DECLARAÇÃO
Por Manuel Antônio de Almeida
Luisinha estava no vão de uma janela a espiar para a rua pela rótula; Leonardo aproximou-se tremendo, pé ante pé, parou e ficou imóvel como uma estátua atrás dela que, entretida para fora, de nada tinha dado fé. Esteve assim por longo tempo, calculando se devia falar em pé ou se devia ajoelhar-se. Depois fez um movimento como se quisesse tocar no ombro de Luisinha, mas retirou depressa a mão. Pareceu-lhe que por aí não ia bem; quis antes puxar-lhe pelo vestido, e ia já levantando a mão quando também se arrependeu. Durante todos estes movimentos o pobre rapaz suava a não poder mais. Enfim, um incidente veio tirá-lo da dificuldade.
Ouvindo passos no corredor, entendeu que alguém se aproximava, e tomado de terror por se ver apanhado naquela posição, deu repentinamente dois passos para trás, e soltou um — ah! — muito engasgado. Luisinha, voltando-se deu com ele diante de si, e recuando espremeu-se de costas contra a rótula: veio-lhe também outro — ah! — porém não lhe passou da garganta, e conseguiu apenas fazer uma careta.
A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à sala; os dois levaram algum tempo naquela mesma posição, até que o Leonardo, por um supremo esforço, rompeu o silêncio e com voz trêmula e em tom o mais sem graça que se possa imaginar perguntou desenxabidamente:
— A senhora... sabe... uma coisa?
E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola. Luisinha não respondeu.
Êle repetiu no mesmo tom.
— Então... a senhora... sabe ou... não sabe?
E tornou a rir-se do mesmo modo. Luisinha conservou-se muda.
— A senhora bem sabe... é porque não quer dizer ...
Nada de resposta.
— Se a senhora não ficasse zangada... eu dizia...
Silêncio.
— Está bom... eu digo sempre... mas a senhora fica ou não fica zangada?
Luisinha fez um gesto de quem estava impacientada.
— Pois então eu digo... a senhora não sabe... eu... eu lhe quero... muito bem.
Luisinha fez-se cor de uma cereja; e fazendo meia volta à direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor. Era tempo, pois alguém se aproximava.
Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato pela resposta que ela lhe dera, porém, não de todo descontente: seu olhar de amante percebera que o que se acabava de passar não tinha sido totalmente desagradável a Luisinha.
Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabafo e assentou-se, pois se achava tão fatigado como se tivesse acabado de lutar braço a braço com um gigante.
***
Filho de pais humildes, Manuel Antônio de Almeida nasceu no Rio de Janeiro em 1831. Formou-se em Medicina, porém não exerceu a profissão porque era jornalista por excelência.
Entre 1852 e 1853 publicou, em folhetins, a obra "Memórias de um Sargento de Milícias". Em 1857 foi nomeado diretor da Tipografia Nacional. Nessa função, ficou conhecido por ter dado emprego a um jovem pobre e mestiço chamado Machado de Assis. Em 1861 morreu tragicamente no naufrágio do navio Hermes.
É considerado um homem de transição entre o Romantismo e o Realismo. Isso se dá porque sua obra, apesar de apresentar convenções do Romantismo, já traz algumas características do movimento que estava por vir, como, por exemplo, os personagens não idealizadas, ou seja, mais próximos do real, e linguagem mais simples e popular, se comparada, à outros escritores do mesmo período.
“Memórias de um Sargento de Milícias”, de 1852, foi seu único livro. Retrata as classes média e baixa, algo muito incomum para a época, na qual os romances retratavam os ambientes aristocráticos. A experiência de ter tido uma infância pobre influenciou Manuel Antônio de Almeida no desenvolvimento de sua obra.
0 comentários:
Postar um comentário