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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Os Olhos de Ramana Maharshi

Já disse aqui (ou se não disse deveria ter dito) que grande parte do que aprendi na vida foi através dos livros. (costumava brincar com minha irmã que eles "me chamavam"). Os livros confirmaram e desmentiram muitas das crenças e ideias que desenvolvi por mim mesmo ao longo dos anos e me investiram de outras novas que sempre depois de comprovadas e postas a prova tornaram-se parte de mim mesmo. Cheguei a Ramana Maharshi em meio de uma das minhas Bad Trips existenciais geralmente sanadas dentro de um sebo empoeirado e cheirando a fungos. Não tinha e não tenho muita predileção pelo Caminho Hindu com sua litania de mortificação e privações. Já li muito sobre os Vedas e tenho uma grande admiração pelo Bhagavad Gitã, não muito mais. O que me atraiu para conhecer o pensamento de Ramana Maharshi foi a capa do livro que cito abaixo; ela traz uma foto do Sábio por volta de 1941 e os seus olhos me hipnotizaram imediatamente. Eles trazem uma placidez e uma profundidade que fico imaginando como seria encontrar-se pessoalmente na presença dele. E de fato nos livros que eu li várias pessoas atestam o poder da mera presença desse homem no mesmo aposento para mudar completamente a vida de qualquer um. Eu queria tê-lo conhecido...



Ramana Maharshi nasceu em 30 de dezembro de 1879 e morreu em 14 de abril de 1950, foi um importante religioso hinduista. Pertencia à doutrina vedanta advaita (‘não dual’, não há almas e Deus, senão que as almas são Deus). Foi um dos religiosos hinduistas mais conhecidos do século XX, junto a Paramahansa Yogananda e SriAurobindo . Viveu na sagrada colina de Arunachala em Tiruvannamalai (a 170 km de Madrás ) no estado de Tamil Nadu. O núcleo de seus ensinos foi a prática de atma-vichara (a indagación da alma).

O Inglês F.H. Humphreys foi o seu primeiro discípulo ocidental. Ele veio para Índia como um oficial da Polícia indiana. Embora Humphreys jamais se tenha hospedado com Sri Bhagavan e apenas umas poucas vezes o tenha visitado, embebeu-se dos seus ensinamentos e recebeu a sua Graça.

O contato de Humphreys, com Ramana foi aparentemente limitado a visitas extraordinárias. Diz-se que Humphreys aposentou prematuramente do serviço de polícia e se tornou um monge em anos posteriores. Um resumo que mandou a um amigo na Inglaterra foi posteriormente publicado na International Psycbic Gazette e segue sendo uma excelente apresentação de tais ensinamentos.

“Um Mestre é alguém que meditou apenas em Deus, atirou toda a sua personalidade no mar de Deus, afogou-a e esqueceu-a ali, até tornar-se apenas o instrumento de Deus e quando sua boca se abre fala palavras de Deus sem esforço nem planejamento prévio; e quando ergue a mão, Deus flui novamente através dela, realizando um milagre.

Não leve em grande consideração os fenômenos físicos e coisas que tais. Eles são inumeráveis; e uma vez estabelecida a fé no coração daquele que busca, esses fenômenos terão cumprido suas finalidades. Clarividência, clariaudiência e coisas semelhantes não valem a pena, quando uma iluminação tão maior e uma paz tão maior são possíveis sem elas e não com elas. O Mestre assume tais poderes como uma forma de auto-sacrifício!

A ideia de que um Mestre seja alguém que desenvolveu poderes sobre forças e sentidos ocultos através de longa prática, orações ou coisa parecida, é absolutamente falsa. Mestre algum jamais deu a mínima importância aos poderes ocultos, pois não necessita deles na vida cotidiana.

Os fenômenos que vemos são curiosos e surpreendentes — mas o mais maravilhoso de tudo não percebemos: uma, e apenas uma, força ilimitada é responsável por:

(a)       Todos os fenômenos que vemos; e
(b)       O ato de vê-los.

