A
reportagem de capa da Superinteressante de junho é “A Bíblia como você nunca
leu”. Trata-se dos trechos bíblicos que propagam, com candura, sacrifícios
humanos, morte para virgens defloradas, poligamia, bebedeira e por aí vai.
Livro
sagrado tem muita violência, além poligamia, bebedeira, etc.
As
perversidades bíblicas têm sido destacadas à exaustão, mas ainda assim a
reportagem é oportuna porque ocorre cada vez mais com frequência a exaltação
por vereadores e deputados da Bíblia como “padrão de moralidade”.
Recentemente
na Assembleia Legislativa de Goiás, por exemplo, a leitura da Bíblia se tornou
obrigatória no começo das sessões para garantir “um ambiente de princípios e de
harmonia entre os deputados”.
O
deputado evangélico Daniel Messac (PSDB), autor da lei dessa obrigatoriedade,
agiu como só existisse uma parte da Bíblia, a "boa", e não também a
"ruim", a podre, e como se esta não contaminasse aquela. E assim tem
sido nas pregações de pastores e de padres, nos sermões televisivos, nos livros
religiosos. Tudo sem questionamentos dos fiéis.
Seguem
trechos do texto de Alexandre Versignassi e Tiago Cordeiro.
MARIDOS & ESPOSAS
Rei Salomão teve
700 mulheres
O
Velho Testamento deixa claro que as mulheres deveriam ser funcionárias de seus
maridos, com deveres e direitos. Se uma esposa fosse “demitida” pelo parceiro,
por exemplo, ela podia ganhar uma carta de recomendação, para a moça utilizá-la
como trunfo na hora de tentar uma vaga de mulher de outro sujeito.
A
poligamia era regra. Tanto que o primeiro caso aparece logo no capítulo 4 do
primeiro livro da Bíblia: “E tomou Lameque para si duas mulheres” (Gênesis). A
situação era tão comum que vários dos personagens mais importantes do Antigo
Testamento viviam com mais de uma esposa sob o mesmo teto.
[...]
Nunca na história do Livro Sagrado houve maior predador matrimonial que
Salomão, o rei: foram 700 esposas. Setecentas de papel passado, já que o sábio
soberano ainda mantinha 300 concubinas.
O
Novo Testamento não cita tantos exemplos de poligamia, mas sugere que ela ainda
era comum no século 1. Jesus não toca no assunto, mas, em duas cartas, são
Paulo recomenda que os líderes da nova comunidade cristã tivessem apenas uma
esposa porque “assim eles teriam mais tempo para dedicar aos fiéis”.
“O
cristianismo só refuta a poligamia quando se aproxima do poder em Roma, que
proibia essa prática”, afirma o historiador Marc Zvi Brettler. Como escreve
santo Agostinho no século 5, “em nosso tempo, e de acordo com o costume romano,
não é mais permitido tomar outra esposa”.
“As
mulheres sejam submissas a seus maridos.” (Colossenses, 3, 18)
SEXO
Uma
série de regras estabelece como deve ser a vida sexual: toda mulher tem de se
casar virgem, ou então poderá ser dispensada pelo marido.
As
leis sexuais eram bem abrangentes: “Quem tiver relações com um animal deve ser
morto”, diz o Êxodo. E a masturbação também não pode. Como diz o sutil são
Paulo: “A mulher não pode dispor de seu corpo: ele pertence ao marido. E o
marido não pode dispor de seu corpo: ele pertence à esposa.”
“O
sexo na Bíblia é cheio de contradições”, diz o arqueólogo Michael Coogan, autor
de God and Sex (Deus e o Sexo). “É de se desconfiar que fossem realmente
levados a sério naquela época.”
“E
possuiu também a Raquel, e amou também a Raquel mais do que a Lia.” (Gênesis,
29, 30)
NEGÓCIOS E FINANÇAS
A
cobrança de juros é proibida. As ordens se repetem ao longo da Bíblia, sempre
em tom firme: “Não tomarás deles juros nem ganho” (Levítico). [...] Mas existe
uma exceção: nos casos em que o empréstimo é concedido a um não judeu (“um
estranho”, nas palavras de Deuteronômio) é permitido praticar a usura. Até por
isso os judeus se tornaram os grandes banqueiros da Idade Média.
Se
o Livro Sagrado proíbe a cobrança de juros, mas só entre judeus, o mesmo vale
para a escravidão. Você pode ter escravos, contanto que “sejam das nações que
estão ao redor de vós; deles comprareis escravos e escravas”, diz o Levítico.
“Ao
estranho, emprestarás com juros.” (Deuteronômio 23:20)
MARVADO VINHO
O
álcool nem sempre foi consumido com moderação na Bíblia. A palavra “vinho” é
citada mais de 200 vezes, e os porres são frequentes: Noé é embebedado pelas
filhas, e Amnon, filho de Davi, está mais pra lá do que pra cá quando é
assassinada por ordem de seu irmão Absalão — a interessar: foi pelo crime de
ter estuprado a própria irmã, Tamar.
“Os
sacerdotes são orientados a não beber antes de entrar no tempo, e o álcool é
relacionado à perda de controle pessoal e da capacidade de diferenciar o bem do
mal. Mas nada no texto bíblico proíbe o consumo”, diz o historiador Marc Zvi
Brettler.
O
álcool chega a ser recomendado para curar os males da alma. Está em provérbios:
“Daí bebida forte ao que está prestes a perecer, e o vinho aos amargurados de
espíritos”.
E
tem o primeiro milagre de Jesus: transformar água em vinho — segundo o
evangelista João, no melhor vinho da festa.
São
Paulo vai mais além: recomenda a um discípulo, Timóteo, que troque a água pelo
vinho.
