É engraçado... A
discussão aponta para um lado, mas a meu ver acerta em outro. Os budistas e
taoístas dizem a mesma coisa que foi colocado como resultado dessa pesquisa à
séculos. Só agora os cientistas acreditam que eles estão certos. Veja esses
dois trechos: O primeiro retirado do corpo do texto e o segundo do livro "A
Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen":
"Em
outras palavras: quando você para, pensa e toma decisões pontuais, tem a
sensação de que um eu consciente e racional, separado do cérebro, segura as
rédeas de sua vida. (...) A sensação de que existe um eu, que habita e controla
o corpo, é apenas o resultado da atividade cerebral que nos engana."
***
“Como
o disparo [com o arco e flecha] pode ocorrer, se não for eu que o fizer
acontecer?’
‘Algo
dispara’, respondeu-me.
‘Já
ouvi essa resposta outras vezes. Modifico, pois, a pergunta: como posso esperar
pelo disparo, esquecido de mim mesmo, se eu não posso estar presente?
‘Algo
permanece na tensão máxima’.
‘E
o que é esse algo?’
‘Quando
o senhor souber a resposta, não precisará mais de mim. E se eu lhe der alguma
pista, poupando-o da experiência pessoal, serei o pior dos mestres, merecendo
ser dispensado. Por isso, não falemos mais! Pratiquemos!”.
Como se pode
ver, não se trata de livre-arbítrio aqui, mas da verdadeira essência que nos
forma e que não é o que se entende como ego/mente. É "Algo" que não temos como discernir
conscientemente porque está além da consciência. Dizer que o Livre-arbítrio não existe está
errado. "Algo" toma as decisões. O problema é como caracterizar esse
"Algo" se ele está fora da consciência? Pergunte aos Zen-budistas e
Taoistas, eles sabem, embora duvido que possam explicar com palavras...
***
O Livre-Arbítrio não Existe, Dizem Neurocientistas.
Por Aretha Yarak, da Revista Veja
Novas
pesquisas sugerem que o que cremos ser escolhas conscientes são decisões
automáticas do cérebro. O homem não seria, assim, mais do que um computador de
carne. Como nem sempre é o caso com os temas filosóficos, a crença no
livre-arbítrio tem reflexos bastante concretos no "mundo real"
São
Paulo - Saber se os homens são capazes de fazer escolhas e eleger o seu caminho,
ou se não passam de joguetes de alguma força misteriosa, tem sido há séculos um
dos grandes temas da filosofia e da religião. De certa maneira, a primeira tese
saiu vencedora no mundo moderno. Vivemos no mundo de Cássio, um dos personagens
da tragédia Júlio César, de William Shakespeare.
No
começo da peça, o nobre Brutus teme que o povo aceite César como rei, o que
poria fim à República, o regime adotado por Roma desde tempos imemoriais. Ele
hesita, não sabe o que fazer. É quando Cássio procura induzi-lo à ação. Seu
discurso contém a mais célebre defesa do livre-arbítrio encontrada nos livros.
"Há momentos", diz ele, "em que os homens são donos de seu fado.
Não é dos astros, caro Brutus, a culpa, mas de nós mesmos, se nos rebaixamos ao
papel de instrumentos."
Como
nem sempre é o caso com os temas filosóficos, a crença no livre-arbítrio tem
reflexos bastante concretos no "mundo real". A maneira como a lei
atribui responsabilidade às pessoas ou pune criminosos, por exemplo, depende da
ideia de que somos livres para tomar decisões, e portanto devemos responder por
elas. Mas a vitória do livre-arbítrio nunca foi completa.
Nunca
deixaram de existir aqueles que acreditam que o destino está escrito nas
estrelas, é ditado por Deus, pelos instintos, ou pelos condicionamentos
sociais. Recentemente, o exército dos deterministas – para usar uma palavra que
os engloba – ganhou um reforço de peso: o dos neurocientistas. Eles são
enfáticos: o livre-arbítrio não é mais que uma ilusão. E dizem isso munidos de
um vasto arsenal de dados, colhidos por meio de testes que monitoram o cérebro
em tempo real. O que muda se de fato for assim?
