Por Marina Colasanti
Ele
diz: Eu te amo. E o que a gente ouve não é: "Eu te amo tanto quanto posso
dentro das limitações dessa relação e desse meu momento de vida, dentro das
minhas próprias limitações, dos meus medos e dos meus fechamentos. "A
gente ouve: "Eu te amo totalmente, para sempre, sem que nada, antes ou
depois do nosso encontro, supere esse sentimento." Ele fala de si, e nós
ouvimos o cosmos. Ele fala do hoje, e nós entendemos o eterno.
A
culpa é nossa, então, por ouvirmos errado? Não. Ele também, ao falar dentro da
sua pequena dimensão humana, está se iludindo com as grandes medidas. Ao dizer
"eu te amo", assume o papel do grande amante, torna-se o amor
absoluto encarnado.
(...
) em matéria de sentimentos, essa noção acaba sendo subjetiva. O amor que é
absoluto para mim pode não sê-lo para a pessoa à qual é dirigido. E isso
porque, enquanto minha emoção amorosa me preenche por inteiro, dando-me a
impressão de que não existe mais possibilidade de amor além dela, o objeto do
meu amor, que, por razões pessoais, não se sente por ele preenchido, pode
considerá-lo insuficiente e, como tal, bem aquém do absoluto.
Além
do mais, o amor não é inelutável. Não podemos viver sem ter nascido, nem
podemos viver sem vir a morrer. Mas, apesar das nossas fantasias em contrário,
podemos perfeitamente viver sem grandes amores, coisa que, aliás, acontece com
a maioria das pessoas. O amor é parte da vida, mas apenas uma parte, e nem de
leve tão indispensável quanto, digamos, a alimentação. À luz da realidade mais
imediata, e, por mais que a ideia nos desagrade, o amor é uma necessidade
menor.
Nem
o amor é uma experiência única. A quase totalidade das pessoas abriga em sua
vida diversos amores. E, embora o tempo e o distanciamento afetivo acabem por
diluir nossa capacidade de revivê-los por completo na lembrança, conservamos,
se não a emoção, pelo menos o registro daquela intensidade. Assim, a lembrança
dos amores passados é vencida para permitir o acontecimento de novos amores,
mas não é apagada.
Apesar
disso tudo, e, apesar de sabermos disso tudo, continuamos querendo o amor
absoluto. Mas há mais um empecilho na rota da sua conquista: a exigência da
reciprocidade.
Em
termos literários, um grande amor pode existir mesmo sem resposta; o amante
suspira na sombra, se acaba de paixão, sem que o objeto de seus sonhos lhe
dirija mais do que um olhar. Mas na vida real o que queremos, para que o amor
se complete física e efetivamente, é que o outro também nos ame. E achamos que
nosso amor só se transformará realmente num amor absoluto, na medida em que a
intensidade do amor do outro for gêmea idêntica da nossa intensidade.
O
amor não é mensurável. A duras penas sabemos do nosso próprio amor, quanto mais
daquele do outro. O que acostumamos fazer para resolver o impasse é medir o
amor do outro usando o nosso próprio amor como metro. Ele diz "eu te
amo". Nós respondemos "eu também te amo". E deduzimos que as
duas coisas são idênticas e que aquele amor, como a vida e a morte, representa
um todo, como elas indissolúvel, e, portanto, como elas, absoluto. Está
demonstrado o teorema, como se queria.
Um
perigoso teorema, na verdade. Porque, em cima dele e da sua inconsistência,
começamos a construir justamente aquele castelo que queríamos mais sólido e
mais seguro.
Livro: Marina
Colasanti. “E por falar em amor”, Ed. Rocco, 1985.
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