“O
chefe do serviço provou [o vinho que Jesus criara a partir da água] e falou com
o noivo: ‘Tudo guardaste o melhor vinho até agora!’” (João 2, 7-10)
SAÚDE E EDUCAÇÃO
[...]
Ao longo da infância, os pais têm a obrigação de repassar a eles a palavra de
Javé. Já o Novo Testamento é mais pedagógico, digamos assim: enfatiza a
educação pelo bom exemplo dos pais. [...] Quando não funcionar, o Antigo
Testamento indica que um bastão flexível deve ser usado para bater nos
desobedientes. O objeto tem até nome, vara da correção, e é indicado para
qualquer situação em que o pai considere que a criança não seguiu suas
instruções. “A vara e a repressão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesa
envergonha a sua mãe” (Provérbios).
“O
sacerdote examinará a praga na pele da carne; se o pelo na praga se tornou
branco, (...) é praga de lepra; o sacerdote o examinará, e o declarará por
imundo.” (Levítico 13:3).
HOMOSSEXUALIDADE
O
amor entre homens era punido com a morte — a não ser que você fosse o rei Davi.
Os livros Samuel I e Samuel II contam a história da amizade entre ele e Jonatã,
filho do rei Saul, antecessor de Davi e candidato natural ao trono de Israel.
Davi acaba escolhido para a sucessão, mas isso não abala o relacionamento dos
dois. Está escrito: “A alma de Jonatã se ligou com a alma de Davi. E Jonatã o
amou, como à sua própria alma” (Samuel I).
Em
outra passagem, Jonatã tira todas as roupas, entrega a Davi e se deita com ele.
“E inclinou-se três vezes, e beijaram-se um ao outro” (Samuel I). “Esse relato
incomoda os intérpretes tradicionais da Bíblia, que tentam explicar a relação
como uma forte amizade, e o beijo como um costume comum entre homens”, diz o
historiador finlandês Martii Nissinem, da Universidade de Helsinki e autor de
Homoeroticism in the Biblical World (Homoerotismo no Mundo Bíblico). “Mas é
difícil negar a referência à homossexualidade nesse caso, mesmo que a lei
judaica a proíba expressamente.”
Para
alguns especialistas, o Antigo Testamento também sugere um relacionamento
homossexual entre duas mulheres, Noemi e sua nora Rute. Está no livro de Rute
um trecho em que ela diz a Noemi: “Aonde quer que tu fores irei eu, e onde quer
que pousares, ali pousarei eu. Onde quer que morreres morrerei eu, e ali serei
sepultada”.
“Estou
angustiado por causa de ti, Jonatã. Mais maravilhoso me era teu amor do que o
amor das mulheres.” (Samuel II 1, 26).
SACRIFÍCIO
Muito
sangue jorra na Bíblia. Abraão é orientado a sacrificar seu próprio filho Isaac
a Javé — e teria obedecido, caso um anjo não aparecesse no ultimo minuto
dizendo ser tudo um teste para sua fé. Além disso, durante os 40 dias em que
Abraão detalha suas regras ao patriarca, Deus exige uma série de sacrifícios de
animais.
Os
rituais são descritos com grande riqueza de detalhes. Moisés manda matar e
drenar 12 bois. O sangue é colocado numa tina. Metade é lançada no altar e o
resto sobre a multidão. Carneiros abatidos são esfregados no corpo de fiéis,
que seguram seus rinas nas mãos para oferecê-los a Javé. Pedaços de bichos são
queimados sobre o altar. Era uma forma de trocar favores com os deuses.
“O
sangue é o maior símbolo da vida. Ao usá-lo em rituais, os fiéis reforçam seu
vínculo com a divindade e se purificam”, diz Richard Friedman. [...] ”Na
interpretação cristã posterior, o próprio Jesus é considerado o sacrifício final,
que limpa os pecados da humanidade de forma definitiva, o que dispensa a morte
de animais.”
“Derramar-se-a
seu sangue me volta do altar. Será oferecida a cauda, a gordura que cobre as
entranhas. Os dois rins e a pelo que recobre o fígado.” (Levítico 7, 2-4).
CRIME E CASTIGO
Levítico
manda matar as prostitutas a pedradas
Sequestro,
adultério, homossexualidade, prostituição.... Tudo dava pena de morte. Até
fazer sexo com uma virgem poderia custar a vida do “criminoso”. Adorar outros
deuses também trazia problemas sérios. Moisés mandou matar 3 mil judeus por
causa disso.
O
Levítico também manda matar prostitutas a pedradas. Não caso de a moça ser
filha de um sacerdote, a punição é pior: “Com fogo será queimada”.
Em
geral, a pena de morte por apedrejamento não precisava ser julgada pelos
sacerdotes. A maioria dos crimes recebia punição na hora, diante de um grupo de
pessoas que presenciaram a cena ou que estavam por perto da cena do crime.
O
Antigo Testamento estabelece que toda mulher menstruada é tão impura que até
mesmo os lugares onde ela senta devem ser evitados. Se um homem encostar na
esposa, na mãe ou na irmã nesse período do mês, ele não pode sair de casa por
sete dias. E, se o fizer, pode ter de pagar uma multa.
Como
o Antigo Testamento não aceita o aborto, é crime provocá-lo, mesmo que por
acidente, mas a pena depende da gravidade da situação.
Em
caso de roubo e furto ou qualquer outro prejuízo ao patrimônio alheio, a pena é
o pagamento de 4 vezes o valor do bem que foi levado ou destruído. Se a pessoa
que cometeu a infração não tivesse condições de pagar, podia ser vendida como
escrava.
“Quando
houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade, e se deitar com
ela, então trarei ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis, até que
morram.” (Deuteronômio 22:23-24)
Retirado
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