Por Celso Miranda e Ricardo Giassetti
"Amada
minha, ficarei deveras lisonjeado se aceitares me acompanhar à pharmacia para
um xarope carbonatado.” Um convite para tomar xarope na farmácia pode não soar
como uma cantada lá muito romântica hoje em dia, mas, no fim do século 19, era
tudo que uma jovenzinha americana queria ouvir. Afinal, quem não queria experimentar
a grande onda, os refrigerantes? Os primeiros deles nasceram numa época em que
se confundiam as propriedades medicinais das fontes de águas minerais com as
recentes invenções de Joseph Priestley (1767) e John Mathews (1832). Priestley
criou um meio de produzir água gaseificada artificialmente, a soda. Mathews
desenvolveu o que ficaria conhecido como soda fountain, um aparato que produzia
água com gás de forma simples, diretamente no balcão da farmácia. Acreditava-se
que a água gaseificada tinha propriedades terapêuticas e por isso ela era
recomendada para diversos tipos de tratamento, de simples cólicas à
poliomielite.
Por
volta da metade do século 19, já era comum encontrar fontes de soda instaladas
nas farmácias por todos os Estados Unidos. “Não se sabe exatamente quem foi o
primeiro a colocar substâncias adoçantes e corantes na água gasosa, mas
certamente isso aconteceu numa farmácia, onde as misturas eram feitas e
vendidas como tônicos”, diz Jorge Fantinel, engenheiro químico e consultor das
empresas do setor, autor de Os Refrigerantes no Brasil. As primeiras
experiências foram feitas com xarope de limão, a soda limonada. Imediatamente
depois vieram as misturas com morango, noz-de-cola – um fruto africano parente
do cacau, rico em cafeína, conhecido no Brasil como orobô – e ginger-ale, feito
de gengibre. Nessa época, eles ainda não tinham o nome de refrigerantes e eram
chamados de xaropes gasosos. Mas, vendidos a 1 centavo de dólar, já eram um
sucesso.
O
crescimento do consumo fez muitas farmácias se transformarem em pontos de
encontro. Outras deixaram de lado a venda de remédios para aumentar o espaço de
atendimento dos ávidos bebedores de xaropes gasosos. Fenômeno semelhante
ocorreu com os proprietários, que começaram a competir pelos fregueses criando
xaropes cada vez mais elaborados, fechando suas lojas para se dedicar à
produção e venda no atacado. As três maiores marcas norte-americanas atuais
foram criadas num espaço de pouco mais de dez anos, por três desses
ex-farmacêuticos. Charles Alderton inventou a fórmula da Dr. Pepper, em 1885.
No ano seguinte John Pemberton tirou da manga um concentrado com “qualidades
estimulantes” à base de noz-de-cola, folhas de coca e outros ingredientes ao
qual daria o nome de Coca-Cola. Em 1898 surgiu a Pepsi-Cola, que usava a mesma
noz-de-cola e uma enzima para “ajudar na digestão”, a pepsina.
Mas
sair das drogarias e chegar sãos, salvos e borbulhantes à casa do consumidor
era uma tarefa impossível para os refrigerantes. O limitador, nesses primeiros
tempos da indústria, era a embalagem. “Apesar de o primeiro xarope engarrafado
datar de 1835, antes da invenção da máquina para moldar vidro, obra do
americano Michael Owen, em 1904, as garrafas eram sopradas artesanalmente e
variavam na forma e tamanho, dificultando o transporte e o empilhamento”,
afirma Jorge. Outra dificuldade era a vedação das garrafas. Das rolhas com
arame (similares às de champanhe) às tampas Hutchinson, que seguravam a pressão
de dentro para fora, os progressos foram tímidos e os acidentes em depósitos,
constantes, transformando o estoque de refrigerantes numa atividade barulhenta
(e dispendiosa). A revolução que levou definitivamente o refrigerante para
dentro das casas das pessoas foi a tampinha coroa, inventada em 1892 pelo
americano William Painter. A rolha metálica recoberta de cortiça
(posteriormente trocada pelo plástico) era perfeita para conter a pressão do
líquido gasoso. Daí por diante, os xaropes continuariam sendo vendidos nos
balcões, mas o caminho até a mesa do almoço de domingo estava definitivamente
aberto.
Guaraná Brasil
Por
aqui, a moda das fontes de soda não pegou e a indústria partiu direto para o
engarrafamento. “Os equipamentos eram precários para gaseificar água e mais
ainda para produtos com açúcar, que necessitam de temperaturas de operação mais
baixas e pressões maiores. Nosso clima não ajudava a indústria”, diz Jorge
Fantinel. Enquanto Coca, Pepsi e Dr. Pepper se industrializavam, abriam novas
fábricas e melhoravam a distribuição nos Estados Unidos, um médico de Resende,
no Rio de Janeiro, descobriu que uma frutinha vermelha e tipicamente
brasileira, o guaraná, dava um tremendo xarope. Em 1905, o doutor Luiz Pereira
Barreto elaborou um método de processamento da fruta.
