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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A Feiticeira

Por Jules Michelet
Todos os povos primitivos tiveram um mesmo princípio; nós o vemos através das Viagens. O homem caça e combate. A mulher imagina, sonha; ela é mãe dos sonhos e dos deuses Ela é vidente em certos dias; ela tem a asa infinita do desejo e do sonho.

Para melhor compreender o tempo, ela observa o céu. Mas a terra não tem menos o seu coração. Seus olhos se baixam para as flores amorosas, ela mesma uma flor, e aprende a conhecê-las intimamente. Como mulher, ela lhes pergunta como curar aqueles que ama.

Singelo e comovedor começo das religiões e das ciências! Depois, tudo se dividirá; ver-se-á o homem especial, charlatão, astrólogo ou profeta, nigromante, sacerdote, médico. Mas a princípio a mulher é tudo.

Uma religião forte e viva, como o foi o paganismo grego começa com a sibila e termina com a feiticeira. A primeira, formosa donzela, o embalou em plena luz do dia e lhe deu encanto e esplendor.

Mais tarde, abatido, enfermo, nas sombras da Idade Média, nas charnecas e nos bosques, ele foi protegido pela feiticeira, que com sua piedade o alimentou, fê-lo viver. As sim, para as religiões, a mulher é mãe, terna protetora e nutriz fiel. Os deuses são como os homens: nascem e morrem em seu seio. (...)

A palavra "feiticeira", faz imaginar as horrorosas velhas de Macbeth. Mas os cruéis processos a que se submeteram ensinam o contrário: muitas morreram precisamente porque eram jovens e belas.

A sibila predizia a sorte; a feiticeira, o fato. E a grande, a verdadeira diferença. Ela evoca, conjura, opera, por assim dizer, o destino. Não é a antiga Cassandra que via tão bem o futuro, o deplorava, o aguardava. A feiticeira acredita nesse futuro.

Mais que Circe, mais que Medéia, ela tem à mão a varinha da virtude natural, e por guia e irmã, a Natureza. Ela já tem as feições do Prometeu moderno. Nela começa a indústria, sobretudo a indústria soberana que cura, que conforta o homem. Ao contrário da sibila, que parecia olhar a aurora, ela olha o poente, mas justamente o poente sombrio oferece, muito antes que a aurora (como acontece nos picos dos Alpes), uma alvorada antecipada do dia.

O sacerdote entrevê bem que o perigo, o inimigo, a rivalidade temível está naquela que ele finge desprezar, está na sacerdotisa da Natureza. Dos deuses antigos, ela concebe os deuses. Ao lado do Satã do passado, pode-se ver despontar nela o Satã do futuro.

O único médico do povo, durante mil anos, foi a feiticeira. Os imperadores, os reis, os papas, os mais ricos barões tinham alguns médicos em Salerno; os mouros, os judeus, mais a massa ie todo o Estado, e pode-se dizer do mundo, não consultavam senão a saga ou sage-femme. Se ela não conseguia curar, era então injuriada, chamavam-na de feiticeira. Mas geralmente, por um respeito mesclado de temor, chamavam-na de "boa mulher" ou "bela mulher" ("bela donna"), o mesmo nome que se dava à fada.

Sucedeu-lhe o que aconteceu à sua planta favorita, a beladona, e aos outros venenos salutares que ela empregava e que foram o antídoto dos grandes males da Idade Média.
O menino, a gente ignorante, maldisse essas sombrias flores sem conhecê-las. Essas flores espantavam com suas cores duvidosas. E, ante elas, ele recuou, se afastou. Foram, não obstante, as consoladoras (solanáceas) que, discretamente administradas, curaram tantas vezes, adormeceram tantos males.

Retirado e adaptado de: A Feiticeira, de Jules Michelet.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Como Escrever uma Tese e Vencer




Esse é um modelo de auto-ajuda para elaboração de projetos para dissertações ou teses visando estudantes, mestrandos e doutorandos em História. É baseado em fatos reais e adaptado por mim do artigo do Historiador José Murilo de Carvalho publicado no jornal "O Globo" de 15/12/99 e  formatado a partir da renomada obra de Carlos Queiroz Teles: "O Manual do Cara-de-Pau".
OPÇÃO UM: A TABELA.
Modo de usar:
Não importa qual é o seu tema, combine no texto as palavras numeradas da esquerda para direita seguindo a ordem numérica das colunas indo e voltando quantas vezes achar necessário para explicitar (ou não) as suas ideias.
Sugestões de José Murilo de Carvalho:
1 - Resgatar o olhar do outro.
2  - Desconstruir, com novo olhar, os discursos negadores do
multiculturalismo.


 OPÇÃO DOIS: O PUZZLE
Modo de usar:
Imprima a imagem acima e escolha os temas de sua preferência recorte-os e combine-os à vontade em sua tese (de preferência use todos).

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Enfim o Sossego...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Escrever de Pé

Esse texto me foi enviado pela querida Professora Elaine Brito e apresenta um bela reflexão sobre o ofício de escritor. 


