Quando eu era criança nos dias quentes de verão, uma das coisas que me lembro era uma cantilena que era ouvida durante quase toda a época de calor: “Olha aí o picolé!” Um grito ao qual as crianças retrucavam (escondidas é claro) para aborrecimento do vendedor: “Água doce ninguém quer!” (ou segundo outros: "água pura ninguém quer!"). Sempre havia alguém passando pelas ruas do subúrbio com uma caixa de isopor a tiracolo oferecendo aquelas “delícias geladas” em troca de centavos, que na maioria das vezes não passava de – adivinha? – água doce com corante ou uma solução de algum popular refresco em pó (geralmente Ki Suco), mas que faziam a alegria de todos. Na praia o grito era: "olha o picolé do china!" (que também tinha sua resposta: "pura água e anilina!") que era um dos melhores da época, por que era feito com leite ao invés de água (acho que depois virou o "dragão chinês" e hoje não sei mais se ainda existe). Um dos medos que eu tinha quando era bem moleque, era quando minha mãe dizia que ia me mandar vender picolé pelas ruas do bairro para ajudar nas despesa da casa. Eu era muito tímido e retraído; e só de pensar em sair pela rua gritando, como alguns de meus amigos faziam (e já ganhavam seu próprio dinheiro): “Olha o picolé!”, com todo mundo olhando para mim, entrava em pânico. Hoje penso que talvez se isso tivesse acontecido naquele tempo, eu teria desenvolvido uma relação melhor com a necessidade imperiosa de “ganhar dinheiro” que a vida me impôs, diferente daquela que eu tenho hoje; e talvez soubesse administrá-lo melhor também... (os grifos em itálico no texto são meus)
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A História do Picolé
A primeira delicia gelada provavelmente surgiu na China há cerca de 3.000 anos. No início, ele era mais parecido com a atual raspadinha, não levava leite e geralmente era feito com neve, suco de frutas e mel.
Consta que num dos mais antigos livros de receitas do romano Apicius, havia uma que os árabes chamavam de “sciarbát” que levava neve trazida em caixas de madeira isolada que deveria ser servida com mel de flores, evidentemente para gente muito rica (na Sicília juntava-se à neve trazida do Etna, as essências perfumadas de cítricos, frutos e flores, de onde deriva o “sorbetto” que os sorveteiros sicilianos levaram à fama mundial, mas isso não é o nosso assunto...).
Hoje existe algo parecido com essa receita romana que é muito vendida nas feiras, nas praias, na entrada dos campos de futebol e nas ruas das cidades do Nordeste. É uma mistura de gelo raspado com xarope (ou mel) de frutas. Já ouvi dizer que em alguns lugares ele é proibido por causa do gás, nocivo para os humanos, usado em geladeiras e também na fabricação do gelo comercializado em barras que é usado. Mas isso não é picolé...
Atentem para o detalhe da tradução ipsis literis do raspa-raspa nordestino para o inglês...
Como muitas descobertas importantes que mudaram os rumos da ciência, o picolé foi inventado meio por acidente, em 1905, por um menino de 11 anos chamado Frank Epperson.
A ferramenta para raspar o paralelepípedo (adoro essa palavra) de gelo e servir
Ele esqueceu um refresco contendo um palito de madeira fora de casa durante uma noite invernal. De manhã ele notou que a bebida e o palito congelaram juntos. O picolé é consumido no mundo inteiro por um público de todas as idades.
O picolé tradicional
O picolé com seu palito de madeira ou plástico tem um “primo pobre”, o Sacolé ou geladinho, que é o picolé, feito de modo bastante artesanal, preparado dentro de pequenos sacos plásticos.
Esta iguaria surgiu durante a Segunda Guerra Mundial. Inicialmente salgado era usado como fonte proteica pelos mariners norte-americanos.
Por ser uma sobremesa bastante popular e fácil de fazer, recebe diversos nomes conforme a região do país, como sacolé, din-din, chupa-chupa, chup-chup, juju, gelinho,"suquinho" etc.
O termo em inglês para esse tipo de picolé artesanal é "Ice candy" muito comum nas Filipinas. Em Tremembé (SP) é também conhecido como sacolete, uma mistura de saco com sorvete.
Na região da cidade de Serra dos Aimorés, em Minas Gerais, o sacolé é conhecido como "brasinha". Nessa região, a "brasinha" é muito comercializada como fonte de pequena renda. Sua preparação é bastante simples, podendo ser de todos os sabores, naturais ou artificiais.
É possível, ainda, incrementar o picolé, usando-se leite, polpa de fruta, com achocolatado. Há, também, possibilidade de se criar outras receitas de modo a tornar a guloseima mais sofisticada, colocando-se bebidas alcoólicas, caldo de cana e outros ingredientes como os vendidos por grandes marcas na maioria das cidades do país.
Texto retirado e adaptado de:
Imagens da internet.
Caríssimo, muito obrigado por desencavar mais uma das nossas memórias geracionais, também eu me divertia repetindo as cantilenas citadas. Também tinha medo de ter que vender alguma coisa na rua, mas a vida, e a D. Nice Cidade, me fizeram perder esse temor. Mas fica um comentário, você sabia que vender raspa-raspa - que eu conheci como raspadinha - é proibido aqui no Rio de Janeiro?
ResponderExcluirOutra, quando criança, em meu primeiro contato com um sacolé - uma vizinha da minha avó em Realengo - ele era vendido como "geladinho da Bahia". Nome que só ouvi naquele lugar - acho que ele logo fez questão de se naturalizar carioca, hehehe
ResponderExcluirEu não sabia que no Rio de Janeiro é proibido, mas deveria ter desconfiado... a última vez que eu provei desse raspa-raspa foi numa viagem ao nordeste ainda no século passado... mas era bom demais!
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