"Cavalo de Tróia " foi um dos melhores livros que eu já li. Sua descrição da Palestina do tempo de Jesus é primorosa se conseguirmos ter paciência e esperar até o autor efetivamente colocar o personagem principal, Jasão, para andar pelas regiões de Jerusalém próximo ao século I. Uma das minhas missões não realizadas é editar essas partes e fazer um livro, separando a parte de reconstrução histórica e deixando a ficção de lado, embora ela tenha também aspectos interessantes. A série tem hoje nove livros que vão aumentando de tamanho de páginas em razão contrária a sua qualidade, infelizmente. Minha impressão é que a partir do número 5 em diante eles foram perdendo a força e a capacidade de me prender na leitura. Interessante é que eu, que gosto e tenho tantos livros, não possuo nenhum exemplar da série. Todos que li eram de amigos ou emprestados de alguma biblioteca. Me marcaram tanto que cheguei a ter trechos inteiros copiados pacientemente num caderno de espiral com uma caneta vermelha para poder guardar as melhores partes. O trecho abaixo é um desses. Acho inspirado a forma como o autor constrói a fala de Jesus, ela vai de encontro a forma como imagino que Ele deva ter sido realmente...
***
“Jasão”, sendo o protagonista do livro “Operação Cavalo de Tróia”, de J.J. Benitez, é um Major da Força Aérea dos EUA que participa de um experimento científico de viagem no tempo. O período que é escolhido para testar a máquina é o da crucificação de Jesus Cristo. Após diversas dificuldades e percalços pelo caminho, Jasão encontra-se com o Galileu na casa de Lázaro, o que ocasiona uma conversa deveras reveladora, profunda e meditativa entre o rabi e o viajante. Aproveitem esse dia para refletir nas palavras ditas pelo Mestre. Embora seja um livro de “ficção”, não deixa de abarcar um significado congruente com o que nós, Livres Pensadores, pensamos e refletimos acerca da Vida e do Universo, entre outros temas. (Os grifos são nossos)
“Ao notar que Jesus se oferecia prazerosamente ao diálogo, aproveitei a ocasião e perguntei-lhe sua opinião sobre o que sucedera naquela tarde.
- Tenho estado no centro do mundo e me revelado a eles na carne. Encontrei-os todos embriagados. Nenhum eu encontrei sedento. Minha alma sofre pelos filhos dos homens porque estão cegos de coração; não vêem que chegaram vazios ao mundo e tencionam sair vazios do mundo. Agora estão bêbados. Quando vomitarem seu vinho se arrependerão…
- São palavras muito duras – disse-lhe -. Tão duras como as que pronunciaste no cume do Monte das Oliveiras, à vista de Jerusalém…
- Talvez os homens pensem que vim para trazer a paz ao mundo. Não sabem que estou aqui para lançar na terra divisão, fogo, espada e guerra… Pois haverá cinco em uma casa: três contra dois e dois contra três; o pai contra o filho, o filho contra o pai. E eles estarão sós.
- Muitos, em meu mundo – acrescentei procurando fazer com que minhas palavras não soassem excessivamente estranhas para Lázaro – poderiam associar essas frases tuas sobre o fim de Jerusalém como o fim do tempo. Que dizes a isto?
- As gerações futuras compreenderão que a volta do Filho do Homem não se dará pela mão do guerreiro. Esse dia será inolvidável: depois da grande atribulação – como não houve outra desde o princípio do mundo – meu estandarte será visto nos céus por todas as tribos da terra. Essa será minha verdadeira e definitiva volta: sobre as nuvens do céu, como o relâmpago que sai do Oriente e brilha até o Ocidente…
- Que será a grande atribulação?
- Poderias chamá-la “um parto de toda a Humanidade…”
Jesus não parecia muito disposto a dar-me detalhes.
- Ao menos diz-nos quando se realizará.
- Daquele dia e daquela hora, ninguém sabe. Nem os anjos, nem o Filho. Só o que posso dizer-te é que será tão inesperado que a muitos os pilhará no meio da sua cegueira e iniquidade…
- Meu mundo, da qual venho – tratei de pressioná-lo – distingue-se precisamente pela confusão e pela injustiça…
- Teu mundo não é nem melhor nem pior do que este. A ambos só lhes falta o princípio que rege o Universo: o Amor.
- Dá-me, ao menos, um sinal para que saibamos quando te revelarás aos homens pela segunda vez…
- Quando vos desnudardes sem sentir vergonha, tornardes vossas vestimentas, as colocardes sob os pés como as crianças e as pisoteardes, então vereis o Filho do Vivente e não temereis.
Lázaro, oportunamente, continuava identificando “meu mundo” como a Grécia. Isso me permitia continuar interrogando o Mestre com uma certa margem de amplitude.
