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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O Fluxo: Arte, Ciência e Sincronicidade?

Um compositor descreve os momentos em que sua arte atinge o ponto mais alto:
Nós mesmos estamos a tal ponto em estado extático que nos sentimos como se quase não existíssemos. Senti isso repetidas vezes. Minha mão parece livre de mim, e nada tenho a ver com o que se passa. Simplesmente fico ali observando, em estado de respeito e maravilha. E a coisa simplesmente flui por si mesma.
Sua descrição é notadamente semelhante à de centenas de homens e mulheres diversos — alpinistas, campeões de xadrez, médicos, jogadores de basquete, engenheiros, gerentes, até mesmo arquivistas — quando falam de um momento em que se superaram em alguma atividade predileta. O estado que descrevem é chamado de "fluxo" por Mihaly Csikszentmihalyi, o psicólogo da Universidade de Chicago que recolheu essas histórias de desempenho máximo em duas décadas de pesquisa. Os atletas conhecem esse estado de graça como "a zona", onde a excelência vem fácil, a multidão e os competidores desaparecendo numa feliz e constante absorção do momento. Diane Roffe-Steinrotter, que ganhou uma medalha de ouro em esqui nas Olimpíadas de Inverno de 1994, disse depois da corrida que só se lembrava de que estava mergulhada em relaxamento:
— Eu me sentia como uma cachoeira.
A capacidade de entrar em fluxo é inteligência emocional no ponto mais alto; o fluxo representa, talvez, a última palavra na canalização das emoções a serviço do desempenho e aprendizado. No fluxo, as emoções são não apenas contidas e dirigidas, mas positivas, energizadas e alinhadas com a tarefa imediata. Ver-se colhido no ennui da depressão ou na agitação da ansiedade é ser barrado do fluxo. Contudo, o fluxo (ou um mais brando microfluxo) é uma experiência pela qual quase todo mundo passa às vezes, sobretudo quando no máximo do desempenho ou indo além dos limites anteriores. Talvez seja mais pelo ato de amor extático, a fusão de dois num um fluidamente harmônico.
Essa experiência é gloriosa: o sinal característico do fluido é uma s alegria espontânea e mesmo êxtase. Por ser tão bom, é intrinsecamente compensador. É um estado em que as pessoas ficam absolutamente absorvidas no que estão fazendo, dando indivisa atenção à tarefa, a consciência fundida com os atos. Na verdade, interrompe o fluxo pensar demais no que está acontecendo — até a ideia "Estou fazendo isso maravilhosamente" pode quebrar a sensação de fluxo. A atenção fica tão concentrada que as pessoas só tem consciência da estreita gama de percepção relacionada com a tarefa imediata perdendo a noção de tempo e espaço. Um cirurgião, por exemplo, lembrava uma operação desafiante durante a qual entrou em fluxo; quando a concluiu notou alguns detritos no chão da sala de operação e perguntou o que acontece Ficou espantado ao saber que, enquanto estava tão concentrado na cirurgia, parte do teto desabara — não havia notado nada.
O fluxo é um estado de auto-esquecimento, o oposto da ruminação e preocupação: em vez de perder-se em cuidados nervosos, as pessoas em fluxo tanto se absorvem na tarefa imediata que perdem toda a autoconsciência, deixando as pequenas preocupações — saúde, contas, até mesmo o bem-estar — da vida diária. Nesse sentido, os momentos de fluxo são abnegados. Paradoxalmente, as pessoas em fluxo exibem um controle absoluto do que estão fazendo, as reações perfeitamente sintonizadas com as cambiantes exigências da tarefa. E embora atuem no ponto mais alto quando em fluxo, não se preocupam com como estão se saindo, com ideias de sucesso ou fracasso — o que as motiva é o puro prazer do ato em si.
