Escritores
Populares: Uma entrevista com Stephen King
Por:
Neil Gaiman
O
Sunday Times me pediu para escrever algo pequeno e pessoal sobre eu e o King.
Eu escrevi isso:
“Eu
acho que a coisa mais importante que aprendi com Stephen King, quando
adolescente, foi lendo o livro de ensaios sobre horror e sobre escrever, A
Dança Macabra. Ali ele ressalta que se você escrever apenas uma página por dia,
só 300 palavras, no final do ano você tem um romance. Foi imensamente motivador
– de repente, algo enorme e impossível se tornou estranhamente fácil. Já
adulto, foi como eu escrevi livros que eu não tinha tempo para escrever, como o
meu infantil Coraline .”
Ao
encontrar Stephen King desta vez, a cosia que mais me surpreendeu foi o quão
confortável ele é com o que faz. Toda aquela conversa de se aposentar da
escrita, de parar, as sugestões de que talvez seja hora de parar antes que se
torne repetitivo, parecia haver acabado. Ele gosta de escrever, gosta mais do
que qualquer outra coisa que poderia estar fazendo, e não parece nem um pouco
inclinado a parar. Exceto, talvez, com uma arma apontada.
A
primeira vez que encontrei Stephen King foi em Boston, em 1992. Eu sentei na
sua suíte de hotel, conheci sua esposa Tabitha, que é Tabby nas conversações, e
seus então filhos adolescentes Joe e Owen, e falamos sobre escrever, e autores,
sobre fãs e fama.
“Se
eu começasse minha vida de novo,” ele disse. “Eu faria tudo igual. Mesmo as
partes ruins. Mas eu não teria feito a promoção da American Express “Você Me
Conhece?” Depois disso, todo mundo nos Estados Unidos sabia como eu era.”
Ele
era alto e de cabelos negros, e Joe e Owen pareciam clones mais jovens do pai,
recém-saídos da máquina de clones.
A
outra vez que encontrei Stephen King, em 2002, ele me puxou para o palco para
tocar kazoo (instrumento de sopro parecido com um cachimbo) com os Rock Bottom
Remainders, um conjunto duvidoso de autores que conseguem tocar instrumentos e
cantar e, no caso de Amy Tan, incorporar uma dominatriz enquanto canta “Estas
Botas Foram Feitas Para Andar”, de Nancy Sinatra.
Mais
tarde nós conversamos em um minúsculo banheiro nos fundos do teatro, o único
lugar onde King poderia fumar um furtivo cigarro. Ele parecia frágil, então, e
cinzento, recentemente recuperado de uma longa hospitalização por ter sido
atropelado por um idiota numa van, e das infecções hospitalares que se
seguiram. Ele resmungava da dor de descer as escadas. Fiquei preocupado com
ele.
E
agora, outra década, quando King sai do estacionamento em Sarasota Key para me
cumprimentar, ele parece bem. Não está mais frágil. Está com 64 anos e aparenta
mais jovem do que na década anterior.
A
Casa de Stephen King em Bangor, Maine é gloriosa e gótica. Eu sei disso mesmo
nunca ter estado nela. Já vi fotografias na internet. Parece o tipo de lugar
que alguém como Stephen King merece viver e trabalhar. Há morcegos de ferro
forjado e gárgulas nos portões.
A
casa de Stephen King na Flórida, perto de Sarasota, uma extensão de terra no
limite do mar, alinhada com grandes casas (“aquela ali foi de John Gotti,” eu
aprendi enquanto passávamos por uma enorme e bem amuralhada construção branca.
“Nós a chamamos de Mansão do Assassinato”), é feia. E não apenas carinhosamente
feia. É um longo bloco de concreto e vidro, como uma caixa de sapatos gigante.
Foi construída, explica Tabby, por um homem que construía shopping centers, e
com material de um shopping center. É como a idéia de uma loja Apple para uma
McMansion, e nada bonita. Mas uma vez dentro, as paredes de vidro tem uma vista
perfeita sobre a areia e o mar, e há uma passagem metálica e azul gigantesca
que se dissolve no nada e dá num canto do jardim, e dentro da casa há pinturas
e esculturas, e, principalmente, o escritório de King. Tem duas escrivaninhas
nele, com uma cadeira surrada e muito usada, de costas para a janela.
Essa
é a escrivaninha que King senta todos os dias, e é onde ele escreve. Agora ele
está escrevendo um livro chamado Joyland (Terra da Diversão), sobre um serial
killer de Parques de Diversão. Abaixo da janela fica um espaço bem cercado de
terra, com uma enorme tartaruga africana perambulando por ali, como uma
monstruosa rocha ambulante.
