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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Como Você Mesmo Causa Suas Doenças I

Por Desmond  Morris
"Para algumas criaturas, como por exemplo certos pássaros, a conservação das penas é uma questão de vida ou morte. Se desleixam o estado das penas, não podem levantar voo com rapidez suficiente para escapar aos perseguidores, nem podem manter o corpo quente quando faz muito frio.

Os pássaros passam muitas horas banhando-se, limpando as penas, untando-se e coçando-se, executando um longo e complicado ritual. Os mamíferos mantêm hábitos de conforto um pouco menos complicados, mas, mesmo assim, passam bastante tempo ajeitando-se, lambendo-se, mordiscando-se, coçando-se e esfregando-se.

Tal como as penas, os pelos têm de conservar-se em boas condições para manter o calor do dono. Se emaranham ou se sujam, aumenta-se o risco de doença. É preciso atacar e reduzir o quanto possível o número de parasitas da pele.

Os primatas não fogem a essa regra. Os macacos e símios soltos levam muito tempo para ajeitar-se, cuidando atentamente do pelo, catando pedacinhos de pele seca e todos os corpos estranhos que encontram, introduzindo-os em seguida na boca e comendo-os, ou pelo menos provando-os.

Essas atividades podem ocupar minutos e minutos seguidos, e o animal dá a impressão de estar muito concentrado. O ato de catar pode ser intercalado com o de coçar ou com mordeduras repentinas, dirigidas contra causas específicas de irritação.

Embora a maioria dos mamíferos se sirva apenas das patas traseiras para cocar, os macacos e símios podem usar indiscriminadamente os pés e as mãos. As mãos são mesmo muito adequadas para tarefas de limpeza.

Os dedos ágeis podem percorrer os pelos e localizar com grande precisão os pontos afetados. Comparadas com os cascos e as patas dos outros mamíferos, as mãos dos primatas são instrumentos de limpeza de grande precisão.

Mesmo assim, sempre é melhor ter duas mãos do que uma só, o que por vezes causa problemas. O macaco ou o símio pode utilizar ambas as mãos para catar as pernas, os flancos ou o peito, mas não atinge eficientemente as costas nem os braços.

Por outro lado, como não dispõe de espelho, não pode ver bem o que faz quando cata a cabeça. Neste último caso, apesar de poder empregar as duas mãos, tem de trabalhar às cegas. Por isso mesmo, a cabeça, as costas e os braços ficariam menos bem catados do que o peito, os lados e as pernas — a não ser que recorra a qualquer manobra especial.

A solução para isso é o catar social, a instituição de um sistema amigável de socorros mútuos. Como o catar social é uma atividade cooperativa e não agressiva, os estalos com os lábios tornaram-se um sinal amigável.

Quando dois animais desejam reforçar os laços de amizade, podem fazê-lo catando-se recíproca e repetidamente, mesmo que os pelos estejam impecavelmente limpos. De fato, parece que hoje não há grandes relações entre o grau de sujidade dos pelos e a quantidade de catações mútuas que se executam.

O catar social tornou-se aparentemente independente do estímulo original. Embora conserve o objetivo vital de manter os pelos limpos, parece que a sua motivação é hoje mais de ordem social que higiênica. Passou a ser uma maneira de manter os dois animais juntos, em atitude cooperativa e não agressiva, que reforça os laços pessoais entre os indivíduos da mesma tropa ou do mesmo grupo.(...)

O mundo médico atual atingiu tal complexidade, que se tornou, em termos sociais, a maior expressão do nosso comportamento relativo ao conforto animal. Começou a visar aos males mais insignificantes, até se estender às principais doenças e grandes lesões corporais.

Embora o fenômeno biológico tenha atingido um nível excepcional e se tenha tornado racional, têm-se desdenhado os seus elementos irracionais. Para compreender isso. é indispensável distinguir entre os casos de "indisposição" grave e banal. Como acontece em todas as outras espécies. Um macaco pelado pode quebrar uma perna ou ser infectado por um parasita nocivo, apenas por uma questão acidental ou de azar. Mas as coisas não são só o que parecem, sobretudo em relação às doenças mais banais.

As infecções e doenças pouco importantes são em regra tratadas racionalmente, como se fossem versões atenuadas de doenças graves, mas há muitas razões para pensar que esses casos são, na verdade, muito relacionados com "exigências catadoras" primitivas.
Os sintomas médicos são o reflexo de um problema comportamental que assumiu uma expressão física, em vez de se tratar de verdadeiros problemas físicos.

Como exemplos banais de "males que convidam à catação" (como lhes podemos chamar), citemos a tosse, os resfriados, a gripe, as dores nas costas, as dores de cabeça, as indisposições de estômago, as erupções cutâneas, as dores de garganta, as crises de fígado, as amigdalites e as laringites.

O estado do paciente não é grave, mas é suficientemente anormal para justificar que os companheiros sociais lhe concedam mais atenção. Os sintomas agem da mesma maneira que os sinais de convite à catação, estimulando um comportamento reconfortante da parte dos médicos, das enfermeiras, dos farmacêuticos, dos conhecidos e dos amigos."



Retirado de: O Macaco Nu (no original, The Naked Ape). É  o título de um livro de Desmond Morris publicado em 1967 que descreve a espécie humana através de uma perspectiva etologista, ou seja, como a que é geralmente adoptada à descrição do comportamento das outras espécies animais. É uma obra de referência, abriu novos caminhos de investigação e discussão, nomeadamente os da etologia humana. (Editora Circulo do Livro S/A – 1967)



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