Por Michel Tournier
(Trad: Marcelo Diniz)
             O visitante carcerário do centro de Cléricourt prevenira-me: “Todos eles fizeram muitas e grandes besteiras: terrorismo, sequestro, assalto.  Mas, nas folgas da oficina de marcenaria, leram alguns de seus livros e, agora, desejariam falar com o senhor.” Investi-me, então, de coragem e tomei a estrada para essa descida ao inferno. Não era a primeira vez que ia à prisão. Como escritor, entenda-se, e para me entreter com esses leitores particularmente aplicados, jovens detentos. Guardara dessas visitas uma impressão rascante insuportável. Lembrava-me, aliás,  de uma esplêndida tarde de junho. Após duas horas de conversa com seres humanos semelhantes a mim, retornei a meu carro dizendo comigo: “E agora, reconduzem-nos às suas celas, e você vai jantar em seu jardim com uma amiga. Por quê?”
            Confiscaram-me os documentos e, em troca, tive direito a uma grande ficha numerada. Passaram-me o detector de metais sobre as vestes. Em seguida, as portas de comando eletrônico abriram-se e se fecharam de novo atrás de mim. Atravessei caldeiras. Percorri corredores que cheiravam a caústica. Subi  escadarias protegidas por telas, “precaução contra as tentativas de suicídio”, explicou-me o guarda.
            Estavam reunidos na capela, alguns, de fato, muito jovens. Sim, haviam lido alguns de meus livros. Ouviram-me na rádio. “Trabalhamos com madeira, disse-me um deles, e queríamos saber como se faz um livro.” Evoquei minhas pesquisas preliminares, minhas viagens, depois, os longos meses de artesanato solitário em minha mesa (manuscrito = escrito à mão). Um livro é feito como qualquer móvel, por ajuste paciente de peças e pedaços. É preciso tempo e cuidado.
            - Sim, mas uma mesa, uma cadeira, sabemos a que essas coisas servem. É útil, um escritor?
            Era inevitável que a questão se impusesse. Disse-lhes que a sociedade é ameaçada pelas forças da ordem e da organização que pesam sobre ela. Todo poder –  político, policial ou administrativo – é conservador. Se nada o equilibra, há de engendrar uma sociedade bloqueada, semelhante a uma colmeia, um formigueiro, um termiteiro. Mais nada haverá do humano, ou seja, do imprevisto, do criativo entre os homens. O escritor tem por função natural acender, com seus livros, esses focos de reflexão, de contestação, de recolocar em questão a ordem estabelecida. Incansavelmente, lança apelos à revolta, evocações à desordem, porque nada há de humano sem criação, mas toda criação ameaça. Por isso é com frequência perseguido e caçado. E citei François Villon, ordinariamente mais na prisão do que fora dela; Germaine de Staël, desafiando o poder napoleônico e se recusando a escrever a única frase de submissão que lhe teria valido um favor do tirano; Victor Hugo, vinte anos exilado em sua ilhota. E Jules Vallès, e Soljenitsyne, e tantos outros.
            - É preciso escrever de pé, jamais de joelhos. É a vida um trabalho que há de ser feito sempre de pé - disse enfim
            Um deles apontou com o queixo a pequena fita vermelha de minha lapela.
            - E isto? Não é submissão?
            A Legião de Honra? Ela recompensa, a meu ver, um cidadão tranquilo, que paga seus impostos e não incomoda seus vizinhos. Meus livros, porém, escapam a toda recompensa, bem como a toda lei. E citei-lhes a fala de Erik Satie. Esse músico obscuro e pobre detestava o glorioso Maurice Ravel, a quem acusava de lhe ter roubado o lugar ao sol. Um dia, Satie soube, com estupor, que se ofereceu a cruz da Legião de Honra a Ravel, o qual a recusou. “Recusa a Legião de Honra, diz ele, mas toda sua obra a aceita.” O que foi    muito injusto. Creio, no entanto, que um artista pode aceitar para si todas as honras, desde que sua obra, ela sim, recuse-as.
            Despedimo-nos. Prometeram escrever-me. Não acreditei. Enganei-me. Fizeram melhor. Três meses depois, uma caminhonete da penitenciária de Cléricourt parava diante de minha casa. Abriram-se as portas traseiras e delas saiu um pesado púlpito de carvalho maciço, um desses altos móveis sobre os quais escreviam outrora tabeliães, mas também Balzac, Victor Hugo, Alexandre Dumas. Chegava tão fresco da oficina que ainda lhe recendiam as lascas e a cera. Uma breve mensagem o acompanhava: “Para escrever de pé. Da parte dos detentos de Cléricourt.
 (in: Le médianoche amoureux. Paris, Galllimard: 1989)




Tori , O Portal Sagrado



O símbolo da religião xintoísta é o portal de madeira, chamada de Tori. Todas as entradas dos santuários possuem este Tori, que consiste de duas colunas ligadas por duas vigas.

As colunas representam os alicerces que sustentam o céu, enquanto as vigas simbolizam a Terra. O Tori é considerado o portão de entrada entre o espírito e a matéria.

O Tori ou Portal representa uma separação do mundo físico do espiritual. É construído tradicionalmente em madeira de lei (Cedro, Momiji, Pinheiro negro, entre outras).

Ele é formado por duas colunas que sustentam o céu e por vigas transversais que representam a terra; é um símbolo de muito poder e fé para os orientais.

No Japão, essas arcadas abertas marcam a entrada para os santuários de Shinto. Elas representam um estado divino de abertura perpétua e simbolizam o ponto no qual um visitante passa do mundo cotidiano para o mundo sagrado.