Na
primeira vez que conheci Stephen King, bem antes de vê-lo em carne e osso, foi
na Estação East Croydon por volta de 1975. Eu tinha 14 anos. Peguei um livro
com a capa inteira preta. Chamava A Hora do Vampiro (Salem`s Lot). Era o
segundo livro dele; eu perdi o primeiro, um pequeno livro chamado Carrie, A Estranha
(Carrie), sobre uma adolescente com poderes psíquicos. Fiquei acordado até
tarde e acabei A Hora do Vampiro, adorando o retrato dickensiano de uma pequena
cidade americana, destruída com a chegada de um vampiro. Não um vampiro bom, um
vampiro decente. Dracula conhece Peyton Place. Depois disso eu comprei tudo que
lançava de Stephen King. Alguns livros eram ótimos, outros não. Mas tudo bem,
eu confiava nele.
Carrie,
A Estranha foi o livro que King começou e abandonou, e o qual Tabby King tirou
da cesta de lixo de papel, leu e encorajou-o a finalizar. Eles eram pobres, e
King vendeu Carrie, e tudo mudou, e ele continuou a escrever.
Dirigindo
ao sul para Flórida eu escutei, por mais de trinta horas, ao audiobook do
romance de viagem no tempo de King, 22/11/63. É sobre um professor de Ensino
Médio de Inglês (como também fora King, quando ele escreveu Carrie) que volta
de 2011 para 1958, via um Buraco de Minhoca (termo físico) localizado num
armazém de uma antiga lanchonete, com a missão de salvar John F. Kennedy de Lee
Harvey Oswald.
O
livro é, como sempre com King, o tipo de ficção que força você a se importar
com que acontece, página após página. Tem elementos de horror, mas eles existem
quase que como um tempero para algo que é em parte um romance histórico
estreitamento pesquisado, em parte uma história de amor, e sempre uma reflexão
sobre a natureza do tempo e do passado.
Dada
à grandeza da carreira de King, é difícil descrever qualquer coisa que escreva
como uma anomalia. Ele está no topo da ficção popular (e, ocasionalmente,
não-ficção). Sua carreira (escritores não têm carreira, na maioria. Nós apenas
escrevemos o próximo livro) é particularmente estigmatizada. Ele é um
romancista popular, o que costumava significar, ou talvez continua sendo, a
descrição de um autor de certo tipo de livro: um que recompensará sua leitura
com prazer e trama, como John D. MacDonald (a quem King dá seu chapéu em
22/11/63). Mas não só um romancista popular: não importa o que escreva, parece
que é sempre um escritor de horror. Eu pergunto se isso o frustra.
“Não.
Não frustra. Eu tenho minha família, e eles estão todos bem. Temos dinheiro
suficiente para comprar comida e ter coisas. Ontem, tivemos uma reunião da
Fundação King (a instituição privada que King financia e que beneficia muitas
causas). Minha cunhada Stephanie organiza tudo e nós todos sentamos e damos
dinheiro para os outros. Isso é frustrante. Todo ano nós damos o mesmo dinheiro
para pessoas diferentes… é como socar dinheiro num buraco. Isso é frustrante.
“Eu
nunca pensei em mim como um escritor de horror. Isso é o que outras pessoas
pensam. E eu nunca disse merda nenhuma sobre isso. Tabby veio do nada, eu vim
do nada, nós ficávamos aterrorizados que eles viessem e tirassem isso da gente.
Então se as pessoas quisessem dizer “Você é isso”, contanto que o livro
vendesse, tudo bem. Eu pensei ‘vou fechar a boca e escrever o que quiser
escrever’. A primeira vez que aconteceu o que você está falando foi quando eu
escrevi Quatro Estações. Eram histórias que eu tinha escrito como eu escrevo
todas elas. Quis escrever uma história do tipo ‘havia uma prisão’, Um Sonho de
Liberdade (Rita Hayworth and The Shawshank Redemption); e outra baseada na
minha infância chamada O Outono da Inocência (The Body); e também há uma
história de uma criança que acha um nazista, O Aprendiz (Apt Pupil). Enviei
elas para Viking, meu publicador. Meu editor era John Williams – morto há
muitos anos, excelente editor -, ele sempre levou o trabalho a nível morto.
Nunca queria empolgar-se. Mandei para eles o Quatro Estações, e ele disse ‘bem,
primeiro de tudo, você chama de Estações, e só escreveu três. Então escrevi
outro, O Método Respiratório (The Breathing Method), e o livro estava completo.
