Não sei por que
alguma coisa nisso me incomoda... um Budismo engajado ligado a uma
transnacional religiosa...? A explicação é plausível e tem seus alicerces nas
prática budistas de enfraquecimento do Ego pela mendicãncia, mas salvo erro é,
organizada por uma entidade chamada Zen Peacemakers fundada por Ben Glassman de
73 anos, criador de uma padaria que
"foi criada para dar empregos a uma população de sem-teto e usuários de
drogas que hoje, fornece para alguns dos melhores restaurantes e hotéis de Nova
York" e "é um negócio que fatura hoje US$ 7 milhões por ano"
segundo reportagem na Folha de São Paulo:
(http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1154714-nunca-estamos-no-controle-diz-mestre-zen-criador-do-retiro-de-rua.shtml).
Os participantes são em sua maioria de classe média alta ou alta que realmente
teriam uma experiência importante de se colocar no papel do
"invisíveis" que habitam a periferia do seu mundo todos os dias, ao
mesmo tempo que teriam que arrecadar R$ 400,00 destinados a caridade... Um
Caminho de Santiago entre mendigos? ou um Spa com os sem-teto? Pode ser que
essa experiência enriqueça aqueles que vivem um dia a dia abastado e sem
privações, mas viver nas ruas por si só não faz de ninguém Iluminado, se fosse
assim a cidade estaria cheia de Budas...
***
Por Alessandra
Kormann
Feriado
de Sete de Setembro. Sol, céu azul, mais de 30°C. Dois milhões de carros deixam
a capital. Um grupo de 23 pessoas, entre empresários, estudantes e
profissionais liberais, começa outra viagem, bem diferente. O destino deles é o
centro de São Paulo, em cujas ruas vão morar por quatro dias e três noites,
dividindo o espaço com os sem-teto da região.
"Já
viajei muito, já estive no Japão, na Índia, no Nepal, mas esse é o lugar mais
longe para onde já fui", afirma a artista plástica Leonor Fridman, 49,
horas antes de o retiro de rua começar.
Criado
pelo mestre budista Bernie Glassman, fundador da ordem Zen Peacemakers (leia à
pág.6), o evento acontece há 17 anos em cidades como Nova York, Boston, Denver,
Paris e Zurique. No ano passado, foi realizado o primeiro da América Latina, em
São Paulo, onde é organizado pela Comunidade Zen Budista do Brasil.
De
acordo com o mestre Genro Gauntt, um dos coordenadores, o propósito é
"despertar para a inteireza e a unidade da vida". Numa livre
tentativa de tradução, a ideia é perceber que todos estão conectados, que um
depende do outro no mundo.
"Não
é um passeio. É uma experiência de estar na rua, olhando os invisíveis",
diz a designer Adriana Muniz Retamal, 40, que saiu de Uberlândia para fazer o
retiro. "Espero com isso ter uma compreensão maior da realidade. É mais
seguro nos fecharmos em casa e no trabalho, sem contato com esse lado mais punk
da vida."
A
preparação começa meses antes, com a primeira lição prática de humildade: pedir
doações para passagens e hospedagem dos mestres que coordenarão o retiro. Cada
participante deve arrecadar R$ 400, que não podem vir de recursos pessoais. O
que sobra vai para os sem-teto.
Não
é permitido levar quase nada nesse exercício: só a roupa do corpo, em camadas
que podem ser retiradas ou sobrepostas; remédios de uso contínuo, se for o
caso; capa de chuva; uma garrafa de água, para reabastecer onde for possível;
uma mochila; e o bilhete de metrô para a volta. Nada de celular ou escova de
dente. Para se misturar mais facilmente aos sem-teto, os participantes são
orientados a ficar dias sem lavar o cabelo e sem se barbear.
"Como
sou vegetariana e faço uma dieta com micronutrientes, eu tinha colocado na
mochila uvas-passas, castanhas-do-pará e damascos, com medo de ter
hipoglicemia. Enquadrei esses alimentos na categoria de remédio (é permitido
levar). Também tinha álcool em gel", conta Leonor. "Mas aí me dei
conta de que eu iria ficar muito confortável, então tirei tudo."
