Por Denise Fraga
Tive
um tio taxista. Por incrível que pareça, de vez em quando, ele me colocava no
carro e me levava pra trabalhar junto com ele.
Eram
outros tempos. Eu tinha lá meus oito, nove anos e, quando o passageiro se
surpreendia com a presença da menininha no banco de trás, meu tio falava:
"Se o senhor não se importa, amigo, eu estou com a minha sobrinha, vou
levá-la ao dentista, mas posso quebrar o galho e fazer sua corrida".
Ninguém
se importava, ele nunca me levou ao dentista e ganhamos muitas histórias no
fusquinha verde-água zanzando pelo Rio de Janeiro.
Eu
escutava as conversas, as notícias do rádio, dormia, acordava, ganhava balas
dos passageiros e via a vida correndo pela janela. Era fã do meu tio e de seu
jeito de flanar pela vida. Ele achava tudo divertido, adorava um bom papo e não
via problema nenhum em me colocar no carro pra participar das suas delícias.
Meu
tio me fez crer que uma das melhores profissões do mundo é taxista. Virei
atriz. Mas, se há coisa de que gosto, é andar de táxi.
Sento
no banco de trás, abro a janela e talvez seja o próprio tio Fausto que lá de
cima continua me enviando preciosidades através de seus colegas. Mesmo quando
não rola conversa, o simples fato de ficar sacolejando no trânsito olhando pela
janela é para mim algo de extremo prazer. Pequenos brindes de minha infância
herdados por minha vida adulta.
O
vento na janela de um táxi é uma das coisas que pouco mudaram desde os anos 70.
Às vezes, é preciso fechar o vidro, mas a vida continua passando aos seus
olhos. É um descanso sem igual.
Acontece
que comprei um iPhone e, pouco a pouco, fui pedindo licença a meu amigo taxista
para um telefonema aqui, um e-mail acolá e passei a interromper meu precioso
flanar nos táxis com coisas que acho que precisam ser feitas naquela hora.
Em
dias mais corridos, entro dizendo o destino entre uma fala e outra ao telefone,
já digito uma mensagem, pago a corrida com o troço no ombro e saio do carro com
meu tio balançando a cabeça lá em cima. Que desperdício!
Comecei
então a fazer um exercício rigoroso para aproveitar meu passeio de táxi. Proibi
à minha pessoa o uso do celular no veículo, como num avião. Tenho resistido,
mas a sensação de que poderia já estar resolvendo isso ou aquilo, de que estou
perdendo tempo já que tenho ali, ao meu alcance, minha ligação com o mundo,
isso é uma doença crônica dos nossos tempos.
Meu
celular me abriu infinitas janelas, mas me roubou a mais preciosa de todas.
Nossos eletrônicos vão sorrateiramente nos roubando a plenitude. O simples
estar num lugar, sem achar que poderia estar em outro.
Penso
no meu tio e só me consola imaginar o quanto se divertiria ouvindo os absurdos
que falamos no celular ao ignorar o solitário taxista. Eles devem ter muitas
histórias pra contar pra suas esposas quando chegam pra jantar. Se elas não
estiverem no Facebook.
Denise
Fraga, atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e
"Retrato Falado" (ed. Globo), passa a escrever quinzenalmente no
Equilíbrio.
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