Retirado e adaptado de:
e “O grande Livro dos símbolos” de Mark O’Connell e Raje Airey, Ed. Livros Escala.


Dica para quem quiser ter uma réplica de um Tori em casa: há um "livro" chamado "O Segredo do Portal" vendido nas grandes livrarias, que na verdade é um quebra-cabeças com 27 peças feitas de madeira, que deve ser montado por encaixe ficando com mais ou menos vinte centímetros de altura. Muito interessante como passatempo e bonito como enfeite.


[ATUALIZAÇÃO 03/07/2011]
Recebi de uma amiga um e-mail com a seguinte imagem:




Seguida da pergunta: De que são feitos esses portais?
A resposta a meu ver é que como esses portais representam para o Xintoismo uma passagem entre o mundo físico e o espiritual, tem uma proteção extra, já que mesmo destruídos pelo lado de cá devem estar firmemente assentados do lado de lá. Como dizia um velho programa de curiosidades: Acredite se quiser.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Palavras de Saramago

José de Sousa Saramago (Azinhaga, Golegã, 16 de Novembro de 1922 — Tías, Lanzarote, 18 de Junho de 2010) foi um escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português.

Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.

Nasceu no distrito de Santarém, na província geográfica do Ribatejo, no dia 16 de Novembro, embora o registo oficial apresente o dia 18 como o do seu nascimento. Saramago, conhecido pelo seu ateísmo e iberismo, foi membro do Partido Comunista Português e foi diretor-adjunto do Diário de Notícias. Juntamente com Luiz Francisco Rebello, Armindo Magalhães, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues foi, em 1992, um dos fundadores da Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC). Casado, em segundas núpcias, com a espanhola Pilar del Río, Saramago viveu na ilha espanhola de Lanzarote, nas Ilhas Canárias.

***

"Escrever é traduzir. Mesmo quando estivermos a utilizar a nossa própria língua. Transportamos o que vemos e o que sentimos, para um código convencional de signos - a escrita - e deixamos às circunstâncias e aos acasos da comunicação a responsabilidade de fazer chegar à inteligência do leitor, não tanto a integridade da experiência que nos propusemos transmitir, mas uma sombra, ao menos, do que no fundo do nosso espírito sabemos bem ser intraduzível, por exemplo... a emoção pura de um encontro, o deslumbramento de uma descoberta, esse instante fugaz de silêncio anterior à palavra que vai ficar na memória como o rastro de um sonho, que o tempo não apagará por completo."

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"Muito universo, muito espaço sideral, mas o mundo é mesmo uma aldeia."

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"A expressão vocabular humana não sabe ainda e provavelmente não o saberá nunca, conhecer, reconhecer e comunicar tudo quanto é humanamente experimentável e sensível."

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"Penso que estamos cegos, cegos que veem, cegos que vendo não veem."

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"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

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"Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir."

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"Acho que na sociedade atual nos falta filosofia. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte alguma. Falamos muito ao longo destes últimos anos dos direitos humanos; simplesmente deixamos de falar de uma coisa muito simples, que são os deveres humanos, que são sempre deveres em relação aos outros sobretudo. E é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo ao outro que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional." 

***

"O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas covardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental, que consiste em estar no mundo e não ver o mundo ou só ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir aos nossos interesses.
Temos que acreditar em alguma coisa, e sobretudo, temos que ter um sentimento de responsabilidade coletiva, segundo o qual cada um de nós será responsável por todos os outros. A prioridade absoluta tem que ser o ser humano. Acima dessa, não reconheço nenhuma outra prioridade. Estou convencido de que  é preciso continuar a dizer não, mesmo que se trate de uma voz pregando no deserto."

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"Nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe."

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 "A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver."

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"Fugir da morte pode tornar-se um modo de fugir da vida."

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"O homem é o único animal capaz de chorar. E de sorrir.
É diante do mar que o riso e a lágrima assumem uma importância absoluta. Dir-se-á que mais profundamente assumiriam diante do universo, mas esse, digo eu, está demasiado longe, fora do alcance duma compreensão comum. O mar é o universo perto de nós."   

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"A vida é como uma vela que vai ardendo... quando chega ao fim, lança uma chama mais forte antes de se extinguir."

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"O espirito não vai a lado nenhum sem as pernas do corpo, e o corpo não seria capaz de mover-se se lhe faltassem as asas do espírito."

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"Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne e sangra todo dia."

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"Tentei não fazer nada na vida que envergonhasse a criança que fui."

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"Há ocasiões que é mil vezes preferível fazer de menos que fazer de mais, entrega-se o assunto ao governamento da sensibilidade, ela, melhor que a inteligência racional, saberá proceder segundo o que mais convenha à perfeição dos instantes seguintes." (José Saramago)

Retirado de:
e

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Habanera

A habanera, ou havaneira em algumas traduções para o português, é um estilo musical criado em Havana, (Cuba). A habanera, cujo nome deriva da cidade de onde é oriunda (La Habana, em espanhol), foi a primeira música genuinamente afro-latino-americana, que foi levada de Cuba para salões europeus por volta do século XVII.

Foi sofrendo alterações em sua estrutura básica devido aos arranjos que lhe deram os músicos da Europa e assim, alterada, voltou às Américas através dos imigrantes portugueses e espanhóis.

