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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Metafísica

Por Luiz Fernando Veríssimo
Quando Einstein morreu foi para o céu, o que o surpreendeu bastante. Assim que chegou, Deus mandou chamá-lo.
-Einstein! -exclamou Deus quando o avistou.
-Todo-Poderoso! - exclamou Einstein, já que estavam usando sobrenome. E continuou:
-Você está muito bem para uma projeção antropomórfica da compulsão monoteísta judaico-cristã.
-Obrigado. Você também está ótimo.
-Para um morto, você quer dizer.
-Eu tinha muita curiosidade em conhecer você - disse Deus.
-Não me diga.
-Juro por Mim. Há anos que Eu espero esta chance.
-Puxa...
-Não é confete, não. É que tem uma coisa que Eu queria lhe perguntar...
-Pois pergunte.
-Tudo o que você descobriu foi por estudo e observação, certo?
-Bem...
-Quer dizer, foi preciso que Eu criasse um Copérnico, depois um Newton etc, para que houvesse um Einstein. Tudo numa progressão natural.
-Claro.
-E você chegou às suas conclusões estudando o que outros tinham descoberto e fazendo suas próprias observações de fenômenos naturais. Desvendando os meus enigmas.
-Aliás, parabéns, hein? Não foi fácil. Tive que suar o cardigã.
-Obrigado. Mas a teoria geral da relatividade...
-Sim?
-Você tirou do nada.
-Bem, eu...
-Não me venha com modéstia - interrompeu Deus. - Você já está no céu, não precisa mais fingir. Você não chegou à teoria geral da relatividade por observação e dedução. Você a bolou. Foi uma sacada. É ou não é?
- É.
-Maldição! -gritou Deus.
-O que é isso?
-Não se escapa da metafísica! Sempre se chega a um ponto em que não há outra explicação. Eu não aguento isso!
-Mas escuta...
-Eu não agüento a metafísica!
Einstein tentou acalmar Deus.
-A minha teoria ainda não está totalmente provada...
-Mas ela está certa. Eu sei. Fui eu que criei tudo isso.
-Pois então? Você fez muito mais do que eu.
-Não tente me consolar, Einstein.
-Você também criou do nada.
-Eu sei! Você não entendeu? Eu sou Deus. Eu sou a minha própria explicação. Mas você? Você não tem desculpa. Com você foi metafísica mesmo.
-Desculpe. Eu...
-Tudo bem. Pode ir.
-Tem certeza que não quer que eu...
-Não. Pode ir. Eu me recupero. Vai, vai.
Quando Einstein saiu, viu que Deus se dirigia para o armário das bebidas.


(publicado na revista VEJA, em 11.5.1988)

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