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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Como é que você Joga o jogo da vida?

Nos posts anteriores (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) eu disponibilizei dados sobre a síndrome do Estrangeiro com indicações sobre como identificá-la e como aprender a conviver com ela. Hoje vou colocar dois pontos de vista sobre como lidar com essa sensação constante de "estar com fome e armado apenas com um garfo num mundo feito de sopa".

De forma bem simplificada (e por que não dizer clichê) podemos nos lembrar do paradoxo do copo d’água, onde identificamos aqueles que o veem meio cheio ou meio vazio de acordo com sua inclinação para o pessimismo ou otimismo. De minha parte, me basta hoje perceber que está pela metade. Ponto. Mas não foi sempre assim e uma longa jornada foi necessária para chegar a esse ponto.

Leiam os dois textos e (como tudo na vida) escolham como preferem viver. A vida é como um jogo de poker no qual não se pode escolher as cartas (embora os espíritas digam o contrário). Nascemos com uma mão que pode ser boa ou ruim. E pode ser melhor ou pior de acordo com nossa forma de jogar. Podemos mudar algumas cartas, apostar, passar ou pagar para ver. Como alternativa podemos não fazer nada e nos lamentar esperando a morte chegar. Você decide.


SOU UM ESTRANGEIRO NESTE MUNDO
Por Khalil Gibran
Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.
Sou um estrangeiro para meus parentes e amigos. Quando encontro um deles penso: "Quem é ele? Onde o encontrei? Que me une a ele? Por que me aproximo dele e o frequento?"

Sou um estrangeiro para minha alma. Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.

Sou um estrangeiro para o meu corpo. Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.

Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem, gritando: "Eis o cego, demos-lhe um cajado que o ajude". Fujo deles.

Mas encontro outro grupo de raparigas que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: "É surdo como uma pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo". Deixo-as, correndo.

Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: "É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua". Fujo deles com medo.

E encontro um grupo de velhos que apontam para mim com dedos trêmulos,dizendo: "É um louco que perdeu a razão ao freqüentar as fadas e os feiticeiros".

Sou um estrangeiro, e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.

Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, frequentado por cobras e insetos. Se sair à luz, a sombra do meu corpo me segue, e as sombras de minha alma ma precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo. E quando chega a noite, volta para casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.

Ideias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda a resposta um sorriso. Quando procuro segurá-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.

Sou um estrangeiro neste mundo. Sou um estrangeiro, e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma da minha alma.

Caminho pela selva inabitada, e vejo os rios correrem e subirem do fundo do vale ao cume da montanha. E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas, e florirem, e frutificarem, e perderem suas folhas num só minuto. Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.

E as aves do céu voam, pousam, cantam, gorjeiam e depois param, abrem as asas e viram mulheres nuas, de cabelo solto e pescoços esticados. E olham para mim com sensualidade. E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irônicos.

Sou um estrangeiro neste mundo. Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em verso, e em versos o que a vida põe em prosa. Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria...



UMA VIDA
Por Dinair Fonte
Um jeito assim de viver morrendo segundo a segundo. Descobrindo-me, sentindo como se fosse a ultima vez. Observando-me existir. Quantas vezes eu quis ser diferente. Como o resto do mundo que retira da realidade coisas que eu não consigo retirar.

Assisto a mim, meu ser fragmentado e carente precisando constantemente aprender a olhar. Assisto as pessoas a minha volta simplesmente vivendo. Divertindo-se, amando a cada cinco minutos, enquanto eu busco respostas, busco a essência, aquilo que os antigos nomearam como Amor sublime.

Eu não sei curtir a vida, eu admito. Não sei flertar, não sei fazer, não sei, não levo jeito. Sou incompetente nos assuntos do coração. Sempre estive concentrada em mim, no que acontecia dentro de mim.

Não, eu não sou daqui. Eu apenas disfarço muito bem. Sou uma estrangeira. Não possuo a normalidade que os outros esperam. É impossível parecer um ser humano “normal” quando assumimos com coragem o ser pensante que somos. E é justamente a compreensão ampla da vida, resultante ou não do pensar, e, ao mesmo tempo, a não compreensão dela, que faz a minha existência tornar-se perturbadora.

Para mim dói existir, sempre doeu. Eu sofro com a realidade, não descanso nunca. Vivo de sobreaviso, acordada, sempre alerta. Vivo a agonia de caminhar no escuro, de me sentir impotente e perdida perante a vida linda que me foi dada de graça. Sangrando com desamores, perdas, rejeições e incertezas. Sentindo por tantas vezes um medo horrível de viver.

No entanto, há algo que eu acredito, e que está acima de tudo que eu não sei que sou: Dor não é amargura. Então, saio para vida sozinha com esse meu jeito torto de ser, e viajo até as pessoas. Sorrio. É minha maneira de parecer normal, de fazer o peso da minha vida, de minhas observações, do meu estar no mundo, se tornarem mais leves.

Pouca gente entende. Mas, definitivamente, isso não me preocupa mais. Sou o que sou. Sou o está ao meu alcance ser. E isso é, sem dúvida, o melhor que posso fazer.

Minha sensibilidade me fere, minha sensibilidade é minha dádiva e minha desgraça. Reneguei-a algumas vezes. Mas não posso, não consigo mais. Pois é a partir dela, e com ela, que eu realizo belíssimas coisas. Como você consegue, Camila? Eu respondo: Sentindo. Eu descobri.

Um comentário:

  1. "...sensação constante de estar como fome e armado apenas com um garfo num mundo feito de sopa..."
    Linda imagem, cabeça de coco...
    Amo você.
    Bjs

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