"Don Juan dizia, no primeiro livro de Carlos [Carlos Castaneda – “A Erva do Diabo”], que um homem vai ao Saber como quem vai à guerra. Com medo, com respeito, bem acordado e com absoluta confiança. Por isso, o homem que vai à procura do Conhecimento pode muito bem ser chamado de Guerreiro.
O jeito certo de se andar por esses caminhos é o do guerreiro. Em “Porta para o Infinito”, o bruxo yaqui nos revela que viver como um guerreiro "é a cola que junta todas as partes..." de seu conhecimento.
O ânimo do guerreiro é um dos termos centrais em toda a obra de Castaneda, constitui a atitude fundamental presente em tudo aquilo que o caminho do conhecimento exige. Don Juan diz a Carlos que somente como guerreiro poderá sobreviver no mundo do bruxo, embora não seja indispensável ser bruxo para ser guerreiro. A possibilidade não é fácil, mas está aberta a qualquer um.
O modo do guerreiro de que nos fala a obra de Castaneda tem pouco ou nada a ver com as guerras humanas segundo as conhecemos, sobretudo porque nada tem a ver com a violência ou a tentativa de destruição de coisa alguma, nem de ninguém. Muito menos dos outros.
Isto é bastante difícil de ser captado numa sociedade como a nossa, onde a palavra guerra nos remete a uma das atividades mais frequentes do homem comum, quer no campo individual, quer no social, e que se refere sempre à tentativa de impor a outros as nossas próprias condições, através do uso sutil ou deslavado da violência.
No entanto, o mundo não ocidental pôde conhecer noções de guerra e luta que nada têm a ver com a guerra que o ocidente conhece. Um exemplo seria o das guerras floridas praticadas na América Central pré-colombiana, que os historiadores ocidentais nunca conseguiram compreender realmente, justamente por causa da sua natureza não-violenta. Tanto não foram compreendidas que as deturparam até transformá-las em mais uma expressão do tipo de guerra com que o ocidente está tão familiarizado.
A visão donjuanista do guerreiro e da luta que ele enfrenta é outro exemplo de uma noção de guerra substancialmente diferente. O guerreiro é guerreiro porque está sempre na luta. A sua luta é contra as suas próprias fraquezas e limitações; contra as forças que se opõem ao engrandecimento de seu conhecimento e seu poder; contra as forças do seu destino de homem comum e corriqueiro, determinado em todo sentido pela sua história pessoal e as suas circunstâncias. Ele quer resgatar a possibilidade de escolher ele mesmo como ser e como viver.
É uma luta pela harmonia e a quietude. E uma luta pela liberdade, ciente de que esta começa dentro cada um, cara daí projetar-se sobre tudo o que compõe o mundo onde age. E uma luta calada, suave e alegre.
O modo do guerreiro é uma atitude; uma forma de viver constantemente o desafio de ser, que por isso mesmo não admite uma definição exata ou totalizante. A atitude do guerreiro é uma noção, uma direção, uma persistência em escolher o jeito forte e autêntico em cada ato.
Talvez a marca mais representativa do guerreiro seja a sua persistência em buscar a impecabilidade em cada uma das suas ações; mesmo na menor delas. Ele entende impecabilidade como dar o melhor de si mesmo em tudo o que faz; o que do ponto de vista da energia implica seu uso ótimo. Mesmo que todas as suas outras motivações desabem, o guerreiro persistirá na sua forma de conduta, nem que seja apenas pela própria impecabilidade.
A partir deste conceito aberto, surge uma série de diretrizes aplicáveis a quase todas as ações humanas. E na vida sensata onde o guerreiro encontra o equilíbrio e a inteireza necessários para superar todos os momentos difíceis do caminho do conhecimento, não importa quanto a sua razão possa confundir-se ou seu ego sentir-se magoado em determinado momento.
Qualquer coisa que se estiver fazendo, pode-se tentar fazê-la ao modo do guerreiro. Ao modo daquele que sempre está na luta e nunca abandonado, que não admite o desleixo nem a entrega, que transforma o menor dos seus atos no desafio de poder ir além de seus limites cada vez, de ser melhor, mais potente, mais suave, mais real...
Entre os elementos que formam as armas fundamentais de um guerreiro, podemos destacar a vontade, como poder que emana de si mesmo para tocar e sentir o mundo, até para dirigi-lo; um poder que haverá de conduzi-lo a batalhas maiores e mais intensas, as mesmas que a sua razão não se atreveria a enfrentar.
Acontece que o guerreiro não é mais um homem acorrentado aos medos e fantasias de seu pensamento, mas alguém que atenta para o seu sentimento e que tem a impulsioná-lo seu poder pessoal, essa energia substancial que com tanto esforço vem poupando e incrementando.
Ele conta também com a consciência plena da sua morte iminente e faz de cada ato a sua última batalha e, portanto, dá o melhor de si. Por isso, tendo a morte como companheira constante a infundir poder em cada um dos seus atos, transforma em tempo mágico seu tempo de homem vivo na terra.
A consciência da sua morte iminente lhe confere também o desapego necessário para não se prender a nada e para não se negar nada. Desapegado de tudo, consciente da sua brevidade e em luta constante, o guerreiro aprende a construir a sua vida através do poder das suas decisões.
Ele trabalha a cada momento para alcançar o controle de si mesmo, e ao fazer isto consegue o controle do seu mundo pessoal. Pega em suas mãos o rumo da sua vida e o dirige estrategicamente. Cada coisinha que ele faz é um ponto da sua estratégia. De fato, controle e estratégia são dois fatores sempre presentes no seu jeito de andar pela vida.
O controle é o esforço constante para conseguir dirigir — de propósito — os diferentes elementos que incidem na sua forma de ser e de viver. Aplica-se a tudo o que ele faz, de modo que suas ações e reações não são fruto do acaso, das circunstâncias externas ou de rompantes emocionais, mas estão inseridas na estratégia da sua vida.
Nela, não há espaço para o capricho, a mecanicidade ou os atos impulsivos, porque os atos do guerreiro não são atos inconexos ou dispersos, mas atos sempre ajustados aos termos da estratégia previamente elaborada e que ele usa para atingir os objetivos a que se propôs como expressão da sua predileção mais íntima. Os elementos que configuram a estratégia do guerreiro são os elementos do caminho com coração, por isso ele toma seu tempo para curtir e desfrutar cada pedacinho de tempo.
Valendo-se da sua vontade, do controle e da estratégia, e consciente da sua morte iminente, o guerreiro aprende a reduzir suas necessidades a nada. Ele percebe que as necessidades geram as carências e a desdita. Assim, não necessitando, não anseia nem se preocupa. Portanto, pode agir sem a carga da necessidade, do anseio ou da desdita. Quando para de necessitar, como não está premido, pode arranjar para si tudo de que precisar.
Desaparecidas as necessidades, tudo o que tem e tudo o que recebe, mesmo o menor e o mais simples, vira maravilhoso presente e a vida, sem importar quanto se tem, torna-se permanente estado de abundância.
Retirado de: "Os ensinamentos de Don Carlos: Aplicações práticas dos trabalhos de Carlos Castaneda" de Victor Sanches, Editora Record - Nova Era)
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