Carta
enviada por Alexey Dodsworth à revista "Ciência Hoje".
Alexey
Dodsworth é astrólogo, bacharel em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu
e aluno de graduação em Astronomia pelo IAG-USP. Na época que a carta foi
escrita ocupava o cargo de diretor técnico da Central Nacional de Astrologia.
***
A
Astrologia não é um conhecimento imune a críticas, isso é um fato. Como todo e
qualquer conhecimento desenvolvido pelo ser humano, a prática de buscar
correlações entre movimentos celestes e eventos terrestres é passível de
legítimo questionamento, e até mesmo os profissionais da área, quando são
intelectualmente honestos, observam problemas e questões que merecem um olhar
mais apurado. Assim ocorre, conforme observo ao longo de mais de vinte anos de
prática profissional de Astrologia. Desconheço astrólogos sérios que não
estejam empenhados num constante criticar de seu próprio conhecimento.
A
revista Ciência Hoje pretendeu estabelecer uma crítica, confrontando a
Astronomia com a Astrologia. Críticas, conforme apontei desde o início, são
sempre possíveis. Todavia, falta aos autores do referido artigo o tão
importante conhecimento de causa. Os argumentos utilizados contra a Astrologia,
contidos no artigo, são bastante conhecidos por nós e perfeitamente refutáveis.
Apresento aqui os principais equívocos argumentativos contidos na matéria da
revista Ciência Hoje, com a esperança de que, no futuro, uma revista tão séria
procure se informar melhor.
Primeiramente,
os signos utilizados em Astrologia ocidental não são as constelações celestes.
Os signos astrológicos são trópicos, e não sidéreos. Pensar que os astrólogos
utilizam as constelações astronômicas constitui total ignorância dos elementos
básicos utilizados em Astrologia.
Em
segundo lugar, vale notar que nem todos os astrólogos falam em “influência dos
astros”. Mesmo na antiguidade, encontramos uma das principais máximas da
Astrologia (revelada – esta tábua surgiu no fim da Idade Média, mas revela uma
sabedoria antiga) na Tábua Esmeraldina, que anuncia: “aquilo que está em cima é
como aquilo que está embaixo, para que se realizem os milagres da coisa única”.
Ou seja, o que está em cima (os astros) é análogo ao que está embaixo (a vida
na Terra).
O
raciocínio analógico não implica em causalidade, nem tampouco na ideia de uma
qualidade mecânica, ou de “energias invisíveis e desconhecidas” que
desencadeiam comportamentos e fatos. O raciocínio analógico é profusamente
explicado por Carl Jung em sua obra Sincronicidade, cujos detalhamentos não
cabem aqui, mas valem a leitura. Não obstante afirme isso, não ignoro que
alguns astrólogos crêem numa relação de causa e efeito.
O
que quero que fique claro com o presente texto é que a ideia de causalidade
aplicada à astrologia não é unânime e, até onde posso observar, tal ideia é
aceita por uma minoria. Se no passado alguns astrólogos famosos defenderam a
causalidade, isso não significa que no presente a classe astrológica concorde
com este modelo.
Em
terceiro lugar, a Astrologia não se limita a horóscopos de jornal e
interpretações de personalidade de acordo com signos solares. Horóscopos de
signos solares são o aspecto mais genérico da Astrologia, e continuarão a
existir mesmo que todos os astrólogos se recusem a fazê-los.
Vale
aqui um relato pessoal: no final dos anos 80, ainda em Salvador, eu me recusava
a fazer horóscopos de jornal, mas nem por isso eles deixavam de existir. Como
os astrólogos locais se recusavam a escrevê-los, tais horóscopos eram feitos,
na época, por jornalistas que inventavam coisas, usando o horóscopo para mandar
recados para seus desafetos e belos dizeres para seus amores. Se o jornalista
estava irritado com um amigo leonino, aproveitava o horóscopo para dizer
“poucas e boas” para a pessoa. Se tinha um amor libriano, previa dias de grande
amor. Faziam isso como um chiste, uma brincadeira. Deste modo, tanto melhor que
seja um astrólogo a escrevê-los do que um jornalista engraçadinho, pois pelo
menos quando é um astrólogo que escreve o horóscopo a interpretação estará
consonante com o saber astrológico, ainda que suas interpretações não sejam
completas.
Para
interpretações astrológicas completas, astrólogos se valem do mapa astral de
nascimento, e não apenas de signos solares. Vale salientar que um horóscopo de
jornal, ainda que seja apenas um sopé da grande montanha da Astrologia, serve
de estímulo para que pessoas se interessem por um aprofundamento do assunto.
