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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sociedade Cracuda

Um texto lúcido e preciso do amigo Eugenio Nascimento. As autoridades batem cabeça e os intelectuais recriminam quando apenas se aventa a hipótese de retirada forçada dos viciados semi-mortos da rua. A lógica me parece a mesma dos imóveis históricos tombados à revelia dos donos. Sem qualquer auxílio para a manutenção e sem poder agir sem uma enorme burocracia, o proprietário deixa tudo vir a baixo e depois vende o terreno. É assim com os chamados "cracudos". Enquanto os "terrores da ditadura" assombram os pensadores que transformam qualquer ação do Estado em "repressão" (mesmo os indivíduos não tendo poder de resistir por si sós aos efeitos deletérios da droga) eles morrem à margem da rodovia. Só que diferentemente de uma casa que desmorona, isso não acaba com a mazela por que eles se multiplicam. 

E só para não dizer que eu não falei de flores: Foi essa mesma lógica de ojeriza a tudo que é considerado "repressão" pelos filhos pensantes da ditadura é que transformou as escolas públicas num lugar em que os alunos podem tudo e o professor não pode nada, espremido e sufocado por burocracia, estatísticas e aprovação automática. Sem Educação decente, nem uma ação estruturada do poder público o condomínio dos "cracudos" só tende a aumentar.

***

Antonio Eugenio do Nascimento

Passo todos os dias pela Avenida Brasil e já estou ficando acostumado com aquela gente, assustadoramente drogada, agora confinada em um pequeno terreno triangular, de ponta tão fina em um dos vértices, que seus ocupantes, quando sentados, acabam ficando com os pés no meio da rua por onde passam os carros em alta velocidade. São, mais ou menos, duzentas pessoas à espera da sorte ou da chegada célere das olimpíadas do Rio, único evento capaz de salvar a todos da morte que se avizinha.



Pode parecer exagero, mas não consigo saber o que esperam Cabral, Paes e Dilma para agir em busca de uma solução antes da derrocada final. As pessoas estão morrendo, algumas atropeladas, algumas desaparecem, outras vão para os hospitais e não voltam. Estão todos na condição de indigentes à espera da cova rasa e o governo, bestializado, diz não saber o que fazer com aquele grupo de consumidores de crack, que não pára de crescer.



A minha perplexidade tem relação direta com as leis que até bem pouco tempo não poupava nem os consumidores de maconha. Os cuidados do estado para que a droga não virasse uma epidemia era tamanha que até as festas que duram dias eram vigiadas para evitar que a juventude da burguesia sucumbisse em êxtase pelos comprimidos que chegavam aos quilos por via marítima ou aérea. De repente, tudo ficou menos nocivo numa comparação direta com o crack, de tal forma que as ações sobre os consumidores da terrível droga de condado também deixaram de existir. 



Primeiro, quando o grupo resumia-se aos viciados da Maré, era uma correria protagonizada pela polícia para que todos saíssem debaixo do viaduto que dá acesso à Ilha do Governador, um dos caminhos de acesso ao Aeroporto Tom Jobim e à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agora parece que houve uma negociação para que os sem-terra e com crack ocupassem o terreno pontiagudo que fica bem em frente ao Parque União. Mas foi só.



No momento, a impressão que dá, é que estão todos acomodados: governos, cracudos e sociedade que não se mobilizam mais para nada, que não se revoltam mais com nada, que não querem mais saber de nada. Como os meninos e as meninas do crack, todos parecem viver apenas o momento do incêndio que volta e meia acontece devorando os plásticos que cobrem suas cabeças em dias de chuva e douram seus corpos negros e eretos em dias de sol tórrido e calor de 50 graus à sombra de nada.



A impressão dos que passam, é que todos que ali estão, estão desgarrados de tudo: da família, dos amigos que um dia tiveram em um círculo social menos violento, da escola que saíram para o acampamento do crack e da esperança que um dia pensaram existir. São Paulo, com todas as críticas, está fazendo a sua parte e o Rio não pode mais se eximir da responsabilidade de cuidar, enquanto há tempo, de seu acampamento de vitimados pela falta de perspectivas, pela falta de uma verdadeira política para a infância e a juventude que claramente está dizendo que toda política assistencialista promovida pelos governos que vão se perpetuando no poder, não deu em nada!


Antonio Eugênio é Educador, Mestre em Educação pela UFF, Doutorando Na UERJ.

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