Há várias maneiras de entrar em fluxo. Uma delas é concentrar intencionalmente uma aguda atenção no que se está fazendo; a essência do fluxo e um estado de alta concentração. Parece haver um círculo de feedback na entra dessa zona: pode exigir considerável esforço acalmar-se e concentrar-se suficiente para iniciar a tarefa — esse primeiro passo exige uma certa disciplina Mas, assim que a concentração começa a fixar-se, assume uma força própria que ao mesmo tempo proporciona alívio da turbulência emocional e torna ta tarefa.
A entrada nessa zona pode ocorrer também quando as pessoas encontram uma tarefa em que são hábeis e a executam num nível que pouco exige capacidade. Como me disse Csikszentmihalyi: — As pessoas parecem concentrar-se melhor quando o que lhes é exige um pouco mais que o habitual, e elas podem dar mais que o habitua. Se as exigências são poucas demais, elas se entediam. Se tiverem de lidar com coisas demais ficam ansiosas. O fluxo ocorre naquela zona delicada entre o tédio e a ansiedade.
O prazer, a graça e a eficácia espontâneos que caracterizam o fluxo são incompatíveis com sequestros emocionais, em que os surtos límbicos se apoderam do resto do cérebro. A qualidade da atenção no fluxo é relaxada mas centrada. É uma concentração muito diferente do esforço para prestar atenção quando estamos cansados ou entediados, ou quando nossa atenção é assediada por sentimentos intrusos como a ansiedade ou a raiva.
O fluxo é um estado sem estática emocional, a não ser por um sentimento • o altamente motivador, de suave êxtase. Esse êxtase parece ser um produto da concentração de atenção que é um pré-requisito do fluxo. Na verdade a literatura clássica das tradições contemplativas descreve estados de absorção que são sentidos como pura felicidade: fluxo induzido por nada mais que intensa concentração.
Ver alguém em fluxo dá a impressão de que o difícil é fácil: o auge do desempenho parece natural e comum. Essa impressão é paralela ao que se passa no cérebro, onde um paradoxo semelhante se repete: as mais desafiantes tarefas são executadas com um dispêndio mínimo de energia mental. No fluxo, o cérebro se acha num estado "frio", a estimulação e inibição dos circuitos neurais sintonizados com a demanda do momento.
Quando as pessoas se acham empenhadas em atividades que prendem e mantêm sem esforço a sua atenção, seu cérebro "se aquieta", no sentido de que ocorre uma diminuição de estimulação cortical. Essa descoberta é notável, uma vez que o fluxo permite que as pessoas enfrentem as mais desafiantes tarefas num determinado campo, seja jogando contra um mestre de xadrez ou solucionando um complexo problema matemático. A expectativa seria de que essas tarefas desafiantes exigissem mais e Cortical, não menos. Mas uma chave para o fluxo é que ele só ocorre o cume da capacidade, onde as aptidões estão bem ensaiadas e os circuitos neurais mais eficientes.
Uma concentração forçada — uma concentração alimentada por preocupação — produz maior ativação cortical. Mas a zona de fluxo e desempenho ideal parece um oásis de eficiência cortical, com um dispêndio mínimo de energia mental. Isso faz sentido, talvez, em termos da prática na atividade que permite que as pessoas entrem no fluxo: o domínio das etapas de uma tarefa física, como escalar rochedos, ou mental, como a programação de computadores, significa que o cérebro pode ser mais eficiente em sua execução. As etapas bem praticadas ainda exigem menos esforço do cérebro do que as que estão aprendendo, ou as ainda muito difíceis. Do mesmo modo, quando o cérebro trabalha com menos eficiência, devido ao cansaço ou nervosismo, como acontece ao fim de um dia longo, o estressante, há um turvamento da precisão do esforço cortical, com a ativação de demasiadas áreas supérfluas — um estado geral que se sente como estando altamente distraído. O mesmo acontece no tédio. Mas, quando o cérebro atua na eficiência máxima, como no fluxo, há uma relação precisa entre as áreas ativas e as exigências da tarefa. Nesse estado, mesmo o trabalho árduo pode parecer mais renovador e restaurador que esgotante.
(Daniel Goleman –Inteligência Emocional – Ed. Objetiva)

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