- Então – tornei – meu mundo está ainda muito longe desse dia. Ali os homens são inimigos dos homens e até do próprio Deus…
Jesus não me deixou prosseguir.
- Estais então equivocado. Deus não tem inimigos.
Aquela incisiva frase do Nazareno trouxe-me à memória muitas das crenças sobre um Deus justiceiro que condena ao fogo do inferno o que morre em pecado. E foi o que lhe disse.
Cristo sorriu meneando a cabeça negativamente.
- Os homens são hábeis manipuladores da Verdade. Um pai pode sentir-se aflito com as loucuras do filho, mas nunca condenaria os seus a um mal permanente. O inferno, como crêem em teu mundo, significaria que uma parte da Criação haveria escapado das mãos do Pai… E posso assegurar que crer nisso é não conhecer o Pai.
- Por que então falaste em certa ocasião de fogo eterno e ranger de dentes?
- Se falando por parábolas não me compreendes, como então posso ensinar-te os mistérios do Reino? Em verdade, em verdade te digo que aquele que aposte forte, e se equivoque, sentirá como lhe rangem os dentes.
- É que a vida é uma aposta?
- Tu o disseste, Jasão. Uma aposta pelo Amor. É o único bem em jogo desde que se nasce.
Fiquei pensativo. Aquelas eram palavras novas para mim.
- Que te preocupa? – perguntou-me Jesus.
- A ser assim, que podemos pensar dos que nunca amaram?
- Não há tais.
- Que me dizes dos sanguinários, dos tiranos?…
- Também esses ama à sua maneira. Quando passarem para o outro lado levarão um bom susto…
- Não entendo.
- Eles se darão conta, ao deixar este mundo, de que ninguém lhes perguntará por seus crimes, riquezas, poder ou beleza. Eles mesmos, e só eles, se convencerão de que a única medida válida, no “outro lado”, é o Amor. Se não amaste aqui, em teu tempo, somente tu te sentirás responsável.
- E que ocorrerá com os que não tiverem sabido amar?
- Quererás dizer: com os que não tiverem querido amar…
Novamente me senti confuso.
- …Esses, amigo – prosseguiu o rabi, captando minha dúvida – serão os grandes burlados e, em consequência, os últimos no Reino do meu Pai.
- Então teu Deus é um Deus de amor…
Jesus pareceu agastar-se.
- Tu és Deus!
- Eu, Senhor?!
- Em verdade te digo que todos os nascidos levam o selo da Divindade.
- Mas não respondeste à minha pergunta. É Deus um Deus de amor?
- Não o fosse e não seria Deus.
- Nesse caso devemos excluir de sua mente qualquer castigo ou prêmio?
- É nossa própria injustiça a que se volta contra nós próprios.
- Começo a intuir, Mestre, que tua missão é muito simples. Será que me engano se te digo que teu trabalho consiste em deixar uma mensagem?
O Nazareno sorriu satisfeito. Pôs a mão sobre meu ombro e replicou:
- Não podias resumi-lo melhor…
Lázaro, sem fazer o menor comentário, assentiu com a cabeça.
- Tu sabes que meu coração é duro – acrescentei. Poderias repetir-me essa mensagem?
- Diz ao teu mundo que o Filho do Homem só veio para transmitir a vontade do Pai: que todos sois seus filhos!
- Isso já o sabemos…
- Estás seguro? Diz-me, Jasão, que significa para ti ser filho de Deus?
Senti-me novamente apanhado. Sinceramente, não tinha uma resposta válida. Nem mesmo estava seguro da existência desse Deus.
- Eu to direi – interveio o Mestre com uma grande doçura. Haver sido criado pelo Pai supõe a máxima manifestação de amor. Ele dá tudo sem pedir nada em troca. Eu recebi o encargo de recordar isso. Essa é a minha mensagem.
- Deixa-me pensar… Então, façamos o que façamos, estaremos condenados a ser felizes?
– É questão de tempo. É necessário que o mundo entenda, e ponha em prática que o único meio para ele é o Amor.
Tive de meditar muito minha pergunta seguinte. Naquele instante, a presença do ressuscitado podia constituir um certo problema.
- Se tua presença no mundo obedece a uma razão tão elementar como a de depositar uma mensagem para toda a humanidade, não crês que “tua igreja” é demais?
- Minha igreja? – perguntou por sua vez Jesus, embora, em minha opinião, houvesse entendido perfeitamente – Não tive, nem tenho a menor intenção de fundar uma igreja, tal como tu pareces entendê-la.
Aquela resposta perturbou-me demais.