Ganhei as melhores críticas da minha vida. E essa foi a primeira vez que as
pessoas pensaram, Woah, isso não é exatamente de terror.”
“Estava
num supermercado, e uma mulher velha veio dobrando o corredor e, essa mulher –
obviamente um dos tipos de mulher que fala o que quer que venha no cérebro. Ela
disse ‘Eu sei quem você é, você é o escritor de terror. Eu não leio nada que
você escreve, mas respeito o seu direito de fazê-lo. Só gosto das coisas mais
genuínas, como aquele Um Sonho de Liberdade.”
“Eu
disse ‘Eu escrevi esse’. E ela disse ‘Não, não escreveu’. E foi andando para
longe.
Acontece,
vezes e vezes. Aconteceu quando ele publicou Louca Obsessão (Misery), sua
crônica de fanatismo tóxico. Aconteceu com Saco de Ossos (Bag of Bones), sua
história gótica de fantasmas sobre um romancista, com inclinações para Rebecca,
de Du Maurier; Aconteceu quando ele foi indicado para a Medalha Nacional do
Livro para Contribuição às Letras Americanas.
Não
estamos mais conversando na grande caixa de sapato de concreto. Estamos
sentados perto da piscina numa casa menor que King comprou na mesma rua, como
uma casa de visitantes para a família. Joe King, que escreve sob o pseudônimo
Joe Hill, está hospedado lá. Continua parecido com o pai, mas não mais um clone
versão adolescente, e agora tem uma carreira bem sucedida como escritor e
quadrinista. Carrega seu Ipad para onde vai. Eu e Joe somos amigos.
Em
Saco de Ossos, Stephen King tem um autor que pára de escrever livros, mas
continua publicando os empilhados no estoque. Pergunto quanto tempo seus
editores poderiam esconder sua morte.
Ele
sorri. “Eu tive a ideia do escritor que tem livros, em Saco de Ossos, porque
alguém me disse anos antes que todo ano Danielle Steel escrevia três livros e
publicava dois, e eu sabia que Agatha Christie tinha deixado uns dois de lado,
para por um fim na carreira. Quanto a agora, se eu morresse e todos mantivessem
segredo, iria até mais ou menos 2013. Há um novo livro da série A Torre Negra,
‘The Wind in the Keyhole’. Ele sairá em breve. E Dr. Sleep está pronto. Então
se eu fosse atropelado por um táxi, como Margaret Mitchell, o que seria e não
seria feito: Joyland não seria feito, mas Joe poderia finalizá-lo, facilmente.
Seu estilo é quase indistinguível do meu. As ideias dele são melhores que as
minhas. Estar perto de Joe é como ficar perto de um foguetinho, soltado
fagulhas para todos os lados, todas ideias. Eu não quero desacelerar. Meu
agente está enchendo o saco dos editores sobre o Dr. Sleep, a sequência de O
Iluminado, mas eu segurei um pouco quando mostrei para eles o manuscrito,
queria um tempo para respirar.”
Por
que ele escreveria uma sequência para O Iluminado? Eu não disse a ele o quanto
esse livro me assustou quando eu tinha 16 anos, nem o quanto eu amei e ao mesmo
tempo fiquei desapontado com o filme do Kubrick.
“Eu
fiz porque era algo irritante de se fazer. Dizer que você estava voltando para
o livro que foi realmente popular e escrever uma sequência. As pessoas pensam
nesse livro, elas leram quando crianças. Crianças leem ele e dizem que é
assustador, e então, quando adultos, talvez leiam a sequência e pensem ‘não é
tão bom’. O desafio é: talvez seja possível ser tão bom, ou talvez seja
diferente. Isso te dá algo para lutar contra. É um desafio.
“Eu
quis escrever Dr. Sleep porque queria saber o que aconteceria com Danny
Torrance quando crescesse. E eu sabia que ele seria um bêbado porque o pai dele
fora um. Um dos buracos que me pareciam ter O Iluminado era que Jack Torrance
fora um sóbrio temporário que nunca tentara um grupo de ajuda, como o AA.
Pensei, okay, vou começar com Danny com 40 anos de idade. Ele vai ser uma
daquelas pessoas que dizem ‘eu nunca vou ser como meu pai, nunca serei abusivo
como meu pai foi’. Então você acorda com 37 ou 38 anos e é um alcoólatra. Então
pensei, que tipo de vida uma pessoa dessas tem? Ele terá vários empregos
temporários, ele será enganado, e agora trabalha como zelador num hospício. Eu
realmente o queria num hospício, porque ele tem aquele lado iluminado que pode
ajudar as pessoas a atravessar quando morrerem. Eles o chamam de Dr. Sleep, e
sabem quando o chamar quando o gato entra no quarto e senta na cama. Foi uma
escrita sobre o cara que dirige o ônibus, e come no McDonalds, ou, numa noite
especial, num Red Lobster. Não estamos falando de alguém que vai a restaurantes
chiques.”
