CAPÍTULO 10
Horas depois Disco retorna com quatro bolsas cheias e encontra a moça sentada no sofá.
- Trouxe algumas coisas que vai precisar, espero que aprove - Diz tirando as coisas da sacola - Trouxe roupas, absorventes, calcinhas, meias e uma escova de dentes. Não quero que use a minha.
- Porque está fazendo isso?
Ele não responde.
- Pode ficar aqui o tempo que quiser até acertar a sua vida. E esqueça o que Adonis falou, está certo? Eu sei como ele é e acredite: estará melhor longe daquele lugar.
Ela assente com a cabeça.
- Já comeu alguma coisa?
- Não. Estava esperando você voltar.
- Então vamos lá. Estou faminto.
- Poderia me dizer o seu nome?
- Oh. Desculpe! - Fala sem jeito - Eu me esqueci. Meu nome é Charles M. Disco.
- O meu é Virginie Helena Salvattori.
- O que fazia no Palácio? - Pergunta Disco já na cozinha enquanto coloca a mesa.
A moça baixa a cabeça e enrubesce.
- Desculpe-me. Não queria constrangê-la. Creio que não seja bom falar sobre isso, não é? Tudo bem.
- Não se preocupe. Já estou a acostumada. Quem já passou o que eu passei não pode ter muitos pruridos.
- Mesmo assim eu fui muito grosseiro...
- Já disse. - Interrompe ela - Não se preocupe. Eu estava naquele lugar porque não tinha para onde ir.
- É. Você disse.
- Sou do interior do Estado, uma cidade pequena chamada Barra das Garças. Morava lá com minha família: pai, mãe e dois irmãos. É uma cidadezinha que ninguém conhece, mas era famosa por produzir fogos de artifício, muitas vezes em indústrias clandestinas de fundo de quintal. Estava estudando com afinco para entrar na faculdade e me dedicando integralmente a ser alguém na vida. Abdiquei de tudo para realizar meu sonho de trabalhar com informática.
Disco permanece calado.
- Até que um belo dia, eu havia saído à tarde para ir a padaria quando ocorreu uma explosão. Uma daquelas malditas fabriquetas clandestinas que ficava ao lado de minha casa vou pelos ares e levou com ela todo quarteirão junto. Eu estava a alguns metros e fui arremessada contra uma parede. Quando voltei a consciência estava sozinha no mundo; perdera minha família, meus documentos e minha vida. Estava num hospital aqui no Rio e os médicos disseram que tive uma concussão muito grave e que foi um milagre eu ter sobrevivido depois de quase uma semana em coma e sem nenhuma sequela.
Ela prossegue triste.
- Quando me deram alta saí pela cidade sem ter para onde ir. Sem parentes, sem amigos, sem vida, sem nada. Meio confusa, com uma dor enorme no peito, um vazio que não queria parar de doer, vaguei pela cidade sem destino. Passei vários dias ao relento e com muito medo. Foi então que uma das meninas de Adonis me encontrou dormindo num beco que existe atrás do Palácio. Ela ficou com pena e me ofereceu trabalho e moradia. Sem outra alternativa, aceitei. Que mais eu poderia fazer? Sabe como essa cidade trata quem mora na rua, não?
- Porque Adonis disse que você lhe dava prejuízo?
- Eu não era talhada para aquilo. Sabe, chego a admirar quem consegue ganhar a vida daquele jeito, mas sempre achei muito difícil de aceitar ter que viver assim. As meninas tentaram me ensinar... me deram roupas, me maquiaram, mas nunca consegui ser eu mesma e os clientes reclamavam. Adonis percebeu isto e em nome da reputação do seu estabelecimento me colocou fazendo serviços menores. Então você apareceu e ele te usou para se livrar de mim.
- Agora terá uma chance para mudar a sua vida. - Diz Disco sentando-se. - Amanhã vamos providenciar uma arrumação no quarto que foi de meu avô.
- Ele morava com você?
- Não. Eu é que morava com ele. Me criou desde os cinco anos, quando meus pais morreram num acidente de carro.
- Que pena... Eu não sabia...
- Não poderia saber. Mas isso não é mais problema. Perdi meu avô já fazem três anos. Mas ainda não tive coragem de me desfazer de suas coisas.
- Se preferir eu durmo na sala...
- Não se preocupe. Se vovô estivesse aqui ele aprovaria.
- Devia gostar muito dele...
- Tudo o que sou na vida, devo a ele... - Muda de assunto - Pode dormir sossegada. Mas não se espante se encontrar algumas armas pela casa. Elas são necessárias no tipo de serviço que faço.
Virginie arregala os olhos e Disco percebe o medo em seu rosto.
- E antes que pergunte: Não sou tira, nem detetive, nem mercenário, muito menos assassino.
- O que faz então?
- Digamos que eu ajudo as pessoas.
Ela fica em silêncio.
- E também não sou viciado em drogas, tarado ou pervertido de nenhuma espécie, por isso pode ficar tranquila e terminar de comer. Depois pegue essas coisas que eu trouxe e se acomode lá dentro da melhor maneira possível. Vou assistir um pouco de televisão. - Faz uma longa mesura com as mãos - Faça de conta que a casa é sua, milady.
A moça sorri e Disco a deixa só. Horas depois ele desliga a TV e vai para o quarto e nota a porta do outro fechada.
- Muito bom - Pensa ele - A menina entendeu o recado. Não quero que pense que vou me aproveitar dela.