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terça-feira, 26 de junho de 2012

A Solidão do Taxista


Por Denise Fraga
Tive um tio taxista. Por incrível que pareça, de vez em quando, ele me colocava no carro e me levava pra trabalhar junto com ele.

Eram outros tempos. Eu tinha lá meus oito, nove anos e, quando o passageiro se surpreendia com a presença da menininha no banco de trás, meu tio falava: "Se o senhor não se importa, amigo, eu estou com a minha sobrinha, vou levá-la ao dentista, mas posso quebrar o galho e fazer sua corrida".

Ninguém se importava, ele nunca me levou ao dentista e ganhamos muitas histórias no fusquinha verde-água zanzando pelo Rio de Janeiro.

Eu escutava as conversas, as notícias do rádio, dormia, acordava, ganhava balas dos passageiros e via a vida correndo pela janela. Era fã do meu tio e de seu jeito de flanar pela vida. Ele achava tudo divertido, adorava um bom papo e não via problema nenhum em me colocar no carro pra participar das suas delícias.

Meu tio me fez crer que uma das melhores profissões do mundo é taxista. Virei atriz. Mas, se há coisa de que gosto, é andar de táxi.

Sento no banco de trás, abro a janela e talvez seja o próprio tio Fausto que lá de cima continua me enviando preciosidades através de seus colegas. Mesmo quando não rola conversa, o simples fato de ficar sacolejando no trânsito olhando pela janela é para mim algo de extremo prazer. Pequenos brindes de minha infância herdados por minha vida adulta.

O vento na janela de um táxi é uma das coisas que pouco mudaram desde os anos 70. Às vezes, é preciso fechar o vidro, mas a vida continua passando aos seus olhos. É um descanso sem igual.

Acontece que comprei um iPhone e, pouco a pouco, fui pedindo licença a meu amigo taxista para um telefonema aqui, um e-mail acolá e passei a interromper meu precioso flanar nos táxis com coisas que acho que precisam ser feitas naquela hora.

Em dias mais corridos, entro dizendo o destino entre uma fala e outra ao telefone, já digito uma mensagem, pago a corrida com o troço no ombro e saio do carro com meu tio balançando a cabeça lá em cima. Que desperdício!

Comecei então a fazer um exercício rigoroso para aproveitar meu passeio de táxi. Proibi à minha pessoa o uso do celular no veículo, como num avião. Tenho resistido, mas a sensação de que poderia já estar resolvendo isso ou aquilo, de que estou perdendo tempo já que tenho ali, ao meu alcance, minha ligação com o mundo, isso é uma doença crônica dos nossos tempos.

Meu celular me abriu infinitas janelas, mas me roubou a mais preciosa de todas. Nossos eletrônicos vão sorrateiramente nos roubando a plenitude. O simples estar num lugar, sem achar que poderia estar em outro.

Penso no meu tio e só me consola imaginar o quanto se divertiria ouvindo os absurdos que falamos no celular ao ignorar o solitário taxista. Eles devem ter muitas histórias pra contar pra suas esposas quando chegam pra jantar. Se elas não estiverem no Facebook.

Denise Fraga, atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo), passa a escrever quinzenalmente no Equilíbrio.

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