Tendências/Debates:
Médicos que não querem conversa
Por Luiz
Roberto Londres
Durante
minha formação, tive o privilégio de conviver com Danilo Perestrello, autor de
"A Medicina da Pessoa" (Atheneu). Vinham ao consultório não só
pessoas doentes, mas pessoas que se sentiam doentes.
Um
dia, em conversa com meu pai, cardiologista cujos passos segui, comentei que
metade dos meus atendimentos eram de pessoas sem doença física. Ele retrucou:
"Só metade? Você deve estar adoecendo alguns".
Em
inúmeros casos, a simples conversa resolvia a "doença". Muitos saíam
da consulta sem solicitação de exames ou receitas. Em nova consulta, estavam
totalmente "curados".
Na
medicina atual, aos poucos a pessoa foi reduzida à condição de doente. Não mais
interessava sua vida, história, personalidade ou situação psicológica e social,
apenas os sintomas no momento da consulta. A anamnese, entrevista inicial com o
paciente, passou a se limitar aos dados da doença apresentada. A alteração
biológica passa a ser tudo.
Na
medicina atual, não se leva em conta características específicas de cada
paciente, que podem determinar se o tratamento indicado deve ser administrado.
Um exemplo gritante é aplicação de cirurgias ou tratamentos agressivos, tantas
vezes extremamente dispendiosos, a idosos que provavelmente faleceriam de
outras causas antes que a doença em questão levasse ao óbito.
Médicos
se sentem oprimidos em relação ao tempo que podem dispensar a uma consulta e
perderam o espírito crítico em relação ao valor da anamnese --que, segundo
Howard Barrows, da Universidade de Southern Illinois, dá ao bom médico 90% de
chance de diagnóstico certo.
Deixamos
de lado os princípios médicos para atender volume. Recém-formado, fui colocado
em um ambulatório com uma lista de 40 pacientes para serem atendidos em quatro
horas. Atendi como deveria e, ao final do meu tempo, havia atendido por volta
de 15. No dia seguinte, fui chamado à diretoria do hospital, que questionava
minha conduta. Médicos não têm de atender filas, têm de atender pacientes.
Na
nossa época de estudantes, aprendíamos que exames serviam para confirmar ou não
o diagnóstico e quantificar alguns parâmetros. Hoje, isso foi esquecido. Além
disso, médicos se fiam em laudos de colegas que não conhecem, sem avaliar o
grau de sua capacidade médica.
Com
esse reducionismo, o médico é cada vez mais dispensável, podendo ser
substituído por computadores.
LUIZ
ROBERTO LONDRES, 71, médico e mestre em filosofia pela PUC-RJ, é presidente da
Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro
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