Não fixe sua atenção sobre essas coisas mutáveis da vida, morte e fenômenos. Não pense sequer no próprio ato de vê-las ou percebê-las, mas apenas naquilo que vê essas coisas — aquilo que é responsável por tudo. Isto parecerá quase impossível a princípio, mas, aos poucos, os resultados serão sentidos. São necessários anos de uma prática diária e constante, e é assim que se faz um Mestre.

Dê um quarto de hora diário a esta prática. Tente manter a mente inabalavelmente fixada Naquilo que vê. Fica dentro da gente. Não espere descobrir que Aquilo é algo definido sobre que a mente se possa fixar com facilidade; não é assim. Embora sejam precisos anos para descobrir Aquilo, o resultado desta concentração será visto no prazo de quatro ou cinco meses — em todos os tipos de clarividência inconsciente, na paz de espírito, no poder de dominar os aborrecimentos, no poder de modo geral, porém sempre um poder inconsciente.

Dei-lhes estes ensinamentos nas mesmas palavras que o Mestre usa para com os chelas [discípulos]. De agora em diante, que o seu pensamento durante a meditação não repouse sobre o ato de ver, nem sobre aquilo que é visto, mas irremissivelmente sobre Aquilo que vê.

Não há qualquer recompensa pela Consecução. Compreende-se depois que não se está atrás de nenhuma recompensa. Como diz Krishna: — Tendes o direito de trabalhar, mas não de colher os frutos. Uma perfeita consecução é apenas adoração, e adoração é consecução.

Se você compreender que pensa apenas em virtude da única Vida, e que a mente, animada pela única Vida ao ato de pensar, é uma parte do todo que é Deus, então saberá que sua mente não tem existência como entidade separada; e o resultado é que mente e corpo, fisicamente, por assim dizer, desaparecem; e a única coisa remanescente é o Ser, que é ao mesmo tempo existência e não--existência e não se pode explicar em palavras ou ideias.

Um Mestre não pode evitar estar perpetuamente neste estado com apenas esta diferença, de que de alguma forma, para nós incompreensível, pode usar a mente, o corpo e o intelecto sem cair na ilusão de que tem uma consciência em separado.

Inútil é especular, inútil é tentar uma compreensão mental ou intelectual. Trata-se apenas de religião, um código para as crianças e para a vida social, um guia que nos ajuda a evitar choques, de modo que o fogo interior possa queimar aquilo que temos de insensato, possa ensinar-nos, o quanto antes, um pouco de bom senso, isto é, o conhecimento de que o separatismo é ilusório.

A Religião, seja ela cristianismo, budismo, hinduísmo, teosofia ou qualquer outra espécie de ismo ou sofia ou sistema, pode apenas levar-nos àquele ponto em que todas as religiões se encontram e não além.

Aquele preciso ponto em que as religiões todas se encontram é a compreensão — não em sentido místico, mas no sentido mais mundano e terra-a-terra, e quanto mais mundano e terra-a-terra melhor — do fato de que Deus é tudo e tudo é Deus.

Desde ponto em diante começa o trabalho da prática dessa compreensão mental, e o resultado final é o rompimento de um hábito. É preciso deixar de chamar as coisas de "coisas" e chamá-las de Deus; e, ao invés de pensá-las como coisas, é preciso saber que são Deus; ao invés de imaginar a "existência" como a única coisa possível, deve-se compreender que esta existência (fenomenal) é apenas uma criação da mente, que a não--existência é uma sequencia necessária desde que postulemos a "existência".

O conhecimento das coisas só mostra a existência de um órgão a ser conhecido. Não há sons para o mudo, visões para o cego e a mente é apenas um órgão de concepção ou apreciação de certos aspectos de Deus.

Deus é infinito e, por conseguinte, existência e não-existência são apenas  contrapartidas dele. Não pretendo dizer que Deus seja composto de partes definidas. É difícil ser inteligível ao falar de Deus. O verdadeiro conhecimento vem de dentro e não de fora.   E o verdadeiro conhecimento não é "saber" mas "ver".

