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quarta-feira, 13 de abril de 2011

Água, Água...!

Por Luiz Fernando Veríssimo
Existe um cartum antológico do marciano perdido no meio de um deserto, se arrastando pelo chão e pedindo "Amoníaco, amoníaco..."
As variações possíveis sobre o tema são infinitas.
Um inglês arquetipal no meio do deserto, há uma semana sem beber uma gota, se arrastando pelo chão e pedindo: "Gin-tônica, gin-tônica..."
O pobre coitado que, além da sede, está um pouco nervoso com a sua situação: “Água com açúcar, água com Açúcar...
E, claro, o náufrago abandonado no meio do oceano, já sem forças para se manter à tona, só com a cabeça fora da água e pedindo: “um deserto, um deserto...”
Uma vez também fiz um cartum (está bem, não era antológico) em vários quadros. No primeiro quadro o homem, perdido no meio do deserto, com a língua de fora, pedia "Johnny Walker Black Label, Johnny Walker Black Label..." Dois quadros depois, o homem pedia "Red Label, Red Label..." E no fim, desesperado, "Drury's, Drury's..." [1]
O pudico, sozinho no meio do deserto, longe da civilização e seus recursos, de repente vê uma miragem no horizonte e sai correndo em sua direção. — Um mictório público! Um mictório público!
Mas a pior miragem é a que não era miragem.
O americano perdido no meio do deserto julga avistar um stand de hamburguers tremulando no bafo, sai correndo e descobre que é só um guichê de pedágio. Ou então é um stand de hambúrguer mesmo, mas não tem ketchup.
O brasileiro perdido no meio do deserto, já desesperançado, de repente enxerga uma abertura na sua frente. Mas vai ver é só o Petrônio Portella [2].
Um francês perdido no meio do deserto avista um oásis estocado com vinho branco, na temperatura ideal. Vai ver e não é miragem! O vinho existe mesmo! Mas — zut! — a safra é de um ano inferior.
Um egípcio e um israelense, perdidos no meio do deserto do Sinai, chegam a um oásis. Quando se preparam para mergulhar na água, com roupa e tudo, percebem que estão sob a mira da arma de um palestino. O israelense se atira nos braços do egípcio e grita:
— Meu grande amigo, vamos morrer juntos!
O egípcio tenta fugir do abraço comprometedor mas é fuzilado pelo palestino, que grita:
— Traidor!
Depois, o palestino aponta sua arma para o israelense, que argumenta, indicando o corpo do egípcio.
— Perdi um grande amigo. Será que isto não é sofrimento o bastante?
O palestino concorda e poupa a vida do israelense, que mergulha na água. Só para descobrir que não havia água nenhuma, era uma miragem.
— Se isto é uma miragem, por que você a guarda ? — pergunta o israelense.
— Porque é só o que eu tenho — responde o palestino, misteriosamente.
O cronista perdido no meio de um deserto de assuntos:
— Uma parábola, uma parábola. . .
O Cláudio Coutinho [3], perdido no meio do deserto, já quase delirando:
— Um ponteiro, um ponteiro...
O devoto:
— Água benta, água benta...
O depravado:
— Absinto, cigarros turcos e um anão albino. Absinto, cigarros turcos e...
O detalhista:
— Água potável, água potável...
O pedante:
— H20, H20...
O cavalo:
— Égua, égua... (desculpe)
O literato:
— Precioso líquido, precioso líquido...
O nostálgico:
— Gunga Din, Gunga Din...[4]
O ambicioso:
— Um aguaceiro, um aguaceiro...
O prático:
— Um bebedouro, um bebedouro...
O calculista:
— Uma mulher bonita com um garrafão de água, uma mulher bonita com um garrafão de água...
O exagerado:
— Um carro-pipa, um carro-pipa... Com a Jaqueline Bisset na direção...
O Volkswagen:
— Ar, ar...
Um peixe dentro do Tietê:
— Água, água... (sutil, sutil)
Todos nós, não demora:
— Cerveja, cerveja...
Não no meio do deserto, mas em qualquer balcão de bar.

Crônica publicada na revista Domingo do Jornal do Brasil, número 95 de 12/02/1978.


***

OBS.: Sei que piada não se explica, mas como essa crônica é antiga e por isso datada, resolvi colocar algumas referências para melhor entendimento das tiradas humorísticas do Mestre Luiz Fernando Veríssimo.

1 - Johnnie Walker é uma marca de uísque escocês vendida em quase todos os países, com vendas anuais de cerca de 130 milhões de garrafas. O uísque varia de preço de acordo com o tempo em que fica conservado em barris de carvalho, quanto mais tempo, mais caro. O Johnny Walker Black Label, fica doze anos, o Red Label nove anos. Drury's é um uísque produzido no Brasil com maltes importados, envelhecidos em barris de carvalho e uma seleção de destilados nacionais.

2 – Petrônio Portella Nunes foi líder no governo militar de Emílio Garrastazu Médici (1969-1973) no Senado, foi o condutor da chamada "Missão Portela", o primeiro passo da política de "distensão gradual e segura" empreendida pelo governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) em seus planos de abertura, em 15 de março de 1979 foi nomeado Ministro da Justiça pelo governo do presidente João Figueiredo (1979-1985).

3 – Cláudio Coutinho foi um preparador físico e treinador de futebol brasileiro, que comandou o Flamengo e a Seleção Brasileira na década de 1970. Foi defensor da europeização dos métodos no futebol. Para ele, a seleção brasileira já não dependia mais de craques foras-de-série, mas sim de um esquema em grupo, com disciplina tática. Foi criticado algumas vezes por seu estilo e acusado de um certo espírito "retranqueiro" na Seleção.

4 – Gunga Din é um filme de aventura norte-americano de 1939 estrelado por Cary Grant e dirigido por George Stevens. Produção da RKO Filmes, baseado vagamente no poema do mesmo nome de autoria de Rudyard Kipling, combinado com elementos da novela Soldiers Three do mesmo autor. Na última cena é lida a parte final do poema sobre Gunga Din, com a aparição como personagem de Rudyard Kipling em que há a citação: “Eu irei vê-lo andar sobre brasas / Dar de beber para as pobres almas condenadas / Eu irei beber um gole no inferno de Gunga Din”.

Fonte: Wikipédia.

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