A
partir de 1906 a F. Diefenthalerr, de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, lançou
a primeira linha de refrigerantes industrializados, incluindo a Limonada
Gazosa, o Guaraná Cyrilla e a Água Tônica de Quinino. Cervejarias como a Brahma
não demoraram a entender o potencial comercial dos gaseificados. A empresa carioca
lançou a marca Excelsior em 1907. A paulistana Antarctica começou a produzir a
Soda Limonada em 1912 e, em 1921, lançou o Guaraná Champagne. “A fórmula é a
mesma até hoje, adaptada apenas para se adequar melhor às mudanças da linha de
produção,” afirma o químico Orlando de Araújo, consultor da AmBev, uma das
principais empresas do setor.
As
precárias condições da infra-estrutura de estradas e ferrovias brasileiras e as
dificuldades logísticas mantinham os fabricantes e distribuidores reféns de
suas próprias regiões. A demanda crescente, mas limitada geograficamente, fez
com que marcas menores aparecessem para atender cidades do interior dos
estados. Em São Paulo, maior mercado nacional, surgiram, na década de 1930,
fábricas em Jundiaí, Itu, Bauru e São José do Rio Preto. No Maranhão, Jesus
Norberto Gomes criou, em 1920, um guaraná cor-de-rosa que até hoje é
comercializado. O guaraná Jesus atende seus adoradores e é um dos mais vendidos
da região.
“Até
os anos 60, alguns processos ainda eram manuais. Usávamos máquinas com pedais
mecânicos para colocar as tampinhas nas garrafas e colávamos os rótulos com
cola de maisena”, afirma Ricardo Vontobel, que na infância trabalhou na fábrica
do pai, a Vonpar, fundada em 1953, no Rio Grande do Sul, e que hoje é uma das
maiores franquias da Coca-Cola no país. Se engarrafar era difícil, imagine
distribuir. “Na época, o setor de logística não passava de um estábulo com
burros e carroças. Sem estradas que comportassem caminhões, usamos esses
animais por anos”, lembra Ricardo. “Os burrinhos ficavam tão acostumados com o
itinerário que paravam sozinhos diante das vendas e mercados e lá ficavam
esperando até a carroça ser descarregada. Mesmo quando não havia entrega, o
funcionário tinha que descer e fingir que tirava a carga da carroça. Só assim
para enganar o animal e ele concordar em continuar seu caminho.” É por essas e
por outras que para cumprir um roteiro de entregas de 300 quilômetros às vezes
eram necessários vários dias de viagem.
“As
dificuldades de transporte e estocagem mantiveram as gigantes americanas
afastadas do Brasil por algum tempo, criando uma base consistente de
consumidores para as pequenas indústrias regionais”, afirma Humberto Pandolpho,
consultor de empresas no setor. Assim, não é de estranhar que o cantor e
compositor mineiro Milton Nascimento só tenha tomado sua primeira Coca-Cola no
Rio de Janeiro, a bordo de um avião da Pan Air, como ele afirma na música
“Conversando no Bar”, de 1975. Mesmo ano em que, aliás, a palavra
“refrigerante”, com o sentido de hoje, apareceu pela primeira vez no dicionário
Aurélio.
É guerra!
O
conteúdo era importante, mas as embalagens foram um fator decisivo na conquista
territorial dos refrigerantes. Em 1934, nos Estados Unidos, a Pepsi deu um
salto e tanto, dobrando o volume das garrafas de 170 para 350 mililitros sem
mexer no preço. O resultado foi uma explosão de vendas quase sem alterar o
custo de produção. A Coca reagiu, apostando em dois elementos importantes e até
hoje indissociáveis da indústria dos refrigerantes: o design e a propaganda.
Logotipos e slogans foram criados na velocidade em que se espalharam por pontos
de venda, jornais e revistas. “Os refrigerantes tiveram grande influência no
desenvolvimento da indústria da publicidade. Um exemplo, sempre citado nesse
caso, é o uso do Papai Noel pela Coca-Cola”, diz o colecionador Geraldo Gayoso.
“A empresa não inventou o Papai Noel, mas utilizou de forma tão maciça sua
imagem que acabou imortalizando sua visão do personagem. Hoje ele é um senhor
gorducho que se veste de vermelho graças às campanhas publicitárias da
Coca-Cola”, diz Geraldo, reconhecido pela própria empresa como o quarto maior
colecionador de produtos da marca no mundo.
