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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Como Você Mesmo Causa Suas Doenças II

(Continuação)
"O catado desperta uma simpatia amigável e um aumento de cuidados que em regra bastam para curar o mal. A administração de comprimidos e remédios substitui os antigos gestos catadores e proporciona todo um rito ocupacional que reforça as relações entre catado e catador durante essa fase especial de interação social. Quase não tem importância a verdadeira natureza das drogas receitadas e, nesse nível de gravidade, há pouca diferença entre a prática médica moderna e a dos antigos curandeiros.

Pode-se objetar a esta interpretação das doenças pouca graves que é hoje possível indicar os vírus ou as bactérias que as provocam. Mas, se esses micróbios são a causa médica do resfriado ou da dor de estômago, por que haveríamos de procurar uma explicação comportamental?

A resposta é que, por exemplo, nas grandes cidades, todos nós nos expomos constantemente a esses vírus e bactérias mais comuns, mas se ocasionalmente adoecemos. É certo que alguns indivíduos são muito mais suscetíveis do que outros. Os membros mais bem sucedidos e socialmente ajustados da comunidade sofrem raramente desses "males que convidam à catação".

As pessoas que têm problemas sociais temporários ou permanentes são, pelo contrário, muito suscetíveis. O aspecto mais intrigante desses males é que eles parecem ser feitos sob medida, de forma a satisfazer as exigências especiais de cada indivíduo.

Suponha mos uma atriz, por exemplo, que sofra de tensão social. Que sucede nesse caso? Ela perde a voz, tem uma laringite, de forma a ter de interromper o trabalho e repousar uns tempos Equilibra-se a tensão (pelo menos momentaneamente). Se, em vez disso, ela sofresse uma erupção cutânea, poderia cobrir corpo com os vestidos e continuar a trabalhar. A tensão teria continuado.

Compare-se essa situação com a de um lutador de luta livre. Nesse caso, de nada valeria perder a voz, como forma de "mal que convide a uma catação", mas uma erupção cutânea seria ideal, e, de fato, é esse o tipo de "doença" que os médicos encontram mais frequentemente entre os lutadores.

A propósito, certas atrizes famosas cuja reputação depende de nudez que exibem no cinema costumam reagir contra a tensão com erupções da pele e não com laringite. É evidente que, tal como sucede com os lutadores, a exposição da pele para elas fundamental, motivo por que o tipo de "doença” corresponde ao do lutador, e não ao da atriz citada anteriormente.

Se há uma grande necessidade de conforto, a "doença" torna-se mais intensa. A ocasião da vida em que recebemos mais cuidados e proteção é quando somos bebês de berço. Assim, qualquer "doença" suficientemente grave para nos fazer ficar na cama tem a grande vantagem de nos fazer recuar a essa fase tão segura da infância, em que recebemos todas as atenções.

Podemos convencer-nos mesmo de que estamos tomando uma grande quantidade de medicamentos, mas na verdade precisamos, sobretudo de uma grande dose de segurança, e é ela que nos cura. (Isso não quer dizer que se trate de simulação. Não é preciso simular. Os sintomas são suficientemente reais. A causa é que é comportamental, e não os efeitos.)

Todos nós somos mais ou menos catadores e catados frustrados, e a satisfação obtida quando tratamos doentes é tão importante e básica como a própria causa da doença. Alguns indivíduos têm tal necessidade de tratar dos outros, que chegam a promover e prolongar deliberadamente a doença de um companheiro, para dar mais livre curso aos seus instintos catadores. Pode mesmo chegar a se estabelecer um círculo vicioso, em que a situação entre catador e catado atinge um exagero extremo, a ponto de se criar a exigência (e a prestação) de assistência a um inválido crônico.

Se se apontasse, a um "par de catadores recíprocos" desse tipo, a realidade comportamental da respectiva conduta, ambos a negariam firmemente. No entanto, é absolutamente surpreendente verificar certas curas milagrosas que se operam às vezes, quando o ambiente criado entre catador e catado (enfermeiro—doente) é bruscamente abalado por um importante acontecimento social.

Os curandeiros exploram de vez em quando essa situação, com os mais surpreendentes resultados, mas, infelizmente para eles muitos desses casos não têm só efeitos físicos, mas igualmente causas físicas.

Outro fator que contraria os curandeiros é que os efeitos físicos dos "males que convidam à catação" podem ocasionar deformações irreversíveis do corpo, quando são suficientemente prolongados ou intensos. Quando isso sucede, impõe-se tratamento médico sério e racional."


O Macaco Nu (no original, The Naked Ape) é o título de um livro de Desmond Morris publicado em 1967 que descreve a espécie humana através de uma perspectiva etologista, ou seja, como a que é geralmente adoptada à descrição do comportamento das outras espécies animais. É uma obra de referência, abriu novos caminhos de investigação e discussão, nomeadamente os da etologia humana. (Editora Circulo do Livro S/A – 1967)



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