É uma música de compasso binário, com o primeiro tempo fortemente acentuado, com uma curta introdução seguida de duas partes de oito compassos cada uma, com modulação do tom crescente

Da habanera derivam diversos ritmos como o maxixe brasileiro e o tango argentino. Também deu origem ao vanerão dos gaúchos. É uma dança que foi também, algumas vezes, aproveitada no repertório erudito, sendo o exemplo mais famoso a habanera da ópera Carmen, de Georges Bizet.

Carmen é uma ópera em quatro atos do compositor francês Georges Bizet, com libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy, baseada na novela homônima de Prosper Mérimée. Estreou em 1875, no Ópera-Comique de Paris. A composição de Carmen teve a influência de Giuseppe Verdi, usando uma mezzo-soprano como personagem principal, a cigana Carmen.

Num dos trechos mais conhecidos ainda no primeiro ato da ópera, Carmen, uma bela cigana que seduz todos os homens que encontra à sua passagem canta uma habanera aos presentes no pátio de uma fábrica de tabaco situada numa praça de Sevilha. Todos manifestam a sua admiração por ela, à exceção de um indiferente cabo Don José, que é, precisamente, o objeto do seu desejo.

Abaixo segue a letra traduzida, seguida por uma performance de minha irmã Dinair Fonte em uma apresentação realizada no dia 22/01/2008 no Centro Cultural do Banco do Brasil - RJ com a Acariocamerata e o Coro do Centro de Ópera Popular de Acari:

HABANERA
L'amour est un oiseau rebelle                O amor é um pássaro rebelde
Que nul ne peut apprivoiser,                 Que ninguém pode prender,
Et c'est bien en vain qu'on l'appelle,      Não adianta chamá-lo
S'il lui convient de refuser.                    Pois só vem quando quer.
Rien n'y fait, menace ou prière,             Não adiantam ameaças ou súplicas,
L'un parle bien, l'autre se tait;               Um fala bem, o outro cala-se
Et c'est l'autre que je prefere                É o outro que prefiro,
Il n'a rien dit; mais il me plaît.               Não disse nada, mas agrada-me.

L'amour! L'amour! L'amour! L'amour! O amor, o amor, o amor, o amor...

L'amour est enfant de Bohême,            O amor é filho da boêmia,
Il n'a jamais, jamais connu de loi,         Que nunca, nunca conheceu qualquer lei;
Si tu ne m'aime pas, je t'aime,              Se não me amares, eu te amarei;
Si je t'aime, prend garde à toi!             Se eu te amar, toma cuidado!
Si tu ne m'aime pas,                            Se não me amares,
Si tu ne m'aime pas, je t'aime!             Se não me amares, eu te amarei!
Mais, si je t'aime,                                Mas, se eu te amar,
Si je t'aime, prend garde à toi!            Se eu te amar, toma cuidado!

L'oiseau que tu croyais surprendre     O pássaro que julgavas surpreender
Battit de l'aile et s'envola;                   Bateu asas e voou
L'amour est loin, tu peux l'attendre;   O amor está longe, podes esperá-lo
Tu ne l'attend plus, il est là!               Já não o esperas, aí está ele,
Tout autour de toi vite, vite,              À tua volta, depressa, depressa,
Il vient, s'en va, puis il revient!          Ele vem, ele vai, depois volta,
Tu crois le tenir, il t'évite;                  Julgas tê-lo apanhado, ele te escapa;
Tu crois l'éviter, il te tient!                Julgas que te fugiu, ele agarra-te.

L'amour! L'amour! L'amour! L'amour! O amor, o amor, o amor, o amor...

L'amour est enfant de Bohême,            O amor é filho da boêmia,
Il n'a jamais, jamais connu de loi,         Que nunca, nunca conheceu qualquer lei;
Si tu ne m'aime pas, je t'aime,              Se não me amares, eu te amarei;
Si je t'aime, prend garde à toi!             Se eu te amar, toma cuidado!
Si tu ne m'aime pas,                             Se não me amares,
Si tu ne m'aime pas, je t'aime!              Se não me amares, eu te amarei!
Mais, si je t'aime,                                Mas, se eu te amar,
Si je t'aime, prend garde à toi!             Se eu te amar, toma cuidado!




sábado, 19 de fevereiro de 2011

Rotas Sagradas do Catolicismo

No primeiro milênio do Cristianismo, três rotas foram consideradas sagradas, e que resultavam numa série de bênçãos e indulgências para quem percorresse qualquer uma delas.

A primeira rota levava até o túmulo de São Pedro, em Roma, seus caminhantes tinham por símbolo uma cruz e eram chamados de romeiros. Ela percorria a chamada “Via Francigena”, uma importante estrada medieval de 1.700 km. Essa rota de peregrinação à Roma iniciava-se em Canterbury (Inglaterra) e levava o peregrino até o túmulo de São Pedro no Vaticano. Ela atravessa a França (de onde surge o seu nome de Francigena ou caminho dos Francos), a Suíça e entrava na Itália através do Passo do Grande São Bernardo.