Mais
rápido que o pensamento — Experimentos que vêm sendo realizados por cientistas
há anos conseguiram mapear a existência de atividade cerebral antes que a
pessoa tivesse consciência do que iria fazer. Ou seja, o cérebro já sabia o que
seria feito, mas a pessoa ainda não. Seríamos como computadores de carne - e
nossa consciência, não mais do que a tela do monitor.
Um
dos primeiros trabalhos que ajudaram a colocar o livre-arbítrio em suspensão
foi realizado em 2008. O psicólogo Benjamin Libet, em um experimento hoje
considerado clássico, mostrou que uma região do cérebro envolvida em coordenar
a atividade motora apresentava atividade elétrica uma fração de segundos antes
dos voluntários tomarem uma decisão – no caso, apertar um botão. Estudos
posteriores corroboraram a tese de Libet, de que a atividade cerebral precede e
determina uma escolha consciente.
Um
deles foi publicado no periódico científico PLoS ONE, em junho de 2011, com
resultados impactantes. O pesquisador Stefan Bode e sua equipe realizaram
exames de ressonância magnética em 12 voluntários, todos entre 22 e 29 anos de
idade.
Assim
como o experimento de Libet, a tarefa era apertar um botão, com a mão direita
ou a esquerda. Resultado: os pesquisadores conseguiram prever qual seria a
decisão tomada pelos voluntários sete segundos antes d eeles tomarem
consciência do que faziam.
Nesses
sete segundos entre o ato e a consciência dele, foi possível registrar
atividade elétrica no córtex polo-frontal — área ainda pouco conhecida pela
medicina, relacionada ao manejo de múltiplas tarefas. Em seguida, a atividade
elétrica foi direcionada para o córtex parietal, uma região de integração
sensorial. A pesquisa não foi a primeira a usar ressonância magnética para
investigar o livre-arbítrio no cérebro. Nunca, no entanto, havia sido
encontrada uma diferença tão grande entre a atividade cerebral e o ato
consciente.
Patrick
Haggard, pesquisador do Instituto de Neurociência Cognitiva e do Departamento
de Psicologia da Universidade College London, na Inglaterra, cita experimentos
que comprovam, segundo ele, que o sentimento de querer algo acontece após (e
não antes) de uma atividade elétrica no cérebro.
"Neurocirurgiões
usaram um eletrodo para estimular um determinado local da área motora do
cérebro. Como consequência, o paciente manifestou em seguida o desejo de
levantar a mão", disse Haggard em entrevista ao site de VEJA. "Isso
evidencia que já existe atividade cerebral antes de qualquer decisão que a
gente tome, seja ela motora ou sentimental."
O
psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade da Vírginia, nos Estados Unidos,
demonstrou que grande parte dos julgamentos morais também é feito de maneira
automática, com influência direta de fortes sentimentos associados a certo e
errado. Não há racionalização. Segundo o pesquisador, certas escolhas morais –
como a de rejeitar o incesto – foram selecionadas pela evolução, porque
funcionou em diversas situações para evitar descendentes menos saudáveis pela
expressão de genes recessivos. É algo inato e, por isso, comum e universal a
todas as culturas. Para a neurociência, é mais um dos exemplos de como o
cérebro traz à tona algo que aprendeu para conservar a espécie.
A
mente como produto do cérebro — Como o cérebro já se encarregou de decidir o
que fazer – e o ato está feito —, é preciso contextualizar a situação. É aí que
entra a nossa consciência. Ela também é um produto da atividade cerebral, que
surge para dar coerência às nossas ações no mundo. O cérebro toma a decisão por
conta própria e ainda convence seu 'dono' que o responsável foi ele.
Em
outras palavras: quando você para, pensa e toma decisões pontuais, tem a
sensação de que um eu consciente e racional, separado do cérebro, segura as
rédeas de sua vida. Mas para cientistas como Michael Gazzaniga, coordenador do
Centro para o Estudo da Mente da Universidade da Califórnia e um dos maiores
expoentes da neurociência na atualidade, não existe essa diferenciação.
