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segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Professora, o You Tube e o Hipnotizador de Galinhas

Um dos assuntos mais comentados nessa semana ainda é o vídeo da professora de Língua Portuguesa potiguar Amanda Gurgel que tornou-se mais uma celebridade instantânea depois de protagonizar uma fala na tribuna da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte na presença da Secretária de Educação e de vários deputados. Como já disse aqui mesmo no blog quando postei o vídeo, ela não falou nada demais. Tudo o que ela disse está aí mesmo para todo mundo ver, em situações até piores, como no Rio de Janeiro, onde os professores do Estado não chegam a ganhar nem os 930 reais que ela mostrou em seu contra-cheque.


“O que a professora Amanda fala no vídeo é uma realidade conhecida por todos os professores, por todos os alunos, pais de alunos, por toda a sociedade, e vem ocorrendo há séculos, desde que a primeira escola pública foi inaugurada no Brasil. Mas então por que a repercussão do vídeo? É que o discurso contido nele não é um boom midiático, mas se constitui num enunciado, segundo o conceito do filósofo Michel Foucault. É isso que Amanda percebe na entrevista que deu ao jornal Tribuna do Norte: ‘Quem é professor há 20 ou 30 anos conhece o processo de degeneração pelo qual as escolas vêm passando. Isso é o principal e não a minha imagem ou até mesmo as minhas palavras, mas a situação.’

O enunciado de Amanda se liga ao enunciado de tantos outros professores, quando falam da degradação do ensino público: escolas deterioradas, baixos salários, ausência de recursos didáticos, superlotação das salas de aula, infinitos problemas familiares e outros que afetam a aprendizagem dos alunos, doenças advindas da atividade de docência, etc. Assim, o enunciado de Amanda vai além do espaço restrito da escola e se expande até a crítica à forma como o Estado é governado. Ele se constitui em um enunciado a partir da posição de Amanda: numa Audiência Pública dentro da Assembleia Legislativa, à frente de deputados fantasistas e da própria secretária de Educação do RN.

Amanda se diz surpresa com a repercussão, uma vez que, repetimos, a realidade que ela descreve não é nova. Mas o que é novo é o enunciado. É uma repetição, mas uma repetição que carrega algo novo. O enunciado de Amanda reúne uma multiplicidade de elementos que lhe possibilita sair da condição de sujeito sujeitado, como se encontram muitos professores, e se torne um sujeito de enunciado atuante.

Para diminuir sua atuação é que armadilhas já vão sendo forjadas instantaneamente, como uma tentativa de personalização, de transformá-la em celebridade. Mas Amanda não cai nessa. ‘Queria focar no discurso político, porque eu não tenho o menor interesse de focar na minha imagem’, corta ela na entrevista.

Ela não cai nem mesmo na sutil tentativa de transformá-la num símbolo de luta dos professores, esvaziando sua potência real. ‘Nem símbolo de uma luta. Eu sou apenas mais uma peça. Assim como eu, há outros, milhares de trabalhadores. Eu não sou símbolo de nada e nem pretendo ser.”


***

Nesses tempos de YouTube e redes sociais a fala da professora na tribuna repercutiu muito e isso a levou a ser convidada para participar no programa do apresentador Fausto Silva da Rede Globo, no último domingo (a entrevista  pode ser vista abaixo), onde ela demonstrou mais uma vez a articulação e a firmeza que já havia ficado patente no discurso que a lançou para a fama. Disse entre outras coisas, que não pensava em ficar famosa, e reiterou que não tinha ideia de lucrar com a sua imagem: “Já que estou tendo essa oportunidade, minha missão é ser a porta voz da minha categoria. E vou continuar lutando e representando em favor da educação”. Uma atitude louvável, mas como ela é filiada ao PSTU, não creio que o partido político vai deixar passar em branco a visibilidade que ela está tendo... além disso as prebendas e sinecuras que advirão de um cargo público dificilmente podem ou devem ser desprezadas...


Não tenho o “pensamento mágico” ou quixotesco de que por conta desse evento de mídia, ratificado pelos 98% de aprovação popular conseguidos na enquete do programa dominical da Rede Globo, haverá alguma diferença no atual estado de coisas, que já se arrastam a dezenas de anos, sem que as autoridades, que com toda certeza sabem muito bem tudo que está acontecendo, tentem melhorar. A mesma Globo que deu visibilidade a moça no horário nobre havia terminado na sexta-feira anterior uma “série de reportagens” sobre a educação no Brasil no prestigiado "Jornal Nacional", utilizando extensivamente a tecnologia de que dispõem com deslocamentos cinematográficos, cruzando o país de uma ponta a outra para “revelar o estado do ensino” nos diversos estados e concluiu que o que faltava para melhorar a educação era o “comprometimento dos pais com o ensino” e uma melhor qualificação dos profissionais em sala de aula.

Nunca, em nenhum canto visitado na(s) reportagem(ns) se discutiu sobre a baixa remuneração dos professores; parecia um assunto tabu que não poderia ser tocado sob pena de atrair alguma maldição arcana sobre os repórteres envolvidos. O salário era citado, por que não havia como não fazê-lo, mas descontextualizado e quase casualmente como um dado de somenos importância para o bom andamento da educação. E todos sabemos que não é.

Um professor que trabalha em três, quatro lugares para receber um salário condigno não tem como realizar todo potencial de que é capaz no exercício da sua disciplina, isso é óbvio. Seria a presença da professora Amanda Gurgel na telinha uma forma velada de redenção a esse lapso da emissora no tratamento do assunto? Não creio.

Já faz muito tempo que a(s) midia(s) trocaram a sua missão precípua de informar, pelo entretenimento rentável. O que vale hoje é manter o espectador o mais tempo possível ligado no respectivo canal e/ou ser levado a comprar o jornal, a revista ou seja lá o que esteja sendo oferecido, afinal: “business is business”.

No caso da TV aberta, como exemplo em larga escala dessa orientação, podemos citar o apelo ao sensacionalismo, ao “circo” montado nas grandes tragédias que comovem e mantém presas com detalhes exaustivos as atenções de uma audiência que parece ter um alto grau de morbidez. Os exemplos são muitos: o caso Nardoni, o massacre de realengo e qualquer desastre natural da vez. Em pequena escala podemos ver uma amostra disso no close fechado no rosto sempre que alguém se emociona e chora na tentativa de criar a empatia (do grego empatheia= sentir junto) em quem está conectado e mantê-lo o maior tempo possível assim.

Como já disse antes, não acredito que o desabafo ou a reivindicação da professora do Rio Grande do Norte vá ser o catalizador de nada. Não acredito que alguma coisa vá mudar. Para justificar meu pessimismo embasado em causas sólidas, após muitos anos na linha de frente da educação, trabalhando como professor da rede pública e privada, chamo atenção para um fato pitoresco que para mim é emblemático sobre o desenvolvimento da questão que foi trazida à luz naquela assembleia do Rio grande do Norte: após a boa entrevista da professora, que manteve uma dignidade que nem as gracinhas do apresentador conseguiram empanar e ela se retirar do palco, a próxima atração do programa era um homem que conseguia hipnotizar galinhas!

Um assunto realmente importante e muito relevante, com largas aplicações práticas. Quem sabe se eu aprender hipnose não possa, através da sugestão, fazer aqueles alunos mais difíceis prestarem atenção nas aulas...






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