concentrar no silêncio e no vazio. O tempo necessário para chegar a esse estado varia de uma pessoa para outra.
Ao mesmo tempo, você precisa esforçar-se para apagar todos os pensamentos negativos que tiver em relação aos outros, especialmente as pessoas que encara como inimigas. Provavelmente vai verificar que pensa demais nisso, com uma intensidade muito grande; o fato é que os hábitos e as emoções entranhadas em você resistem muito a mudar.
Mas, por mais paradoxal que pareça, trata-se de um ótimo sinal. É uma indicação, embora negativa, de que alguma coisa começou a movimentar-se em seu mundo interior. A pergunta seguinte é: ‘Como se deve lidar com os pensamentos negativos desse tipo?’
A tendência inicial do principiante, que tem de ser evitada a qualquer custo, é suprimir esses pensamentos. Logo que você perceber estar pensando mal de alguém, simplesmente ordene-se para pensar bem, sem imaginar o que pode acontecer depois.
Concentre-se em formar um pensamento positivo, sem procurar lutar contra o pensamento negativo. Por exemplo, você poderia dizer algo como: ‘Desejo que tudo esteja bem com ele (ou com ela)".
(Retirado e adaptado de “No Caminho do Satori” de Gerta Ital, Editora Siciliano)
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