Stephen
e Tabitha se conheceram entre as prateleiras da biblioteca da Universidade do
Maine, em 1967, e se casaram em 1971. Ele não conseguiu uma vaga de professor
quando se graduou, então começou a trabalhar numa lavanderia industrial, ou
como frentista, até como zelador, enquanto alimentava sua lenta ascensão com
contos ocasionais, na maioria terrores, vendidos a revistas masculinas com
nomes como Cavaleiro. Eram extremamente pobres. Moravam num trailer, e King
improvisou uma mesinha entre a lava-roupas e a secadora. Tudo mudou em 1974,
com a venda da tiragem de Carrie, A Estranha, por 200 mil dólares. Pergunto
quanto tempo faz que King não se preocupa mais com dinheiro.
Por
um momento, ele pensa. “1985. Por um bom tempo Tabby entendeu que nós não
tínhamos que nos incomodar com essas coisas. Eu não. Estava convencido de que
eles levariam tudo embora, e teria de morar com três crianças numa casa alugada
de novo, que tudo era muito bom para ser verdade. Por volta de 1985 eu comecei
a relaxar e pensar ‘isso é bom, vai ficar tudo bem’.
“Mesmo
agora, isso (ele gesticula para a piscina, a casa de visitas, o Florida Key e
todas as mansões), isso é tudo muito estranho para mim, mesmo que seja apenas
três meses do ano. Onde nós moramos no Maine, é um dos condados mais pobres.
Muitas das pessoas que andamos e saímos cortam madeira para sobreviver,
carregam lixo, esse tipo de coisa. Não digo que temos isso em comum, mas sou
apenas uma pessoa comum, e tenho esse único talento que uso.”
“Nada
me chateia mais do que ir a um restaurante chique em Nova York, onde você tem
que sentar por três merdas de horas. Você sabe, e as pessoas tomarão drinks
antes, vinho depois, mais três pratos, depois querem café, e alguém vai
perguntar de alguma merda de imprensa francesa, e todo o resto é bosta. Para
mim, a ideia do que é bom é dirigir para cá e ir numa casa de Waffle, pedir
alguns ovos e um waffle. Quando vejo a primeira casa de Waffle, sei que estou
indo para o Sul. Isso é bom.”
“Me
pagam quantias absurdas de dinheiro para fazer coisas que faria de graça.”
O
pai de Stephen foi comprar cigarros quando King tinha quatro anos, e nunca mais
voltou, deixando-o às custas da mãe. Steve e Tabby têm três filhos: Naomi, uma
ministra de unificação com um ministério digital; Joe e Owen, ambos escritores.
Joe está finalizando seu terceiro romance. O primeiro de Owen sairá em 2013.
Pergunto
sobre distância e mudanças. Como é escrever personagens que são trabalhadores
braçais em 2012?
“É
definitivamente mais difícil. Quando escrevi Carrie e A Hora do Vampiro, estava
um passo além do trabalho manual. Mas é verdade, também – Joe descobrirá -, que
quando se tem crianças pequenas, é mais fácil de escrever sobre eles, porque
você observa-os e os têm em sua vida o tempo todo.
“Mas
eles crescem. É mais difícil, para mim, escrever sobre uma menininha de doze
anos em Dr. Sleep, do que quando tive de falar sobre um menino de cinco anos, o
Danny Torrance, porque Joe era um modelo para Danny. Não quero dizer que Joe é
iluminado, mas sabia como ele era, como ele brincava, o que queria fazer e essa
coisa toda. Mas veja, o principal é: se você conseguiu imaginar todas as coisas
fabulosas de Deuses Americanos, se eu posso imaginar portas mágicas e tudo o
mais, então certamente eu posso forçar minha imaginação a trabalhar e dizer:
veja, isso é como imagino ser trabalhar dez horas por dia num emprego atual.”
Estamos
fazendo a coisa de escritor agora: falando sobre o ofício, sobre como e o que
fazemos, inventando coisas para viver, e como vocação. Seu próximo livro, The
Wind in the Keyhole, é um capítulo da série Torre Negra, parte de uma sequência
que King traçou e começou quando era ainda um adolescente. A sequência levou
anos para ficar pronta, e só terminou pela pressão dos assistentes, que estavam
cansados de responder cartas de fãs perguntando quando a história seria
concluída.