A
Coca foi pioneira em desenvolver garrafas exclusivas, acreditando que o desenho
delas teria papel fundamental tanto para a rápida identificação da marca quanto
para a fidelização dos clientes. “Enquanto as outras empresas utilizavam
garrafas padronizadas, a Coca-Cola lançou um modelo exclusivo. O sucesso foi
tamanho que a garrafa – cujo desenho, com pouquíssimas alterações, é mantido
até hoje – foi apelidado de Mae West, a curvilínea estrela de Hollywood,
símbolo sexual dos anos 30”, diz Geraldo.
Mas
o grande salto da Coca-Cola foi durante a Segunda Guerra. Quando os Estados
Unidos entraram no conflito, o lendário presidente da Coca, Robert Woodruff,
garantiu que os soldados se sentiriam em casa onde quer que estivessem. Casa,
para ele, significava poder comprar em qualquer lugar do mundo uma garrafa de
Coca por 5 centavos de dólar. Onde não era possível enviar o produto
engarrafado foram instalados kits manuais para misturar e envasar o
refrigerante. Essas primeiras minifábricas do produto abriram caminho para o
licenciamento de fabricantes de Coca-Cola pelo mundo afora, o que daria à
empresa o porte de gigante multinacional e a fama de representar os interesses
norte-americanos pelo mundo afora.
Na
década de 1950 e nas duas décadas seguintes, a Coca e a Pepsi se tornariam
símbolos do poder global dos americanos: armas da propaganda política, para o
bem e para o mal, na época da Guerra Fria. Símbolo da sociedade de consumo, os
refrigerantes se transformaram em pilares do american way of life, ou do jeito
americano de ser. O que quer dizer que, ao lado das calças jeans e do
rock’n’roll, viraram ícones de um mundo em que liberdade e consumo se
equivaliam. E assim, na mesma medida em que a Coca-Cola e a Pepsi eram barradas
no Leste Europeu, na União Soviética e na China, elas invadiram a Europa
Ocidental, a Ásia e o Brasil.
A
aceitação da Coca por aqui não foi imediata. “Antes de sua chegada, os
refrigerantes eram vendidos em garrafas escuras e o líquido tinha sabores e
cores reconhecíveis, como laranja e limão. Os brasileiros estranharam a cor
escura da Coca-Cola, vendida em garrafas transparentes. A empresa realizou
operações maciças de degustação para atrair o consumidor”, conta Ricardo
Vontobel, da Vonpar. A Coca deu um novo sentido à produção em escala
industrial, abrindo fábricas na cidade fluminense de São Cristóvão, no Rio de
Janeiro e em São Paulo. Porto Alegre hospedou a primeira franquia da rede.
Nos
anos 1950, houve o primeiro salto no consumo per capita de refrigerante no
Brasil. E a primeira medida tomada pela indústria foi o aumento do volume das
garrafas. As caçulinhas, garrafinhas de 180 mililitros, perderam espaço para as
garrafas de 270 mililitros, que se tornaram a medida padrão nacional. Com a
crescente urbanização do país e a chegada dos eletrodomésticos, incluindo as
geladeiras, às casas de classe média, o próximo passo da indústria de
refrigerantes foi óbvio: a criação das garrafas de 1 litro. Embora nunca tenha
deixado de crescer, a outra grande explosão de consumo no Brasil só se daria
nos anos 90. O Plano Collor pôs fim a diversas reservas de mercado e abriu a
possibilidade de importação de máquinas a preços convidativos até para os
pequenos fabricantes.
Isso
numa época em que a grande novidade do ponto de vista tecnológico e de mercado
era a garrafa one-way (ou não-retornável). A substituição do vidro pelo
polietileno tereftalato, o PET, fez com que os vasilhames ficassem mais baratos
e, mesmo em grandes formatos, descartáveis. Isso deu à indústria de
refrigerantes, a partir dos anos 80 nos Estados Unidos e dos 90 no Brasil, um
alcance quase ilimitado. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de
Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas, hoje são mais de 300 empresas
fabricando refrigerantes no Brasil, com vendas totais da ordem de 12,2 bilhões
de litros ao ano. No mundo, são 185 bilhões de litros, pouco mais de 30 litros
por pessoa.
Com
números como esses e pontos de venda que vão dos restaurantes luxuosos aos
camelôs nos cruzamentos das grandes cidades, é impossível imaginar um dia sem
pelo menos avistar uma latinha ou garrafa de refrigerante. Ele finalmente
encontrou seu lugar e, no mundo todo, as pessoas abriram espaço em suas
geladeiras para a enorme garrafa de água colorida, com sabor artificial e
bolhas de gás.
Retirado
de:
0 comentários:
Postar um comentário