Compreensão nada mais é senão ver Deus literalmente. Nosso maior erro é pensar em Deus agindo simbólica e alegoricamente e não de forma prática e literal.

Tome-se um pedaço de vidro, desenhe-se nele cores e formas e coloque-se o mesmo numa lanterna mágica, acenda-se uma luz, e as cores e formas pintadas sobre o vidro serão reproduzidas na tela. Se a luz não fosse acesa, as cores na tela não seriam vistas.

Como se formam as cores? Decompondo-se a luz branca por meio de um prisma. Assim acontece com o caráter de um homem. Ele é visto quando a Luz da Vida (Deus) o atravessa, isto é, através das ações do homem. Se o homem estiver dormindo ou morto, não é possível ver-lhe o caráter. Apenas quando a Luz da Vida está animando o caráter e fazendo com que atue de mil formas diferentes, em resposta ao seu contato com o mundo multi-facetado, pode-se perceber o caráter de um homem.

Se a luz branca não houvesse sido decomposta e transformada em formas e figuras em nossa lanterna mágica, jamais ficaríamos sabendo que havia um pedaço de vidro diante da luz, pois a luz teria atravessado a lanterna. Num certo sentido essa luz branca foi empanada e ficou privada de um pouco da sua claridade ao ser obrigada a atravessar as cores do vidro.

Assim acontece com o homem comum. Sua mente é como a tela. Sobre ela reflete-se a luz, embaçada e alterada porque ele permitiu ao mundo multi-facetado interpor-se no caminho da Luz (Deus) e interrompê-la. Ele vê apenas os efeitos da luz (Deus) e não a própria Luz (Deus), e sua mente reflete os efeitos que vê assim como a tela reflete as cores sobre o vidro.

Retire-se o prisma e as cores desaparecerão, reabsorvidas na luz branca de onde emanam. Retirem-se as cores e a luz simplesmente atravessará a lanterna. Retire-se de nossas vistas o mundo dos efeitos que vemos, permita-se que examinemos a causa, e veremos a Luz (Deus).
Um Mestre em meditação, conquanto com olhos e ouvidos abertos, fixa sua atenção com tal firmeza "Naquilo que Vê" que ele não vê nem ouve, nem tem consciência física de nenhuma espécie — apenas espiritual.

Precisamos afastar o mundo, que causa nossas dúvidas, que nos anuvia a mente, e a luz de Deus brilhará. Como se pode afastar o mundo? Quando, por exemplo, ao invés de ver um homem a gente vê e diz: — Isto é Deus animando um corpo — corpo esse que responde, mais ou menos perfeitamente, à orientação de Deus, da mesma forma pela qual um navio obedece mais ou menos perfeitamente aos comandos do leme.

Que são os pecados? Por que, por exemplo, um homem bebe em demasia? Porque odeia a ideia de estar preso: preso à incapacidade de beber tanto quanto deseja. O homem luta pela liberdade e cada pecado que comete.

Esta luta pela liberdade é a primeira ação instintiva de Deus na mente humana. Pois Deus sabe que ele não está preso. Beber em demasia não proporciona liberdade ao homem, mas o homem não sabe então que está a procura de liberdade. Ao compreendê-lo, busca a melhor forma de obter a liberdade.

Mas o homem só conquista tal liberdade ao perceber que nunca esteve preso. O Eu que se sente tão aprisionado é na realidade o Espírito Ilimitável. Estou preso porque não sei nada que não perceba através de um dos meus sentidos. Enquanto, o tempo todo, sou aquilo que percebe em todo corpo, em toda mente. Tais corpos e mentes são apenas os instrumentos do Eu, o Espírito ilimitável.

Que quero com os instrumentos sendo eu os próprios instrumentos, assim como as cores são a Luz Branca?

Retirado de: “Ramana Maharshi e o Caminho do Autoconhecimento” de Arthur Osborne, Editora Pensamento.

Um comentário:

  1. Ramana Maharshi é um dos únicos mestres indianos por quem realmente tenho devoção, pois como você disse, seus olhos dizem tudo.
    PS: O outro mestre chama-se Siddharta Gautama.

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