Por Glauco
"Bebia-se no rio de janeiro" é o título do capítulo 17 da Antologia da Alimentação no Brasil, livro de Câmara Cascudo que
trata dos hábitos, rituais, receitas, pratos e que tais que ajudaram a
constituir a identidade brasileira. O trabalho
do historiador e antropólogo, resgatava aspectos da cultura brasileira que nem
sempre eram destacados por estudiosos das Ciências Humanas à época, e mesmo
hoje.
Trata-se
de uma excerto publicado originalmente em O Rio de Janeiro do meu tempo, de
autoria do também historiador Luís Edmundo, um apaixonado pela terra de Estácio
de Sá, nascido em 1878 e falecido em 1961. Ele descreve de forma saudosista o
início do século XX na cidade, em especial da vida noturna daquele já longínquo
1900:
Só os ricos podiam criar, para viver,
ambientes agradáveis em matéria de conforto, a grande massa da população vivia
mal, sobretudo durante o estio, quando a casa de residência se transformava
numa verdadeira estufa, sem os naturais recursos de defesa que em outras partes
do mundo já então se empregavam para suavizar os rigores da estação.
Assim, segundo Edmundo, as mulheres e
crianças ficavam em casa, enquanto os homens saíam para “espairecer” e diminuir
os efeitos deletérios do calor carioca.
Somente, por essas noites de
espairecimento e alívio, em qualquer desses lugares, diga-se de passagem,
bebia-se muito, bebia-se demais, bebia-se como talvez não haja ideia de se
haver bebido no Brasil. Bebia-se pelas compoteiras!
Segundo ele, à época dava-se preferência
às bebidas trazidas pelos portugueses, os vinhos vindos do Porto e da Madeira,
e a aguardente de cana. Embora o calor exigisse bebidas mais frescas e menos
pesadas, “o que se procurava beber, quase sempre, era o corrosivo de 14 graus,
ou mais, que malbaratava o fígado, causticava o estômago, pondo em perigo de
miséria todo o sistema vascular, os rins e o coração”. Conforme Edmundo, “mais
que a febre amarela, endêmica, matava o abuso do álcool. A displicência dos
poderes públicos, em questões de saúde, corria, então, parelha com a ignorância
do povo”.
Mas por que a população não tinha
desenvolvido ainda o hábito de tomar uma cervejinha? Um dos motivos era o boicote
e a campanha difamatória dirigida por negociantes de vinho, que também atuavam
contra produtores nacionais de vinho no Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Essa explicação, na verdade, não consta do trecho do livro de Cascudo, mas do
original de Edmundo.
Se não era cerveja a bebida mais
consumida, o vinho, principalmente o português, era quem dominava o cenário
etílico do Rio. Também se fazia campanha contra a bebida de outros países como
França, Espanha, Alemanha, Itália e Áustria, tanto que se criou a expressão “de
dar azia em caixa de bicarbonato” para esses vinhos, exaltando-se a qualidade
supostamente superior do exemplar lusitano.
As estatísticas oficiais de 1900 dão uma
mostra do quanto se bebia no país (e no Rio) naquela época. Com 22 milhões de
habitantes, importávamos de Portugal 43,4 milhões litros de vinho só de
Portugal. Isso é mais do que o Brasil importou, levando-se em conta vinhos e
espumantes, em 2005.
Havia outra dificuldade para a
popularização da cerveja como bebida nacional no Brasil do século XIX e início
do XX. O gelo industrializado só chegou ao Rio em 1835 (e a primeira geladeira
doméstica veio apenas em 1913), como lembra Câmara Cascudo no capítulo
Esfriando Bebidas e havia um preconceito contra as bebidas geladas. Ainda
vigorava entre as pessoas a noção difundida pelo médico judeu Isaac Cardoso,
que em Madri publicou, em 1637, contra-indicando a ingestão de líquidos frios.
Aliás, tal noção de que isso “faz mal” ainda é bastante popular nos dias que
correm...
Para “esfriar” (não se falava em
“gelar”) as bebidas, as técnicas eram várias, de acordo com o lugar. A garrafa
de vinho era metida numa meia grossa ou pano úmido e borrifava-se de novo
quando secava, ficando ao relento da noite e depois coberta com areia molhada
ou serragem. Outra estratégia era deitar em grandes bacias de alumínio ou
enterrá-la na beira de córregos e rios (com certeza em áreas montanhosas isso
funciona). Já em locais onde ocorrem geadas e chuvas de granizo, a solução era
armazenar e usar sal de cozinha para conservar por mais tempo a garrafa em
baixas temperaturas.
Quando for tomar uma gelada, agradeça –
e muito – pela geladeira existir...
Retirado e adaptado de: http://www.futepoca.com.br/2011/07/bebia-se-no-rio-de-janeiro-de-1900.html
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