O
grupo não tem um roteiro predefinido, só algumas práticas diárias de meditação
e rodas de conselho em que todos trocam experiências.
O
lugar para dormir é a rua propriamente dita. Nada de albergues, para não tirar
o lugar dos mendigos "reais".
A
alimentação deve vir de doações (em dinheiro ou espécie) ou ser obtida nos
projetos públicos e de organizações sociais e religiosas que atendem a
população de rua.
A
empresária Mônica Toledo Silva, que não revela a idade ("Ainda não me
desapeguei do medo de envelhecer"), diz estar ansiosa.
"Parece
que estou indo a um reality show, desses em que a pessoa fica um tempo no mato
ou numa ilha comendo lesmas. Sendo sincera, o que me moveu não foi a
espiritualidade, mas sim a curiosidade, a aventura de viver na rua. Tinha até
um casamento para ir em Ibiza no feriado, mas nem pensei em desistir."
Durante
o retiro, o marido de Mônica, o médico Jorge Ethel Filho, 64, andava pelas ruas
do centro na esperança de encontrá-la -em vão. "Estou preocupado se eles
vão achar banheiro, como vão se arranjar. Mas vai ser uma experiência e tanto
para ela."
O
grupo dormiu as três noites no centro antigo de São Paulo, ao relento, sobre
papelão. Todos bem juntos, para fugir do frio.
Alguns
sem-teto resistiram à nova companhia. "Nos chamaram de 'playboys de
papelão'", disse a designer Adriana Muniz. Outro xingou: "Vocês são
um bando de fracassados, mais fracassados do que nós", contou ela. Mas,
segundo essa participante, surgiram também muitos solidários: "Foram luzes
no nosso caminho. Um dos que nos chamou de 'playboys' acabou nos levando
comida".
Na
volta da experiência, vários participantes relataram que alguns moradores de
rua cederam ao grupo zen a própria comida e os melhores lugares para dormir.
"Nunca
me senti tão protegida, tão livre. A rua é abundante, nada faltou. Todos os
meus medos ruíram. Comi muito bem, frutas, saladas. Nunca me imaginei comendo
sob um viaduto; um dia provei ali o feijão mais delicioso da vida. Numa noite,
um morador de rua nos trouxe salada fresquinha, paçoquinhas, sanduíches",
conta Leonor.
"Senti
muito forte a interdependência de todas as coisas. Tenho gratidão por ter tido
o privilégio de estar ali e não em uma praia ou qualquer resort do mundo."
A
empresária Mônica teve sensação parecida. "Quando eu estava lá, não era
mais um reality show, não era mais uma aventura. Era estar igual a todo o
resto, sem pena, sem culpa. Com a força da sangha [grupo], despertei uma parte
de mim que não enxerga 'eu e os outros', mas sim o todo."
Para
Duda Groisman, 42, que há três anos era vice-presidente de multinacional e
largou tudo para tocar projetos sociais, o retiro serviu para confirmar o
acerto da sua escolha: "Hoje ninguém compra o meu tempo por dinheiro
nenhum. É preciso respeitar o tempo em que as coisas acontecem, e o presente é
sempre o melhor lugar em que eu posso estar".
O
músico Léo Rodrigues, 28, concorda. "Moradores de rua nos dão a presença:
você fala, eles escutam com atenção, olham no olho. Na rua, é preciso pensar em
uma coisa de cada vez, onde achar comida, papelão para dormir etc. É algo que a
sociedade não costuma dar, estamos sempre fazendo várias coisas ao mesmo tempo.
É muito libertador viver o presente."
A
dificuldade para dormir que ele teve foi aprendizado, diz. "O chão é frio,
duro. Não tinha nada para usar de travesseiro. Acordei torto. A noite ficou
muito mais longa. Mas, por mais longa que fosse, uma hora amanhecia. Isso deu
mais paz para esperar. Não importa o tamanho do desespero, uma hora
acaba."
O
próximo retiro de rua está previsto para 7/9/2013.
0 comentários:
Postar um comentário