Agora
ele terminou a história e está tentando decidir o quanto ele pode reescrever, e
se ele vê a sequência como um longo romance. Será que pode fazer um segundo
projeto? Ele deseja. Atualmente, Stephen King é um personagem no quinto ou
sexto livro da Torre Negra, e Stephen King, o autor não-ficcional, está se
perguntando se deve ou não eliminá-lo.
Conto
a ele sobre a peculiaridade na minha pesquisa que estou trabalhando, onde tudo
que preciso, ficcionalmente, estava esperando por mim quando eu fui procurar.
Ele acena, concordando.
“Absolutamente
– você estica o braço e lá está. A vez que isso aconteceu mais claramente foi
quando Ralph, meu agente então, me disse ‘Isso é um pouco doido, mas você tem
alguma ideia para algo como uma série de romances, como Dickens costumava
fazer?’, e eu tinha uma história que estava brigando para respirar. Era À
Espera de Um Milagre (The Green Mile). E sabia que se fosse fazer aquilo, teria
de me dedicar. Comecei a escrever e fiquei confortavelmente à frente do
cronograma. Porque…” ele hesita, tenta explicar de um modo que não pareça tolo,
“Toda vez em que precisei de algo, esse algo estava bem ali para eu pegar.
Quando John Coffey vai para prisão – ele seria executado por assassinar as duas
meninas. Eu sabia que ele não era culpado, mas não sabia que o verdadeiro
assassino estaria lá, nem nada de como havia acontecido, mas quando escrevi,
estava tudo ali para mim. Você apenas pega. Tudo se encaixa como se já
existisse antes.
“Nunca
penso nas histórias como coisas inventadas; Penso nelas como coisas achadas.
Como se as puxasse para fora do solo, e você as colhesse. Alguém me disse certa
vez que isso era eu subestimando minha criatividade. Pode ou não pode ser
verdade. Mesmo assim, na história que estou trabalhando, eu tenho alguns
problemas não resolvidos. Isso não me tira o sono. Sinto que quando chegar a
hora, vai estar lá…”
King
escreve todo dia. Se não o fizesse não seria feliz. Se ele escreve, o mundo é
um bom lugar. Então ele escreve. É simples assim. “Eu sento por volta de oito e
quinze da manhã e trabalho até mais ou menos quinze para o meio dia, e nesse
período de tempo, tudo é real. E de repente tudo some. Acho que provavelmente
escrevo entre 1200 e 1500 palavras por dia. São seis páginas.”
Começo
a contar a King minha teoria, de que quando as pessoas num futuro distante
quiserem ter uma ideia de como as coisas eram entre 1973 e hoje, eles vão olhar
para Stephen King. Ele é um mestre em refletir o mundo que ele vê, e gravá-lo
nas páginas. A ascensão e queda do VHS, a chegada do Google e do smartphone.
Está tudo ali, atrás dos monstros e da noite, tornando-os mais reais.
King
é sanguinário. “Você não sabe se pode dizer o que vai ou não durar. Há um
ditado de Kurt Vonnegut sobre John D. MacDonald que diz “Daqui a 200 anos,
quando as pessoas quiserem saber como foi no século XX, eles vão recorrer a
John D. MacDonald”, mas não tenho certeza se isso está certo – parece que ele
está quase esquecido. Mas eu tento reler um livro dele todas vez que viajo para
cá.
Autores
preenchem os vazios de uma conversa com Stephen King. E, eu percebi, todos eles
são, ou foram, autores populares, pessoas cujo trabalho foi lido, e lido com
diversão, por milhões.
“Sabe
o que é bizarro? Eu fiz a Feira do Livro de Savannah semana passada… Está
acontecendo comigo mais e mais. Eu saí e fui aplaudido de pé por um monte de
gente, e é algo tenebroso… ou você se tornou um ícone cultural, ou eles estão
aplaudindo o fato de você não estar morto ainda.”
Digo
a ele sobre a primeira vez que vi aplausos de pé nos EUA. Era para Julie
Andrews em Minneapolis, numa feira. Não era muito boa, mas ela ganhou os aplausos
por ser Julie Andrews.
“Isso
é muito perigoso, no entanto, para nós. Quero que as pessoas gostem do
trabalho, não de mim.”
E
os prêmios que ganhou na vida?
“Deixa
eles felizes de dá-los para mim. E eles ficam nas prateleiras. Mas as pessoas
não sabem disso.”
Então
Tabby King vem para cima para nos dizer que é hora do jantar, e, ela
acrescenta, que lá na casa grande, a Tartaruga Gigante Africana foi pega
tentando estuprar uma rocha.
Retirado
de:
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