Texto
de Mariana Caplan, retirado do site Huffpost Healty Living, traduzido
livremente por Peterson Danda.
“Nós
nos tornamos atores hábeis, e ao jogar surdo e mudo com o real significado dos
ensinamentos, encontramos algum conforto em fingir para seguir o caminho.” –
Chogyam Trunpga Rinpoche
Visto
que a cultura global tem sido voltada para os valores materialistas de uma
forma sem precedentes na história humana, é inevitável que essa mesma ética
permeie nossa aproximação com a Espiritualidade. Vivemos em uma cultura que
valoriza a acumulação e o consumo, e é ingênuo de nós pensar que só porque
estamos interessados no crescimento espiritual renunciaríamos
nosso materialismo – ou mesmo que deveríamos renunciá-lo.
Não
há nada de errado em ter um símbolo “om” na camiseta ou ser um ávido praticante
de meditação e ao mesmo tempo desfrutar de ganhar dinheiro em um grande
negócio, mas é útil explorar, entender e verificar sua integridade em relação
as escolhas que fizemos. Materialismo espiritual não é uma questão das coisas
que temos, mas da nossa relação com elas.
Todos
nós resistimos em ver as formas que nos enganamos no caminho espiritual. É uma
vergonha para o ego, mas não para quem realmente somos, olhar no espelho e ver
a nós mesmos vestidos em uma fantasia espiritual. No entanto, nós nos
permitimos ser expostos em troca de uma maior liberdade e para nos tornarmos
mais expansivos reconhecendo como estamos nos limitando em nome da
espiritualidade.
Nós
também usamos a espiritualidade para ganhar poder, prestígio, reconhecimento e
respeito, e até mesmo para evitar nossos próprios problemas. E fazemos mal uso
dos ensinamentos, práticas, e todas as coisas espirituais e pensamos que, para
aumentar a nossa consciência, devemos evitar uma profunda intimidade com a
verdade que procuramos. Usamos nossas práticas, parafernálias, e conceitos para
apoiar o ego ao invés da verdade. Mesmo um monge em uma montanha pode se
agarrar às suas vestes ou tigelas, criando uma falsa sensação de segurança
espiritual.
O
ego quer pensar na espiritualidade como algo que posso “conquistar” uma vez e
será para sempre, e então não teremos de fazer o trabalho contínuo de
demonstrar-la e pratica-la a cada momento pelo resto de nossas vidas. O ego
cria toda uma identidade em torno de um ser auto-espiritual. Isso é parte do
que todos nós fazemos no caminho espiritual, mas é útil aprender a percebê-lo
em nós mesmos.
Existem
muitas formas em que o materialismo espiritual pode manifestar-se:
O
currículo espiritual refere-se à lista de importantes pessoas espirituais que
conheci e com quem estudei ou fiz algum curso. Às vezes, podemos nos perceber
recitando nosso currículo espiritual para impressionar a nós mesmos ou a
alguém.
O
contador de histórias espiritual toma a forma de recitar narrativas sobre
nossas experiências espirituais. Mesmo que elas possam ser interessantes,
frequentemente nos escondemos por trás de nossas histórias para nos proteger da
vulnerabilidade de uma conexão humana mais profunda.
A
“vibe” espiritual muitas vezes se manifesta quando vagamos entre cursos,
professores e lugares bonitos para manter-se “dopado” frequentemente e evitar
nossa própria sombra, que é uma forma diferente de ignorar-se espiritualmente.
“Dharmatizar”
refere-se ao uso de jargões espirituais para explicar nossas confusões e pontos
cegos e evitar relacionamentos. Se nós somos “dharmatizadores” e alguém nos diz
que sente tensão em torno de nós, podemos combater com banalidades tal como “É
apenas um fenômeno passageiro, e quem está lá para experimentar a tensão
afinal?”