A Via Francigena foi a mais importante rota de peregrinação à Roma durante a Idade Média. O primeiro relato histórico foi escrito pelo arcebispo de Canterbury, Sigerico o Sério, que em 990 d.C efetuou a peregrinação à Roma para receber o título das mãos do Papa João XV. No relato, ele descreve as 79 etapas da viagem.

Posteriormente a Via Francigena caiu no esquecimento. Atualmente voltou a ser um roteiro atraente para peregrinos e viajantes. No total, o percurso é de aproximadamente 1.600 quilômetros. Ao percorrer 20 quilômetros por dia à pé, o peregrino necessita 80 dias para ir de Canterbury até Roma.

A segunda rota levava até o Santo Sepulcro de Cristo, em Jerusalém, e os que faziam este caminho eram chamados de palmeiros porque tinham como símbolo as palmas com que Cristo foi saudado quando entrou na cidade. Os caminhos dessa rota partiam, principalmente, da Alemanha, Espanha, França e Inglaterra; cruzando esses países, seguiam depois por terra ou por mar rumo a Jerusalém na Palestina.

A partir do século IV as peregrinações a Terra Santa ficaram cada vez mais populares. As peregrinações a Jerusalém cresceram muito e passaram a ser aplicadas como uma forma de penitência adequada para certos pecados. Isto foi visto em documentos do século VII entre as penitências que eram aplicadas a um pecador. Entre todos os lugares de peregrinação a Terra Santa era o mais buscado pelos cristãos em face de sua importância histórica.

Os peregrinos encontravam muitas dificuldades para chegar até Jerusalém. Nos mares havia insegurança em face da pirataria, deste modo a rota mais comum dos peregrinos do Ocidente os levava até Constantinopola e daí por terra, através de Anatólia e da Síria, chegavam a Terra Santa. A reforma do século XI deu grande importância as peregrinações, que nesta época ficaram muito mais fáceis e comuns porque a pirataria tinha sido quase que totalmente extinta do Mediterrâneo. Algum tempo depois estas viagens passaram a ser confusas e perigosas

Finalmente, existia um terceiro caminho – um caminho que levava até os restos mortais do apóstolo São Tiago, enterrados num local da península ibérica onde certa noite um pastor havia visto uma brilhante estrela sobre um campo.

A lenda conta que não apenas São Tiago, mas a própria Virgem Maria, estiveram por ali logo após a morte de Cristo, levando a palavra do Evangelho e exortando os povos a se converterem.

O local ficou sendo conhecido como Compostela – o campo da estrela – e logo surgiu uma cidade que iria atrair viajantes de todo o resto do mundo cristão. A estes viajantes que percorriam a terceira rota sagrada foi dado o nome de peregrinos, e passaram a ter como símbolo uma concha.

O Caminho de Santiago de Compostela, considerado uma das principais rotas sagradas dos cristãos, percorre toda a Península Ibérica, de leste a oeste. Atualmente, o percurso atrai uma média de 150 mil peregrinos por ano.

O mais tradicional de seus quatro itinerários principais é o chamado caminho francês, que começa nos Pirineus, em San Juan Pied-de-Port. Roncesvalles, em território espanhol, é outro ponto de partida muito usado.

Após atravessar o País Basco, Cantábria e Astúrias, o peregrino chega à Galícia, no extremo oeste, onde os católicos acreditam estar o túmulo do apóstolo Tiago. O hábito de peregrinar pelos seus quase 800 km vem do século 11, movido pela promessa de bênçãos e indulgências a quem cumprisse todo o percurso.

Conta a lenda que, após a dispersão dos apóstolos pelo mundo, são Tiago esteve na Galícia. Ao voltar à Palestina, foi preso. Herodes Agripa, rei da Judéia, mandou então cortar-lhe a cabeça. Seu corpo teria sido jogado para fora dos muros de Jerusalém.

Os restos mortais, de acordo com uma antiga tradição, teriam sido levados por seus seguidores para um barco que, guiado pela mão divina, foi parar nas costas galegas, onde foram sepultados.

Em 813, o bispo Teodomiro, de Iria, na Galícia, encontrou em San Fiz uma tumba de mármore no meio do mato. O local havia sido indicado por um ermitão após observar uma chuva de estrelas sempre sobre um mesmo ponto.
Daí veio o nome Compostela, do latim ""campus stellae", que significa campo das estrelas. Passou-se a acreditar que se tratava do túmulo de são Tiago. Segundo a lenda, não apenas Tiago, mas a própria Virgem Maria esteve em Compostela para divulgar o Evangelho.

Essas notícias se espalharam pelo mundo, levando as pessoas a se deslocarem a Santiago para conhecer o sepulcro, que se transformaria mais tarde numa igreja.
Originou-se assim o Caminho de Santiago, que viveu seu auge nos séculos 12 e 13, quando reis espanhóis chegaram a criar uma ordem de cavalaria para proteger a cidade e as trilhas.

No Brasil também existe uma rota criada com a chancela da Igreja Católica, ligando dois centros de romaria de São Paulo que foi batizada de “Caminho da Fé”. É uma trilha de peregrinação, com aproximadamente 400 km de extensão, inaugurada em 11/02/2003, que vai de Tambaú, no interior de São Paulo, até Aparecida do Norte, no Vale do Paraíba/SP, atravessando a Serra da Mantiqueira, pelo sul de Minas Gerais.

