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terça-feira, 22 de março de 2011

O Espírito que Anda II

O texto abaixo foi publicado na página final da Revista Domingo do Jornal do Brasil, número 150 de 04/03/1979 e é um primor do bom humor, onde o Mestre Luiz Fernando Veríssimo mostra que conhece muito da mitologia do Fantasma e esculhamba, no bom sentido, a história do personagem de uma forma hilária, bagunçando até a numeração dos ancestrais: o Fantasma que vem desde a década de 1940 é o 21º e atualmente  já deve estar no 22º.


AMOR NA CAVERNA
Por Luiz Fernando Veríssimo
Um amigo, o Nelson Adams Filho, que acompanha as aventuras do Fantasma desde que ele se chamava Fantasma Voador — depois deram-se conta que o personagem não voava e o adjetivo foi discretamente aposentado — levantou uma questão de grande importância para os fãs da historinha.
Todos sabem que o Fantasma existe há 400 anos e que o título — junto com a máscara, os calções e o anel com a caveira — vem passando de pai para filho desde o século XVI, se não me falha a matemática.
A atual mulher do Fantasma é Diana Palmer, milionária norte-americana que vive entre Nova Iorque e a Caverna da Caveira e que está prestes a dar um filho, que um dia será o Fantasma n° 15, ao marido.
A questão é: quem foram as mulheres anteriores dos Fantasmas, esposas e mães sem as quais a dinastia teria fatalmente desaparecido, forçando cada novo Fantasma a ser escolhido por concurso ou eleições democráticas entre os pigmeus, que não estão preparados para isto? Nada se sabe sobre estas mulheres. Ou nada se sabia. Andei investigando e descobri algumas coisas curiosas.
O primeiro Fantasma chegou a uma praia deserta na costa Oeste da África por volta de 1500, o único sobrevivente de um ataque de piratas. Ainda na praia, antes mesmo de começar a pular para tirar a água dos ouvidos, o Fantasma jurou dedicar sua vida ao combate ao crime. Seus descendentes fariam o mesmo.
Em seguida, o primeiro Fantasma lançou-se a duas tarefas primordiais:
1) conseguir mantimentos e abrigo e
2) conseguir descendentes.
Consta que, adotado por uma tribo de pigmeus, o Fantasma encontrou sua primeira companheira entre estes dóceis selvagens, as irmãs Hl e Ps, que andavam sobre os ombros uma da outra, revezando-se, para poderem caminhar abraçadas com o Fantasma e morderem a sua orelha. O Fantasma teve um filho com as duas irmãs, o menor Fantasma até hoje, mas grande o bastante para botar suas duas mães no colo quando tinha quatro anos.
Nada foi descoberto sobre a mulher do segundo Fantasma, mas o terceiro, parece, foi casado com uma sobrinha de William Shakespeare, embora outros digam que a sobrinha era de Marlowe, que naufragou na costa ninguém sabe como, pois não estava nem viajando na ocasião.
O quarto Fantasma casou-se com Sulamita, filha de um sultão, que lhe deu sete filhas mulheres e foi exilada para a Europa enquanto o Fantasma, já velho, casava de novo com uma espanhola, fecundava-a com grande esforço e morria logo em seguida. O filho da espanhola foi o Fantasma mais precoce e até hoje é lembrado nas lendas dos pigmeus, que o chamam de Mgmnb-tj, ou “Aquele Enjoado”.
O quinto Fantasma casou com uma exploradora russa que procurava a cabeceira do Nilo mas seguiu o rio errado e foi dar no Sul da África. Olga Dubiansky, uma legenda no seu tempo pelo desprendimento, pela bravura e pelo seu grande bigode, teve sérios desentendimentos com a sogra espanhola e as duas brigavam a soco periodicamente enquanto os pigmeus faziam apostas e cobravam entrada.
Traumatizado pelo péssimo ambiente familiar, o sexto Fantasma jurou que jamais casaria e jamais seria dominado por uma mulher. Mas um dia, ajudando a desbaratar uma quadrilha de falsificadores de rape na corte do Rei Luís XIV conheceu Jeanne Jeanjeane, Marquesa de Moi Aussi, dona do seio mais bonito da Europa, o direito, seguido de perto pelo esquerdo. Foi um caso tempestuoso, louco, arrebatador, e o Fantasma voltou para a África debilitado, com um joelho lesionado e escoriações na cabeça. A Marquesa de Moi Aussi o seguiu e os dois casaram na Caverna da Caveira, ela triunfante, ele numa maça. Os pigmeus davam-se cotoveladas e riam muito, cuidando para não fazer barulho.
O Fantasma seis foi o que menos combateu o crime.
Do sétimo ao décimo Fantasma, nada foi possível descobrir. Há indícios apenas que um deles também só teve filhas, o que sugere a fascinante hipótese de que um dos Fantasmas desse período tenha sido mulher.
O Fantasma n° 11, o único dos Fantasmas a frequentar uma universidade (Cambridge, na Inglaterra), só voltou para casa e casou-se com (Grunin, uma camponesa sul-africana escolhida pela família porque tinha ancas largas e dava um litro de leite por dia) depois que seu pai foi buscá-lo à força na universidade, onde ele se dedicava a fumar haxixe e fazer versos decadentes. Seu companheiro de quarto era Oscar Wilde. Consta que o Fantasma n° 11 desmaiava cada vez que via Grunin.
Seu filho, obviamente adotado, o Fantasma n° 12, casou-se com Milicent (Mimi) Mayfair, uma das primeiras sufragistas norte-americanas, que logo entrou em choque com os pigmeus porque tentou organizar as pigméias contra o trabalho escravo e os hábitos machistas da tribo. Foi encontrada morta em circunstâncias misteriosas, com uma flecha atravessada no pescoço. Houve suspeita de assassinato.
A mulher do Fantasma n° 13 foi nada mais nada menos do que Melanie Greystoke, filha de John Clayton, Lord Greystoke, também conhecido como Tarzã dos Macacos. Tarzã deserdou Melanie, porque insistia em chamá-la de Boy e ela, sendo menina e voluntariosa, não atendia. Ela fugiu com um orangotango e levou uma vida atribulada até conhecer o Fantasma. Parece que o Fantasma 13 andou pelo Brasil antes de conhecer Melanie. Frequentadores do antigo Cassino da Urca lembram de uma estranha figura que só tirou o sobretudo e o chapéu desabado sobre o rosto uma vez, no carnaval, quando sua fantasia de malha justa fez muito sucesso. Gostava muito de passear de bonde pelo Rio, o que criava problemas, pois o cachorro e o cavalo sempre iam juntos. O 13 teria tido um caso amoroso com uma corista brasileira, Juraci, que hoje mora em Brasília, lidera uma seita chamada Apóstolos do Jesus Baiano e se recusa a falar no assunto.
O filho de Juraci diz que não tem nenhum interesse em reivindicar o posto de Fantasma 14 — o atual — porque acha difícil conciliar sua atividade de cirurgião-dentista com as obrigações de um Fantasma. As viagens, etc. E, mesmo, teria que fazer regime para entrar no calção.

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