Segundo
ele, somos um só: o que é cérebro também é mente. A sensação de que existe um
eu, que habita e controla o corpo, é apenas o resultado da atividade cerebral
que nos engana. "Não há nenhum fantasma na máquina, nenhum material
secreto que é você", diz Gazzaniga, que, em seu mais recente livro, Who’s
in Charge – Free Will and the Science of the Brain (Quem está no comando –
livre-arbítrio e a ciência do cérebro, sem edição em português), esmiúça a
mecânica cerebral das decisões.
Segundo
Gazzaniga, o cérebro humano fabula o tempo todo. A invenção de pequenas
histórias para explicar nossas escolhas seria uma maneira sagaz de estruturar
nossa experiência cotidiana. Essa estrutura narrativa, segundo Patrick Haggard,
tem um significado importante na evolução humana.
"Criar
histórias sobre as nossas ações pode ser útil para quando nos depararmos com
situações similares no futuro. É assim que iremos decidir como agir,
relembrando resultados anteriores", diz. Ou seja, funcionamos na base do
acerto e do erro, e da cópia do comportamento de pessoas próximas –
principalmente nossos familiares. "Por isso a educação das crianças é tão
importante. É um momento em que o cérebro absorve uma grande carga de
informações e está sendo moldado, criando parâmetros para saber como se portar,
como viver em sociedade."
Dúvidas
— Em artigo publicado no periódico Advances in Cognitive Psychology, o
pesquisador W. R. Klemm coloca em xeque a metodologia usada em diversos dos
experimentos recentes da neurociência. Segundo Klemm, que é professor na
Universidade do Texas e autor do livro Atoms of Mind. The 'Ghost in the
Machine' Materializes (Átomos da mente. O fantasma da máquina se materializa,
sem edição no Brasil) alguns estudos sugerem que não é possível medir com precisão
o tempo entre o estímulo cerebral e o ato em si. O que poderia colocar abaixo
toda a tese da turma de Gazzaniga.
O
argumento principal do pesquisador, no entanto, recai sobre a generalização dos
testes. "Não é porque algumas escolhas são feitas antes da consciência em
uma tarefa, que temos a prova de que toda a vida mental é governada desta
maneira", escreve no artigo. Klemm defende ainda a tese de que atividades
mais complexas do que apertar um botão ou reconhecer uma imagem devem ser
feitas de maneiras muito mais complexas. "Os experimentos feitos são muito
limitados."
Ainda
que as pesquisas estejam corretas, os próprios neurocientistas reconhecem que a
ideia de um mundo sem livre-arbítrio provoca estranhamento. Eles se esforçam,
sobretudo, para conciliar sua teoria com o problema da responsabilidade
pessoal. "Mesmo que a gente viva em um universo determinista, devemos
todos ser responsáveis por nossas ações", afirma Gazzaniga. "A
estrutura social entraria em caos se a partir de hoje qualquer um pudesse matar
ou roubar, com base no argumento simplista de 'meu cérebro mandou fazer
isso'."
Para
o cientista cognitivo Steven Pinker, a solução talvez seja manter a ciência e
moralidade como dois reinos separados. "Creio que ciência e ética são dois
sistemas isolados de que as mesmas entidades fazem uso, assim como pôquer e
bridge são dos jogos diferentes que usam o mesmo baralho", escreve ele no
livro Como a Mente Funciona. "O livre-arbítrio é uma idealização que torna
possível o jogo da ética."
Continuaríamos,
assim, a viver no mundo descrito por Cássio em Júlio César. "Há momentos
em que os homens são donos de seu fado", diz ele. Neurocientistas como
Pinker estão prontos a concordar com isso - desde que se entenda o
livre-arbítrio como uma ilusão necessária para o jogo das leis e da ética - e
desde que se ponha o cérebro o lugar dos astros, como o grande condutor de
nossos atos.
Retirado
de:
0 comentários:
Postar um comentário