Ainda que a interpretação possa ser, conforme foi apontado, genérica, é
inofensiva e na maioria das vezes constitui um bom conselho, uma dica. Atacar a
Astrologia por conta de horóscopos de jornal é um tipo primário de crítica.
Ainda que um astrólogo não goste de horóscopos pautados em signos solares, não
há como negar que constitui um total desserviço à Astrologia que um jornalista
“invente” um horóscopo.
Estou
de acordo com a crítica ao fato de que um mau astrólogo pode causar danos a
pessoas, através de orientações e dizeres que prejudicam alguns desavisados não
apenas no sentido psicológico. Contudo, estes maus astrólogos não são mais
abundantes do que os maus profissionais que existem, lamentavelmente, em todas
as profissões.
Não
posso deixar de dizer que os argumentos utilizados pela Ciência Hoje não são
nada diferentes dos mesmos argumentos apontados pela revista Superinteressante,
no início dos anos 90. São argumentos repetitivos, superados e, se os autores
tivessem se informado melhor, não dariam a este artigo um sabor tão ruim de
comida requentada. A Ciência Hoje ficou com ares de “Ciência Ontem”, ao
valer-se de argumentos superados e já refutados pela classe astrológica ao
longo de incontáveis publicações. Ela sequer se deu ao trabalho de ouvir um
astrólogo sério.
Pergunto:
é assim que se faz ciência? Creio que não. Mais do que creio: por conta de
minha sólida formação filosófica, sei que não. Sugiro, aqui, a leitura da
extensa obra do filósofo da ciência Paul Feyerabend, além do excepcional artigo
escrito pela também filósofa da ciência Cristina Machado, intitulado “A relação
de poder entre a Astrologia e a ciência”, disponível na internet.
Por
fim, vale lembrar que este tipo de comparação entre a Astronomia e a Astrologia
nada acrescenta à Astronomia, tampouco a dignifica. Quando é mal feita, do
jeito que foi, coloca os astrônomos numa posição de ignorantes pretensiosos,
que criticam aquilo que não estudaram. Estudo Astronomia na USP, e nenhum dos
meus professores, até agora, perdeu tempo em aula criticando um conhecimento
que não é o deles. Eles sabem que Astronomia e Astrologia são saberes
completamente distintos, pautados em paradigmas diferentes.
Não
se eleva um conhecimento atacando outro, principalmente quando o ataque apenas
expõe profundo desconhecimento de causa. Quando os autores do texto da Ciência
Hoje criticam a Astrologia, incorrem no erro das generalizações graves.
Vale
aqui fazer um pequeno recorte da revista Espaço Aberto, edição número 100, que
conta com a declaração do professor Roberto Boczko, do Instituto de Astronomia
da USP. Diz a revista: Outro assunto delicado é a Astrologia, mas nesse assunto
o professor diz ser necessário cuidado para que não sejam feitas análises
generalistas. Segundo Boczko, alguns cientistas costumam se arvorar da ideia de
que explicam tudo e aquilo que eles não sabem explicar não existe. “Essa é uma
atitude um tanto quanto perigosa e anticientista, porque o pesquisador deve
estar aberto a novas descobertas, procurar explicar novos fatos”, comenta. Mas
ele pondera e opina que tudo para o que não há explicação também não pode ser
considerado prontamente sobrenatural.
O
discurso do professor Boczko revela seu profundo entendimento dos limites da
ciência. O cientista não pode, não deve ser convertido no novo “sumo sacerdote”
de nossa sociedade. Do mesmo modo, os astrólogos não deveriam pleitear para si
o status de “ciência” apenas como uma forma de reconhecimento social.
Sim,
há críticas perfeitamente possíveis contra a Astrologia: a crença no inatismo
identitário é atacada por Foucault, assim como Deleuze dedica longa parte de
sua obra a criticar a ideia de “identidade”. Em nenhum dos casos as críticas de
Foucault e Deleuze se dirigem frontalmente contra a Astrologia, mas poderiam
ser aplicadas a ela. Estas, sim, seriam críticas dignas de muita discussão.
É
inevitável lembrar também de Carl Sagan, famoso astrônomo que, apesar de também
não considerar a Astrologia uma ciência, recusou-se a assinar um manifesto
elaborado por cientistas contra “esta tal superstição”, por considerar a
declaração autoritária. Mais do que apenas um homem inteligente, Sagan
demonstrou sabedoria ao dizer que não assinaria um documento manifestando-se de
forma contrária ou censora a um saber que não é da conta dele. Ao denunciar que
se tratava de um documento autoritário, Carl Sagan deu exemplo do que é, de
fato, ser um homem da ciência. Bulas papais condenaram cientistas no passado com
seus manifestos autoritários. É espantoso que, com o passar dos anos, os
perseguidos se convertam em perseguidores.
Alexey
Dodsworth
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