Por Edgar Murano
O estilo é uma maneira de se inscrever no mundo, mas também revela o que somos. (...) Um texto se personaliza na medida em que se foca no tema ou objeto em profundidade.
As conquistas de uma técnica pessoal requerem trabalho e insistente revisão, da mesma forma como a construção de uma personalidade exige autoconsciência constante e lapidação do estilo.
No entanto, uma linguagem própria pressupõe saber mover-se com liberdade entre as possibilidades oferecidas pela linguagem coletiva, herdada e usada por todos. Trata-se de uma habilidade que se adquire só com muita leitura e exercícios. Fornecer receitas, quando, a princípio, o que se almeja é a singularidade da expressão, seria artificializar a escrita.
Simular o estilo alheio pode ser um começo para a criação de seu próprio, professava o crítico e poeta Ezra Pound. A ideia de que a construção de uma personalidade escrita seja fruto da percepção de outros estilos também levanta a questão das afinidades estéticas, sobretudo o modo como quem escreve faz a ponte entre a sua subjetividade - o que ele gostaria de ser, os escritores que admira etc. — e a realidade exterior - o que ele é de fato, onde vive, limitações, entre outros fatores "incontornáveis".
O crítico francês Roland Barthes, em O Grau Zero da Escritura, foi pioneiro na proposição de uma distinção entre três níveis de escrita: primeiro a literatura como evolução das formas, depois a língua como meio social garantido a todos e que evolui, e por fim o estilo, esse "quê" do autor enquanto singularidade biográfica ou destino de seu corpo, contra o qual não se pode lutar.
Com essa classificação, Barthes postula que só a "escritura" forneceria historicidade e liberdade suficientes para serem inseridas entre a determinação biográfica e as interações sociais da língua e da literatura. É no espaço exíguo entre a língua coletiva e o uso afetivo que se faz dela que o autor deve instalar-se, evitando a subjetividade caótica interior e as formas "engessadas" da linguagem prescrita pela coletividade.
Cada redator aprendiz pode detectar marcas específicas nos textos com que se depara, no dia a dia. Cada um será resultado do afeto, maior ou menor, investido nas palavras; a maneira mais eficaz como alguém se expressa.
Um texto com personalidade será, assim, aquele que pinça, dentro dos limites concretos que a mensagem lhe impõe, aquilo que soa melhor ao autor e vai sublinhar sua própria personalidade. Classificações, técnicas uniformizadoras e procedimentos de redação, apesar de didáticos, não dão conta da variedade de estilos. Estilos vale dizer, tão complexos quanto o próprio homem.
Os perfis de texto que mais afugentam o leitor segundo a estilística seriam:
O AFETADO
Quer passar a imagem de que está em sintonia com as ideias da moda, daí sobrecarregar o discurso com frases de efeito, mas que o conectem a uma certa identidade ou tendência. Assume o risco de tornar o texto difícil, com termos extravagantes, estrangeirismos cifrados, além de expressões vazias de sentido.
O ARROGANTE
É o texto de quem banca o sabe-tudo. Não importa a eficácia da mensagem, mas a construção de uma imagem de domínio do assunto, qualquer que seja ele. Daí textos ao mesmo tempo prolixos (a transpirar sapiência técnica) e simplificadores (por tratar o leitor como um ser inferior).
O BACHARELESCO
Estilo academicista, diz o simples de modo complicado. Confunde clareza com falta de precisão. Trata tudo com formalidade, mesmo o insignificante e o senso comum. Imagina um leitor informado, e por isso evita ser minucioso demais e adianta conclusões. Mas como o leitor nem sempre é outro acadêmico, deveria esclarecer cada ponto.
O CONFUSO
Texto truncado, sem encadeamento lógico de ideias, revela alguém a ignorar que o modo de apresentar os fatos já é, em si, um argumento. Repetições e raciocínios truncados ocorrem quando, por exemplo, uma observação particular é seguida por uma geral e depois dá lugar a outros aspectos particulares.
O PICARETA
Falso criativo, não entrega o que promete. Trabalha com valores consagrados, criando uma espécie de positivo absoluto, um texto "curinga" repleto de valores inquestionáveis que se adaptam a qualquer tipo de redação, ainda que não digam a que vieram. Sábio o bastante para dizer coisas que significam tudo e nada.
O SUBALTERNO
A linguagem aqui não é só burocrática como vaga, pois não assume compromissos nem responsabilidade, pois teme a hierarquia e as instâncias de poder superior. Evita correr riscos pelo leitor, por isso não o surpreende.
O TÍMIDO
Texto burocrático, cheio de clichês, que mostra falta de familiaridade com outras soluções de escrita: tende a moldar a mensagem a fórmulas conhecidas. O texto trai um redator hesitante, de raciocínio sequencial, pouco criativo, crítico consigo mesmo ao escrever, talvez por ter sido muito reprimido no processo escolar.
O VERBORRÁGICO
Com frases longas, empoladas e enfileiradas, acredita que do contrário seria tomado por simplório. A erudição forçada e a preocupação excessiva com a estruturação das frases traem a fragilidade de conteúdo. A linguagem se torna pouco clara, inclusive a um leitor técnico.
Retirado e adaptado de: Revista Língua Portuguesa, 57, julho de 2010.
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