Inspirado no famoso Caminho de Santiago de Compostela, da Espanha, narrado pelo escritor Paulo Coelho em “O Diário de um Mago”, o caminho brasileiro foi idealizado por um grupo de Águas da Prata, liderado pelo presidente da Associação Comercial da cidade, Almiro José Grings, que percorreu a trilha européia por duas vezes.

A versão brasileira do Caminho de Santiago, com um total de 415 quilômetros de extensão, atravessa o sul de Minas Gerais e o itinerário promove o encontro imaginário do Padre Donizetti Tavares de Lima (morto em 1961 e em processo de beatificação no Vaticano), de Tambaú, chamado de "caipira milagroso" por conta de curas de doentes a ele atribuídas enquanto ainda vivo, com a sua santa de devoção, Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida, cidade do Vale do Paraíba onde se localiza o maior santuário do Brasil.

Como na Espanha, os peregrinos recebem um passaporte na partida, oficializado pela igreja com o nome de mariana -em Santiago chama-se compostelana-, a ser carimbado em cada pousada. Ao final, quem tiver os 24 carimbos do percurso, recebe o certificado de peregrino no Santuário Nacional de Aparecida. o caminho foi desenhado entre trilhas de romaria já existentes e outras de trekking.

O Caminho brasileiro passa por 19 municípios e 4 distritos, através de estradas vicinais de terra, trilhas, bosques, pastagens e asfalto, e foi criado para dar estrutura e suporte às pessoas que sempre fizeram peregrinação ao Santuário Nacional de Aparecida, oferecendo-lhes os imprescindíveis pontos de apoio. São necessários aproximadamente 16 dias, fazendo uma média de 25 quilômetros por dia, para percorrer todo o Caminho.

Os pontos de início são as cidades de São Carlos - SP (no ramal oeste), Mococa - SP (no ramal norte) e Cravinhos - SP (no ramal noroeste). Os ramais oeste e noroeste se unem próximo ao distrito de São Roque da Fartura, município de Águas da Prata – SP, e seguem juntos até Aparecida - SP e o ramal noroeste se une ao Caminho na altura de Tambaú.

Como na Espanha, todo o percurso do caminho está marcado com setas amarelas e/ou placas informativas. As setas guiam os peregrinos entre as cidades e dentro delas, seguindo até a porta das pousadas que são credenciadas e comprometidas com o projeto do Caminho da Fé. Várias delas oferecem descontos aos peregrinos (não é obrigatório hospedar-se nessas pousadas).

Existem Outros dois projetos de trilhas de peregrinação apoiados pela Igreja, mas que não receberam apoio. Um dos projetos refaz o itinerário de 105 km que era percorrido pelo padre Anchieta no Espírito Santo, entre a ilha de Vitória e a cidade de Reritiba (atual Anchieta). Uma outra ramificação seria a trilha que vai de Santana do Parnaíba a Águas de São Pedro, batizada de Caminho do Sol, com 209 km, passando por 13 cidades. (MS)


Retirado de:

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Inteligência Emocional

”A tendência social geral em países modernos é para uma autonomia cada vez maior do indivíduo, o que por sua vez traz mais competitividade — às vezes brutal, como acontece nas universidades e locais de trabalho — e menos solidariedade, que então trazem maior isolamento, com uma deterioração na integração social. Essa lenta desintegração da comunidade e esse aumento de implacável auto-afirmação chegam numa hora em que pressões econômicas e sociais exigem mais, e não menos, cooperação e envolvimento. Junto com essa atmosfera de início de mal-estar social, há sinais de um crescente mal-estar emocional, sobretudo entre as crianças. Uma das origens disso talvez seja que a infância está mudando. Pais que enfrentam uma nova realidade na paternidade — mais tensos e pressionados pela economia e o ritmo mais frenético da vida do que acontecia com seus próprios pais — precisam de mais orientação para ajudar seus filhos a dominar as aptidões humanas essenciais mestras.”
(Daniel Goleman no Prefácio para a edição brasileira)

Por Susana Moita
Segundo Daniel Goleman em seu livro “Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente”, ter Inteligência Emocional é:

1. Ter autocontrole;
2. Ter zelo e persistência;
3. Ter capacidade de automotivação;
4. Coordenar eficazmente seus esforços no trabalho em equipe;
5. Liderar na formação de consenso;
6. Promover cooperatividade, evitando conflitos;
7. Tomar iniciativa;
8.  Ter empatia, ou seja, ter capacidade de ver as coisas da perspectiva de outrem.


Para Daniel Goleman, as emoções andam juntamente com a razão. Desta forma, nosso desempenho na sociedade depende tanto do nosso emocional quanto do nosso racional.

A Inteligência Emocional é baseada na nossa autoconsciência e no nosso autocontrole emocional.

A autoconsciência é a nossa capacidade de afastar pela racionalidade nossas emoções negativas. Já o autocontrole é a nossa capacidade de manter pela racionalidade o equilíbrio de nossas emoções.

O autor dá algumas dicas de alcançar o autocontrole da raiva, da ansiedade e da melancolia.

Para ele, podemos controlar a raiva por intermédio do isolamento ou da prática de algum entretenimento e podemos controlar a ansiedade, doença de nosso século, por meio dos seguintes passos:

1. Autoconsciência;
2. Relaxamento; e
3. Contestação dos pensamentos preocupantes.

Já para controlar a melancolia devemos recorrer a atividades com amigos, elevar a auto-imagem, cumprir algum dever, fazer filantropia, participar de alguma religião ou comparar-se com alguém que esteja em pior situação que você.

