Por Leonardo Boff
A
tradição do Tao vê a história como um jogo dialético e complementar de dois
princípios: yin e yang, forças
subjacentes a todos os fenômenos humanos e cósmicos. Procurando luzes
para entender e sair da crise global talvez este olhar holístico dos sábios
orientais nos possa inspirar.
A
figura de referência para representar estes dois princípios é a montanha. O
lado norte, coberto pela sombra, é o yin, que em chinês quer dizer sombreamento
e corresponde à dimensão Terra. Ele se expressa pelas qualidades da anima, do
feminino nos homens e nas mulheres: o cuidado, a ternura, a acolhida, a
cooperação, a intuição e a sensibilidade pelos mistérios da vida.
O
yang significa a luminosidade do lado sul e corresponde à dimensão Céu. Ele
ganha corpo no animus, as qualidades masculinas no homem e na mulher como o
trabalho, a competição, o uso da força, a objetivação do mundo, a análise e a
racionalidade discursiva e técnica.
A
sabedoria milenar do Taoísmo ensina que estas duas forças devem ser balanceadas
para que o caminhar das coisas se faça de forma, a um tempo, dinâmica e
harmônica. Pode ocorrer que uma predomine sobre a outra, mas importa
buscar, o tempo todo, o equilíbrio
difícil entre elas.
O
yin e o yang remetem a uma energia mais originária, um círculo que contem a
ambos: o Shi. O Shi é a energia cósmica que tudo sustenta, penetra e move A
teologia yorubá e nagô, tão presentes na Bahia, ensina que essa energia é o Axé
universal, com as mesmas funções do Shi. Os cristãos falam do Spiritus Creator,
ou do Sopro cósmico, que enche e dinamiza toda a criação. Os modernos
cosmólogos se referem à constante cosmológica que é Energia de fundo que
produziu aquele minúsculo ponto que se inflacionou e depois explodiu – big bang
– dando origem ao nosso universo. Após esta incomensurável explosão a Energia
de fundo se desdobrou nas quatro forças fundamentais que atuam sempre juntas e
que subjazem a todos os eventos – a energia gravitacional, eletromagnética,
nuclear fraca e forte – para as quais não existe, na verdade, nenhuma teoria
explicativa.
Nossa
cultura ocidental, hoje globalizada, rompeu esta visão integradora e dinâmica.
Ela enfatizou tanto o yang que tornou anêmico o yin. Por isso, permitiu que o
racional recalcasse o emocional, que a ciência se inimizasse com a
espiritualidade, que o poder negasse o carisma, que a concorrência prevalecesse
sobre a cooperação e a exploração da natureza descurasse o cuidado e o respeito
devidos. Este desequilíbrio originou o antropocentrismo, o patriarcalismo, a
pobreza espiritual, a cultura materialista e predadora e a atual crise
ecológica global.
Somente
com a integração da força do yin, da anima, da logique du coeur (Pascal), do
mundo dos valores, corrigindo a exacerbação do yang, do animus, do espírito de
dominação, podemos proceder às correções necessárias e dar um novo rumo ao
nosso projeto planetário.
Na
tradição do cânon ocidental expressamos o mesmo fenômeno do yin e do yang
referindo-nos a duas figuras mitológicas: Apolo e Dionísio.
A
dimensão Apolo está no lugar da ordem, da razão, da disciplina, numa palavra da
lei do dia sob a qual se rege a sociedade organizada. A dimensão Dionísio
representa a liberdade face às leis, a coragem de violar interditos, a
exaltação da alegria de viver e a inauguração do novo, numa palavra, a lei da
noite, que é o momento em que as censuras caem e tudo fica gris e indefinido.
Atualmente
vivemos uma conjuntura toda particular, marcada pelo excesso. Perdemos a
coexistência do yin com o yang, de Apolo com Dionísio. Se não encontrarmos um
ponto de equilíbrio tudo pode acontecer, até um flagelo antropológico.
Precisamos de uma loucura sábia que possibilite uma nova síntese entre esses
dois pólos para reinventar um novo caminho que nos garanta o futuro.
Leonardo
Boff é teólogo e autor de Etica da Vida: a Nova Centralidade, Record 2009
Retirado
de:
0 comentários:
Postar um comentário