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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Felicidade na Infelicidade

“Seguir as boas intenções em nome da bondade... não é garantia alguma. Não se sabe se foram as ‘boas intenções mais a estupidez’ ou as ‘más intenções mais a inteligência’ que trouxeram mais mal ao mundo”.
(Dietrich Dörner, The Logic of Failure)

“Em geral, o compromisso religioso e a prece são benéficos. Quem é religiosamente atuante e costuma rezar tem duas vezes mais probabilidades de se considerar ‘muito feliz’ do que quem tem um nível inferior de compromisso espiritual. As pesquisas revelam uma correlação positiva entre saúde, física e mental, e compromisso religioso, que geralmente envolve a prece.
Por que quem reza é geralmente mais feliz do que quem não reza?
Pesquisadores descobriram quatro traços que caracterizam pessoas felizes.
Primeiro: elas se gostam: têm alta auto-estima.
Segundo: as pessoas felizes geralmente têm senso de autocontrole — sobre a vida, as situações, a saúde e assim por diante.
Terceiro: são otimistas.
Quarto: são geralmente voltadas para fora e não focalizadas em si mesmas.
A prece, como favorece todos esses traços, torna a felicidade mais provável. Mas isso não significa que podemos ‘conseguir’ a felicidade rezando por ela.
Muitas tradições espirituais, na verdade, diminuem a importância de ser feliz, como no seguinte relato da tradição zen:
Um dia foi anunciado pelo Mestre Joshu que o jovem monge Kyogen tinha atingido o estado de iluminação. Impressionados pela notícia, seus companheiros foram falar com ele.

‘Soubemos que você está iluminado. È verdade?’, perguntaram seus colegas.
‘É’, respondeu Kyogen.
‘Conte para nós como se sente’, pediu um amigo.
‘Infeliz como sempre’, respondeu o iluminado Kyogen.

Por que os mestres espirituais advertem contra o desejo fanático de ser feliz?
Por que tantas vezes ficamos melancólicos quando menos esperamos, até mesmo quando as coisas estão indo bem?
Por que os pensamentos infelizes parecem levar a melhor com tanta facilidade?
Essas perguntas foram feitas por todas as religiões e nunca faltaram respostas. As respostas a esses enigmas influenciam nossa maneira de rezar (...), de nossas preces terem ou não resultados negativos.
Cabe perguntar se temos algum tipo de predileção biológica pela negatividade. Mihaly Csikszentmihalyi, professor e antigo chefe do Departamento de Psicologia da Universidade de Chicago, explica em seu livro admirável, The Evolving Self, por que a mente parece tender sempre à infelicidade.
Ele sugere que talvez sejamos programados para a negatividade. Pode ser que uma tendência pessimista tenha sido incrustada em nossos pensamentos durante o longo curso da evolução. Segundo a teoria da evolução, os traços e comportamentos que favorecem a sobrevivência e a reprodução de um organismo são biologicamente integrados e perpetuados nas gerações seguintes.
È a infelicidade, e não a felicidade propõe Csikszentmihalyi, que favorece a sobrevivência num ambiente hostil. Se enfatizamos as possibilidades negativas, nós nos tornamos mais alertas e mais equilibrados para reagir aos perigos que podem surgir a qualquer momento. ‘Enfatizando as possibilidades desagradáveis’, diz Csikszentmihalyi, ‘estaremos mais preparados para o inesperado’.
Se essa hipótese estiver correta, a mente se acostumou, ao longo da história da espécie, a se voltar para os pensamentos negativos, assim como a agulha de uma bússola aponta para o norte.
A ligação possível entre nossa biologia e nosso fascínio pelo lado negativo da vida levanta questões interessantes sobre religião. Uma das características das visões religiosas ocidentais é seu foco na depravação inata dos seres humanos e na necessidade de redenção ou salvação.
Será que o fascínio religioso coletivo pelo lado escuro da natureza humana pode ser uma sequela de nosso remoto passado biológico?
Será que achamos a imagem da depravação intrínseca mais atraente do que o divino interior porque temos uma predisposição inerente à infelicidade?
Será que somos destinados, pelo DNA, a ter mais fascínio pela fraqueza do que pela glória?(...)
Se a capacidade de focalizar as possibilidades negativas e de ser infeliz nos deu uma vantagem para sobreviver ao longo da história evolutiva, então a infelicidade é uma amiga e aliada que merece respeito e gratidão. Se não fosse essa tendência intrínseca a tristeza, talvez não estivéssemos aqui para lamentar o fato de nem sempre estarmos em êxtase.
Em vez de tentar afastar com orações a melancolia, quando estivermos no fundo do poço devemos considerar a possibilidade de agradecer por isso, lembrando que ao longo dos éons a infelicidade abriu caminho para a felicidade.
Dessa perspectiva, vemos que tristeza e alegria, como luz e sombra, são na verdade parceiras. E uma perspectiva que ajuda a suportar a tristeza e impede que caiamos naquele círculo vicioso patético e negativo: ficar infeliz por não se sentir feliz.
Se percebêssemos o valor da infelicidade na vida — não apenas na vida individual, mas na história da espécie — talvez fôssemos mais equilibrados, mais estáveis, mais fortes. Precisaríamos menos de Valium.(...)
A infelicidade pode ter um papel positivo na vida, mas isso não quer dizer que mais é sempre melhor. A melancolia excessiva pode se transformar em depressão, que domina e destrói. Mas também podemos ter carência de infelicidade. A vida precisa opor resistência. Sem isso, é difícil aumentar a força e a estamina no plano mental e no plano físico.
Não é fácil, mas é preciso olhar de frente o sofrimento e a infelicidade e resistir à tendência reflexa de rezar ao menor indício de desconforto. É preciso refletir sobre o valor da infelicidade, que pode enriquecer a vida.
É preciso ponderar sobre os momentos de sofrimento e deixar que o significado dessas experiências se revele a seu tempo. Quem percebe que está usando a prece Para ser feliz deve parar e avaliar as consequências potenciais desse tipo de prece.
Acima de tudo, devemos resistir à tendência de confundir progresso espiritual e psicológico com bem-estar constante, tendo cuidado para não acuarmos a nós mesmos de fracasso espiritual por não ficarmos em êxtase o tempo todo.”

Retirado e adaptado de: Cuidado com o que você pede em suas orações... Você pode ser atendido! De Larry Dossey. Ed. Cultrix.

2 comentários:

  1. Ai, o negócio tá bom neste blog, hein.
    Mais um texto que assino em baixo!
    vou roubá-lo para ler para as meninas também. Hehehe
    Bjks

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  2. Num episódio de Xena, quando ela ela estava dormindo e foi atacada, ela respondeu prontamente na luta. E aí a parceira perguntou a ela como ele sempre parecia prever os ataques. Perguntou como ele (quase) nunca era pega de surpresa. E Xena respondeu: Sempre presuma que vai ser atacada.
    Segundo a história oficial, Lampião, Maria Bonita e seu bando foram derrotados pela volante, quando estavam relaxados, dormindo em êxtase absoluto, após uma noitada de confraternização e relaxamento.
    Esses são alguns exemplos, um da ficção, outro supostamente da vida real.
    Abraços.

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