Pessoas com Inteligência Emocional se destacam em nossa atualidade, pois estamos cercados por pessoas com doenças emocionais geradas pelas cobranças de uma sociedade capitalista e consumista, onde o ponto ótimo nunca poderá ser alcançado. Nunca está bom o suficiente.

É intrínseca ao líder a Inteligência Emocional. Portanto, se você constatou que você tem Inteligência Emocional, será que você tem o perfil de um líder?

Uma das características do líder é a facilidade na comunicação interpessoal. Assim, um líder deve manter um relacionamento saudável com seus liderados, tendo como prioridade a capacidade de ouvir.

Por meio deste relacionamento que o líder não domina, mas convence as pessoas a trabalharem em vista de um objetivo comum, mexendo com suas emoções ao utilizar a racionalidade.

Um líder deve saber criticar de forma a manter um relacionamento saudável com seus liderados.

As críticas deverão ser feitas pessoalmente e ter como alvo os fatos, não as pessoas, além de estarem sempre acompanhadas de sugestões.

Como todo ser humano, um líder também recebe críticas, mas ele não cai na defensiva, ele assume suas responsabilidades.

As coisas fluem mais suavemente para os líderes, pois eles investem tempo no cultivo de bons relacionamentos com pessoas cujos serviços podem ser necessários numa emergência, como parte de uma instantânea equipe improvisada para resolver um problema ou lidar com uma crise, formando redes de comunicação, conhecimento e confiança.

O perfil de líder não está só nos genes, mas no ambiente em que vivemos. Portanto, nossas aptidões emocionais não são um fato determinado, mas podem ser aperfeiçoadas com o aprendizado certo.

Um líder soluciona seus problemas seguindo o seguinte modelo:

1. Diz qual é a situação e como o faz sentir;
2. Pensa nas suas opções para solucionar o problema;
3. Pensa quais podem ser suas consequências;
4. Escolhe uma solução e a executa.

Denise Paraná em “Lições de resiliência: burro sem rabo, porém feliz” acrescenta a resiliência como outra característica da Inteligência Emocional, ou do líder como seu possuidor.

A resiliência é a capacidade de superação das adversidades da vida, transformando dor e sofrimento em força e adaptabilidade.

Mesmo que não tenhamos todas estas características emocionais e, consequentemente, racionais, podemos buscar o aperfeiçoamento com um contínuo aprendizado e autotreinamento.


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O Fluxo: Arte, Ciência e Sincronicidade?

