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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A Feiticeira

Por Jules Michelet
Todos os povos primitivos tiveram um mesmo princípio; nós o vemos através das Viagens. O homem caça e combate. A mulher imagina, sonha; ela é mãe dos sonhos e dos deuses Ela é vidente em certos dias; ela tem a asa infinita do desejo e do sonho.

Para melhor compreender o tempo, ela observa o céu. Mas a terra não tem menos o seu coração. Seus olhos se baixam para as flores amorosas, ela mesma uma flor, e aprende a conhecê-las intimamente. Como mulher, ela lhes pergunta como curar aqueles que ama.

Singelo e comovedor começo das religiões e das ciências! Depois, tudo se dividirá; ver-se-á o homem especial, charlatão, astrólogo ou profeta, nigromante, sacerdote, médico. Mas a princípio a mulher é tudo.

Uma religião forte e viva, como o foi o paganismo grego começa com a sibila e termina com a feiticeira. A primeira, formosa donzela, o embalou em plena luz do dia e lhe deu encanto e esplendor.

Mais tarde, abatido, enfermo, nas sombras da Idade Média, nas charnecas e nos bosques, ele foi protegido pela feiticeira, que com sua piedade o alimentou, fê-lo viver. As sim, para as religiões, a mulher é mãe, terna protetora e nutriz fiel. Os deuses são como os homens: nascem e morrem em seu seio. (...)

A palavra "feiticeira", faz imaginar as horrorosas velhas de Macbeth. Mas os cruéis processos a que se submeteram ensinam o contrário: muitas morreram precisamente porque eram jovens e belas.

A sibila predizia a sorte; a feiticeira, o fato. E a grande, a verdadeira diferença. Ela evoca, conjura, opera, por assim dizer, o destino. Não é a antiga Cassandra que via tão bem o futuro, o deplorava, o aguardava. A feiticeira acredita nesse futuro.

Mais que Circe, mais que Medéia, ela tem à mão a varinha da virtude natural, e por guia e irmã, a Natureza. Ela já tem as feições do Prometeu moderno. Nela começa a indústria, sobretudo a indústria soberana que cura, que conforta o homem. Ao contrário da sibila, que parecia olhar a aurora, ela olha o poente, mas justamente o poente sombrio oferece, muito antes que a aurora (como acontece nos picos dos Alpes), uma alvorada antecipada do dia.

O sacerdote entrevê bem que o perigo, o inimigo, a rivalidade temível está naquela que ele finge desprezar, está na sacerdotisa da Natureza. Dos deuses antigos, ela concebe os deuses. Ao lado do Satã do passado, pode-se ver despontar nela o Satã do futuro.

O único médico do povo, durante mil anos, foi a feiticeira. Os imperadores, os reis, os papas, os mais ricos barões tinham alguns médicos em Salerno; os mouros, os judeus, mais a massa ie todo o Estado, e pode-se dizer do mundo, não consultavam senão a saga ou sage-femme. Se ela não conseguia curar, era então injuriada, chamavam-na de feiticeira. Mas geralmente, por um respeito mesclado de temor, chamavam-na de "boa mulher" ou "bela mulher" ("bela donna"), o mesmo nome que se dava à fada.

Sucedeu-lhe o que aconteceu à sua planta favorita, a beladona, e aos outros venenos salutares que ela empregava e que foram o antídoto dos grandes males da Idade Média.
O menino, a gente ignorante, maldisse essas sombrias flores sem conhecê-las. Essas flores espantavam com suas cores duvidosas. E, ante elas, ele recuou, se afastou. Foram, não obstante, as consoladoras (solanáceas) que, discretamente administradas, curaram tantas vezes, adormeceram tantos males.

Retirado e adaptado de: A Feiticeira, de Jules Michelet.

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