- Mas tu disseste que a palavra do Pai deveria ser estendida até os confins da Terra…
- E em verdade te digo que assim será. Mas isso não implica condicionar ou dobrar minha mensagem à vontade do poder ou das leis humanas. Não é possível que um homem monte dois cavalos ou que dispare dois arcos. Como não é possível que um criado sirva a dois amos. Senão, ele honrará a um e ofenderá ao outro. Ninguém que beba vinho velho deseja no momento beber vinho novo. Não se verte vinho novo em odres velhos, para que não se azede, nem se transvasa vinho velho em odres novos, para que não se deteriore. Nem se cose um remendo velho a um vestido novo porque se faria um rasgão. Da mesma forma te digo: minha mensagem só necessita de corações sinceros que a transmitam; não de palácios ou falsas dignidades e púrpuras que a cubram.
- Tu sabes que não será assim…
- Ai dos que antepuserem sua estabilidade à minha vontade!
- E qual é a tua vontade?
- Que os homens se amem como os tenho amado. Isso é tudo.
- Tens razão – admiti – para isso não faz falta montar novas burocracias, nem códigos, nem chefaturas… Não obstante, muitos dos homens de meu mundo desejaríamos fazer-te uma pergunta…
- Adiante – animou-me o Galileu.
- Poderíamos chegar a Deus sem passar pela igreja?
O rabi suspirou.
- E tu necessitas dessa igreja para chegar ao teu coração?
Uma confusão extrema bloqueou-me a voz. E Jesus o percebeu.
- Muito antes de que existisse a tribo de Davi, irmão Jasão, muito antes de que o homem fosse capaz de erguer-se sobre si mesmo, meu Pai havia semeado a beleza e a sabedoria na terra. Quem vem antes, portanto, Deus ou essa igreja?
- Muitos sacerdotes do meu mundo – repliquei – consideram essa igreja como santa.
- Santo é meu Pai. Santos sereis todos vós no dia em que amardes.
- Então – e te rogo que me perdoes pelo que vou dizer-te – essa igreja está sobrando…
- O amor não necessita de templos ou legiões. Um homem tira o bem ou o mal de seu próprio coração. Um só mandamento vos é dado, e tu sabes qual é… O dia em que meus discípulos fizerem saber a toda a humanidade que o Pai existe, sua missão estará concluída.
- É curioso: esse Pai parece não ter pressa.
O gigante mirou-me compassivamente.
- Em verdade te digo que Ele sabe que terminará triunfando. O homem sofre de cegueira, mas eu vim abrir-lhe os olhos. Outros seres descobriram já que é mais vantajoso viver no Amor.
- Que ocorre então conosco? Por que não conseguimos encontrar essa paz?
- Eu já disse que os tíbios, vomitá-los-ei pela minha boca, mas não tentes mortificar teus irmãos na malícia ou na pressa. Deixa que cada espírito encontre seu caminho. Ele mesmo, ao final, será seu juiz e defensor.
- Então, tudo isso de juízo final…
- Por que tanto vos preocupais todos com o final, se nem sequer conheceis o princípio? Já te disse que do outro lado espera-vos a surpresa…
- Tenho a impressão de que Tu serias considerado excessivamente liberal para as igrejas do meu mundo.
- Deus é tão liberal, como dizes, que até mesmo permite que te enganes. Ai daqueles que se arrogam o papel de sacerdotes, respondendo ao erro com o erro e à maldade com a maldade! Ai dos que monopolizam Deus!
- Deus… Tu sempre estás falando de Deus. Poderias explica-me quem ou o que é?
O fogo daquele olhar tornou a transpassar-me. Duvido que exista muro, coração ou distância que não pudesse ser vencido por semelhante força.
- Podes tu explicar a estes de onde vens e como? Pode o homem apresar as cores entre as mãos? Pode um menino guardar o mar entre as pregas de sua túnica? Podem os doutores da lei alterar o curso das estrelas? Quem tem poder para devolver a fragrância à flor que foi pisoteada pelo boi? Não me peças que te fale de Deus: sente-o. É o suficiente…
- Eu estaria certo se dissesse que o sinto como… uma “energia”?
Eu não me dava por vencido, e Jesus o sabia.
- Vais muito bem.
- E que há por baixo dessa “energia”?
- É que não há “acima” ou “abaixo” – atalhou o Nazareno, cortando meus atropelados pensamentos – O Amor, quer dizer, o Pai, é o Todo.
- Por que é tão importante o Amor?
- É a vela do navio.
- Permite que eu insista: que é o Amor?
- Dar.
- Dar… mas dar o quê?
- Dar. Desde um olhar até tua vida.
- Que podem dar os angustiados?
- A angústia.
- A quem?
- À pessoa que lhes quer bem…
- E se não tiverem ninguém?
O mestre fez um gesto negativo.
- Isso é impossível… Até os que não te conhecem podem amar-te.
- E que dizes de teus inimigos? Também deves amá-los?
- Sobretudo a esses… O que ama aos que o amam já recebeu a recompensa.
A conversação se prolongaria, ainda, até bem entrada a madrugada. Agora sei que meu ceticismo para com aquele homem havia começado a fender.”
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