Coleções
de insígnias espirituais são caracterizadas pelo acúmulo de iniciações, títulos
e bênçãos, como quem coleciona carros, iates e casas de veraneio. Precisamos
sentir que estamos sempre chegando a algum lugar – que estamos nos tornando
mais ricos e melhores. Algumas pessoas acreditam, inconscientemente, que se
recolherem um número suficiente de “estrelas douradas espirituais” vão se
tornar iluminados e não terão que morrer.
O
ego espiritualizado imita muitas vezes e muito bem o que imaginamos que uma
pessoa espiritual pareça e como ela age. Ele pode criar um brilho em torno de
si, aprender discursos espirituais eloquentes e agir consciente e
imparcialmente – ainda haverá algo muito irreal nisso. Lembro-me de ouvir uma
palestra de um professor de espiritualidade bem conhecido. Ele estava se
esforçando muito para agir e falar espiritualmente – dizendo coisas profundas e
demonstrando um aparente “saber” – mas a sua mensagem era vazia de sentimentos
e sem profundidade. Seu ego tinha integrado os ensinamentos espirituais, mas
ele não.
O
ego à prova de balas assimilou feedbacks construtivos e os integrou em sua
estrutura de defesa. Se alguém compartilha uma opinião sobre nós podemos dizer:
“Eu sei que parece que eu estou sendo preguiçoso e egoísta, mas eu estou
realmente praticando apenas ‘ser’ e cuidar de mim mesmo.” Um professor
espiritual com um ego à prova de balas pode justificar o abuso verbal ou
extorsões econômicas de seus discípulos dizendo que eles estão superando o
egoísmo ou tentar ensinar-lhes que eles devem aprender a entregar tudo o que
eles têm em troca do divino. O problema com as pessoas que espiritualizaram e
deixaram seus egos à prova de balas é que estes egos são extremamente
escorregadios e difíceis de perceber – e é particularmente difícil ver como
este mecanismo de defesa espiritual opera dentro de nós mesmos.
É
importante entender que o materialismo espiritual é menos sobre “o que” e mais
sobre o “como” relacionar-se com algo – seja um professor, um equipamento de
yoga novo ou um conceito. Não é uma questão de riqueza ou dinheiro, mas sim de
atitude. Eu encontrei inúmeros Sadhus ou homens santos na Índia que vivem como
mendigos, em renúncia, mas que blasfemaram contra mim quando perceberam que a
doação que lhes havia dado era insuficiente, ou então, ostentavam seus
acessórios e cajados com a mesma arrogância que muitos motociclistas com suas
Harley-Davidsons.
Conforme
penetramos mais profundamente nas camadas de nossa própria percepção
descobrimos que a origens de todas as formas de materialismo espiritual
repousam em nossa mente. Achamos que podemos relacionar informações, fatos e
uma compreensão mais profunda de tal forma que isso impeça o aflorar da sabedoria.
A este nível mais sutil, em que até mesmo o próprio conhecimento se torna uma
barreira para a sabedoria, nossa espada do discernimento – o desejo profundo de
nos ver com clareza e a vontade de ter um retorno dos outros – pode “cortar”
nossa confusão.
Quando
estávamos estudando o assunto do materialismo espiritual em uma classe de
pós-graduação da escola de psicologia em que lecionava, um jovem estudante
levantou a mão e disse: “Eu sei que estou realmente direcionado para a vida
espiritual, e de alguma forma o que me impede é a maravilhosa jaqueta de couro
preta que comprei na Itália. Acho que se eu realmente me entregar à vida
espiritual, vou ter que doar meu casaco, e eu sei que soa ridículo, mas isso
realmente me atrasa.”
A
jaqueta de couro do meu aluno era um bem material, mas todos nós temos algo –
uma razão, uma posse ou algo que acreditamos que nos impeça de olhar para nós
mesmos mais profundamente – que pode nos manter longe do caminho por toda nossa
vida. Para muitos de nós, apesar de nossas melhores intenções, nossa
espiritualidade se torna mais uma camada de armadura sutil por trás da qual nós
nos protegemos da Verdade mais profunda.
[Adaptado
de Eyes Wide Open: Cultivando o Discernimento no Caminho Espiritual, Sounds
True, 2010]
Retirado
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