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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Restos de Peixe Amassado e Podre com Muito Sal

No século passado quando estava na faculdade e estudava a História da Península Ibérica, deparei-me com o fato de que a Lusitânia (que foi uma Província Romana) era uma grande exportadora do que o autor que li (e não me lembro mais do nome) chamou de “preparado piscícola”, que era levado de navio em ânforas de barro num intenso comércio com Roma e outros lugares.

Isso me deixou intrigado... O que seria o tal “preparado piscícola”? Pesquisando tempos depois eu descobri que era o chamado “Garum” descrito na Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Garum) como:

“(...) um gênero de condimento muito utilizado na Antiguidade, especialmente na Roma Antiga. É feito de sangue, vísceras e de outras partes selecionadas do atum ou da cavala misturadas com peixes pequenos, crustáceos e moluscos esmagados; tudo isto era deixado em salmoura e ao sol durante cerca de dois meses ou então aquecido artificialmente. Este produto era exportado para várias partes do Mediterrâneo. Há notícias de exportação de garum para Atenas, no século V a.C. A existência de numerosos vestígios de fábricas detectados no litoral mediterrânico da península Ibérica, provam um nítido crescimento desta indústria conserveira. Em Roma, o garum chegou a ser um produto de luxo, chegando a atingir 1000 denários (apenas 6,5 L.)

Em Portugal, a maior concentração de vestígios de unidades de fabrico de garum localiza-se no litoral algarvio. Na região atlântica há a referir os restos descobertos no Alto de Martim Vaz (Póvoa de Varzim), na praia de Angeiras (Matosinhos) e no estuário do rio Sado, em Creiro, Rasca, Comenda, Ponta da Areia, Moinho Novo e Tróia, um dos mais importantes centros conserveiros da Hispânia. As ruínas destas fábricas (usinas) até agora achadas em território português são constituídos pelos tanques ou cetárias destinados à salga de peixe e à preparação de conservas, normalmente de alvenaria. As conservas de peixe destinadas à exportação eram embaladas em recipientes de cerâmica, as ânforas.”

Em 2003 o Maurício Kubrusly do Fantástico fez uma reportagem que falava sobre esse tipo de condimento culinário, que não passa de uma miscelânea variados frutos do mar misturados e macerados no que devia ser uma quantidade absurda de sal e depois deixados para apodrecer curar por dois meses. Fico imaginando o tipo de comida que se fazia com isso... Eis o texto:


Receita de Garum
Fantástico 14/12/2003
O lugar onde está Lisboa foi, durante muito tempo, parte do Império Romano. Entre os séculos I a.C. e I d.C., existiu ali uma espécie de indústria romana, que produzia um molho feito com peixes e ervas. Era produzido em grandes ânforas, fabricadas por oleiros locais. E eles assinavam os seus trabalhos de barro. Em pesquisas mais recentes, tais assinaturas foram encontradas em cacos localizados em locais muito distantes de Lisboa, ainda dentro do imenso Império Romano. Por isso, os pesquisadores concluíram que a região de Lisboa era utilizada para produção e exportação do molho chamado Garum. Ele foi utilizado na Grécia desde o século VI a.C..
Muito tempo depois, o romano Plínio se admirou do entusiasmo de seus compatriotas por "esta preciosa fermentação de peixe de cheiro muitas vezes nauseabundo". Se acompanhar a receita que foi anotada por Gargilius Martialis logo vai perceber a razão do cheirinho da Garum. Algumas das ervas da receita não são comuns por aqui, mas é possível fazer mesmo utilizando apenas parte dos ingredientes. Respire fundo - bem fundo! - e vamos lá, direto para a cozinha da Roma antiga:
Num recipiente bem grande, coloque uma primeira camada de peixes gordos - salmão, enguia, sardinha. A seguir, uma camada de ervas aromáticas - aneto, coentro, funcho, aipo, segurelha, arruda, hortelã, levístico, poejo, orégano, argemona e outras. Depois, uma camada de dois dedos de sal. Repita a seqüência de camadas até encher o recipiente. Feche com uma tampa e deixe marinar durante uma semana. Nos vinte dias seguintes, mexa a mistura todos os dias. Mas faça isso com uma colher grande, para mexer até o fundo. Depois, basta recolher o licor que ficou por cima. É preciso filtrá-lo, para que você guarde apenas o líquido, em recipientes menores. E aí está o Garum, que agradava gregos e romanos.
Agora, se você quiser conhecer o sabor do Garum sem a maratona de localizar tantas ervas raras e, principalmente, suportar um certo cheirinho... procure nas importadoras de alimentos finos um potinho de nuoc-mâm. É usado no sudeste asiático e, garantem os entendidos, tem sabor semelhante ao Garum. Bom apetite.



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