Um compositor descreve os momentos em que sua arte atinge o ponto mais alto:
Nós mesmos estamos a tal ponto em estado extático que nos sentimos como se quase não existíssemos. Senti isso repetidas vezes. Minha mão parece livre de mim, e nada tenho a ver com o que se passa. Simplesmente fico ali observando, em estado de respeito e maravilha. E a coisa simplesmente flui por si mesma.
Sua descrição é notadamente semelhante à de centenas de homens e mulheres diversos — alpinistas, campeões de xadrez, médicos, jogadores de basquete, engenheiros, gerentes, até mesmo arquivistas — quando falam de um momento em que se superaram em alguma atividade predileta. O estado que descrevem é chamado de "fluxo" por Mihaly Csikszentmihalyi, o psicólogo da Universidade de Chicago que recolheu essas histórias de desempenho máximo em duas décadas de pesquisa. Os atletas conhecem esse estado de graça como "a zona", onde a excelência vem fácil, a multidão e os competidores desaparecendo numa feliz e constante absorção do momento. Diane Roffe-Steinrotter, que ganhou uma medalha de ouro em esqui nas Olimpíadas de Inverno de 1994, disse depois da corrida que só se lembrava de que estava mergulhada em relaxamento:
— Eu me sentia como uma cachoeira.
A capacidade de entrar em fluxo é inteligência emocional no ponto mais alto; o fluxo representa, talvez, a última palavra na canalização das emoções a serviço do desempenho e aprendizado. No fluxo, as emoções são não apenas contidas e dirigidas, mas positivas, energizadas e alinhadas com a tarefa imediata. Ver-se colhido no ennui da depressão ou na agitação da ansiedade é ser barrado do fluxo. Contudo, o fluxo (ou um mais brando microfluxo) é uma experiência pela qual quase todo mundo passa às vezes, sobretudo quando no máximo do desempenho ou indo além dos limites anteriores. Talvez seja mais pelo ato de amor extático, a fusão de dois num um fluidamente harmônico.
Essa experiência é gloriosa: o sinal característico do fluido é uma s alegria espontânea e mesmo êxtase. Por ser tão bom, é intrinsecamente compensador. É um estado em que as pessoas ficam absolutamente absorvidas no que estão fazendo, dando indivisa atenção à tarefa, a consciência fundida com os atos. Na verdade, interrompe o fluxo pensar demais no que está acontecendo — até a ideia "Estou fazendo isso maravilhosamente" pode quebrar a sensação de fluxo. A atenção fica tão concentrada que as pessoas só tem consciência da estreita gama de percepção relacionada com a tarefa imediata perdendo a noção de tempo e espaço. Um cirurgião, por exemplo, lembrava uma operação desafiante durante a qual entrou em fluxo; quando a concluiu notou alguns detritos no chão da sala de operação e perguntou o que acontece Ficou espantado ao saber que, enquanto estava tão concentrado na cirurgia, parte do teto desabara — não havia notado nada.
O fluxo é um estado de auto-esquecimento, o oposto da ruminação e preocupação: em vez de perder-se em cuidados nervosos, as pessoas em fluxo tanto se absorvem na tarefa imediata que perdem toda a autoconsciência, deixando as pequenas preocupações — saúde, contas, até mesmo o bem-estar — da vida diária. Nesse sentido, os momentos de fluxo são abnegados. Paradoxalmente, as pessoas em fluxo exibem um controle absoluto do que estão fazendo, as reações perfeitamente sintonizadas com as cambiantes exigências da tarefa. E embora atuem no ponto mais alto quando em fluxo, não se preocupam com como estão se saindo, com ideias de sucesso ou fracasso — o que as motiva é o puro prazer do ato em si.
Há várias maneiras de entrar em fluxo. Uma delas é concentrar intencionalmente uma aguda atenção no que se está fazendo; a essência do fluxo e um estado de alta concentração. Parece haver um círculo de feedback na entra dessa zona: pode exigir considerável esforço acalmar-se e concentrar-se suficiente para iniciar a tarefa — esse primeiro passo exige uma certa disciplina Mas, assim que a concentração começa a fixar-se, assume uma força própria que ao mesmo tempo proporciona alívio da turbulência emocional e torna ta tarefa.
A entrada nessa zona pode ocorrer também quando as pessoas encontram uma tarefa em que são hábeis e a executam num nível que pouco exige capacidade. Como me disse Csikszentmihalyi: — As pessoas parecem concentrar-se melhor quando o que lhes é exige um pouco mais que o habitual, e elas podem dar mais que o habitua. Se as exigências são poucas demais, elas se entediam. Se tiverem de lidar com coisas demais ficam ansiosas. O fluxo ocorre naquela zona delicada entre o tédio e a ansiedade.
O prazer, a graça e a eficácia espontâneos que caracterizam o fluxo são incompatíveis com sequestros emocionais, em que os surtos límbicos se apoderam do resto do cérebro. A qualidade da atenção no fluxo é relaxada mas centrada. É uma concentração muito diferente do esforço para prestar atenção quando estamos cansados ou entediados, ou quando nossa atenção é assediada por sentimentos intrusos como a ansiedade ou a raiva.
O fluxo é um estado sem estática emocional, a não ser por um sentimento • o altamente motivador, de suave êxtase. Esse êxtase parece ser um produto da concentração de atenção que é um pré-requisito do fluxo. Na verdade a literatura clássica das tradições contemplativas descreve estados de absorção que são sentidos como pura felicidade: fluxo induzido por nada mais que intensa concentração.
Ver alguém em fluxo dá a impressão de que o difícil é fácil: o auge do desempenho parece natural e comum. Essa impressão é paralela ao que se passa no cérebro, onde um paradoxo semelhante se repete: as mais desafiantes tarefas são executadas com um dispêndio mínimo de energia mental. No fluxo, o cérebro se acha num estado "frio", a estimulação e inibição dos circuitos neurais sintonizados com a demanda do momento.
Quando as pessoas se acham empenhadas em atividades que prendem e mantêm sem esforço a sua atenção, seu cérebro "se aquieta", no sentido de que ocorre uma diminuição de estimulação cortical. Essa descoberta é notável, uma vez que o fluxo permite que as pessoas enfrentem as mais desafiantes tarefas num determinado campo, seja jogando contra um mestre de xadrez ou solucionando um complexo problema matemático. A expectativa seria de que essas tarefas desafiantes exigissem mais e Cortical, não menos. Mas uma chave para o fluxo é que ele só ocorre o cume da capacidade, onde as aptidões estão bem ensaiadas e os circuitos neurais mais eficientes.
Uma concentração forçada — uma concentração alimentada por preocupação — produz maior ativação cortical. Mas a zona de fluxo e desempenho ideal parece um oásis de eficiência cortical, com um dispêndio mínimo de energia mental. Isso faz sentido, talvez, em termos da prática na atividade que permite que as pessoas entrem no fluxo: o domínio das etapas de uma tarefa física, como escalar rochedos, ou mental, como a programação de computadores, significa que o cérebro pode ser mais eficiente em sua execução. As etapas bem praticadas ainda exigem menos esforço do cérebro do que as que estão aprendendo, ou as ainda muito difíceis. Do mesmo modo, quando o cérebro trabalha com menos eficiência, devido ao cansaço ou nervosismo, como acontece ao fim de um dia longo, o estressante, há um turvamento da precisão do esforço cortical, com a ativação de demasiadas áreas supérfluas — um estado geral que se sente como estando altamente distraído. O mesmo acontece no tédio. Mas, quando o cérebro atua na eficiência máxima, como no fluxo, há uma relação precisa entre as áreas ativas e as exigências da tarefa. Nesse estado, mesmo o trabalho árduo pode parecer mais renovador e restaurador que esgotante.
(Daniel Goleman –Inteligência Emocional – Ed. Objetiva)