Por Marcelo Rocha
O
livro Arte de furtar foi concluído em 1656. Atribuído ao Padre Antônio Vieira
(mais tarde essa autoria seria contestada), o documento era endereçado ao rei
de Portugal, Dom João IV, um dos primeiros representantes da Casa de Bragança.
Com o intuito de alertá-lo sobre os malfeitos de seus súditos no além-mar, a
obra lista as diversas maneiras encontradas pelos representantes da coroa
portuguesa para desviar dinheiro público na colônia. Uma breve passeada pelos
títulos de alguns de seus 70 capítulos mostra como a “arte” já se manifestava e
se aperfeiçoava no Brasil do século XVII: “Dos que furtam com unhas
invisíveis”, “Dos que furtam com unhas toleradas”, “Dos que furtam com unhas
vagarosas”, “Dos que furtam com unhas alugadas”, “Dos que furtam com unhas
pacíficas” e até “Dos que furtam com unhas amorosas” são alguns deles.
Uma
edição de 1926 do livro Arte de furtar, obra finalizada em 1652 para alertar o
rei de Portugal sobre os malfeitos de seus súditos no Brasil Colônia. O
livro Arte de furtar é uma amostra de como a discussão sobre a corrupção é antiga
no Brasil – e a leitura diária dos jornais atesta que o assunto continua
presente. Na semana passada, O Globo publicou que o Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas, o DNOCS, teve um prejuízo de R$ 312 milhões em
contratações irregulares e gestão de pessoal. No dia seguinte, a presidente
Dilma Rousseff – que popularizou a expressão “malfeito” durante um encontro com
Barack Obama, dizendo que não os toleraria em seu governo – teve de mostrar
mais uma vez que dizia a verdade. A partir da reportagem, ela decidiu, em mais
um lance de sua bem-vinda “limpeza”, negociar com o PMDB para retirar Elias
Fernandes Neto, diretor do DNOCS, da direção do órgão. Na quinta-feira, ele
saiu.
Não
existe sociedade cuja população seja mais ou menos propensa ao roubo. Uma
pesquisa científica feita anos atrás mostrou que, diante de uma situação de
dilema ético, cerca de 10% das pessoas agem de acordo com rígidos princípios
morais, outros 10% agem de forma a tirar o máximo de vantagem, mas a maioria
absoluta, cerca de 80%, se pauta principalmente pela possibilidade de ser apanhada.
Esse resultado se repete de forma praticamente idêntica em diferentes nações.
Portanto, o que faz diferença no nível de corrupção de cada sociedade não é a
ideologia, a religiosidade ou a classe social de origem de seus dirigentes, mas
as formas com que suas instituições vigiam e punem os responsáveis.
Quem
estuda o tema corrupção sem recalque moralista ou interesse partidário costuma
dizer que é impossível medir com precisão o tamanho da roubalheira em cada
cidade, Estado ou nação. O que alguns rankings internacionais costumam mostrar
nada mais é que a percepção da corrupção, uma ideia tão imprecisa quanto a
percepção do medo, da saudade ou do amor. Quem rouba não deixa recibo. Tudo o
que se conhece, portanto, não é o que foi efetivamente roubado, mas apenas a
fração correspondente ao que foi denunciado, flagrado ou investigado.
Técnicos
do governo encarregados do combate à corrupção dizem que, nos últimos anos, os
mecanismos de controle avançaram, as investigações se tornaram mais
profissionais e os órgãos de fiscalização trabalham mais em parceria. No ano
passado, a Controladoria-Geral da União (CGU) apurou desvios que chegam a R$
1,8 bilhão. A soma é resultado de investigações que envolveram licitações
fraudadas, cobranças indevidas de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS)
e verbas que seriam empregadas em atividades esportivas para crianças carentes.
Desde 2002, quando a CGU passou a consolidar os números, os desvios somam R$
7,7 bilhões. Esses valores representam o montante que deve ser cobrado dos
responsáveis por essas irregularidades, mas, sabidamente, está longe de ser o
montante que foi roubado no Brasil.
Se
é muito difícil medir com exatidão quanto se rouba, bem menos complicado é
saber como se rouba, como já havia reparado o autor do livro de três séculos
atrás. Furtar, de fato, é uma arte. Não no sentido de ser algo louvável, mas no
sentido de envolver uma multiplicidade de técnicas. O roubo clássico é o desvio
de dinheiro de obras públicas, com fraudes em licitações e superfaturamento de
preços. Em tempos recentes, a “arte” se sofisticou, envolvendo operações mais
imateriais, como cursos e consultorias – serviços mais difíceis de quantificar
em termos monetários. Na reportagem que se segue, ÉPOCA listou sete das
modalidades de desvio mais comuns no Brasil atual, exemplificando cada uma com
casos recentes denunciados pela imprensa.
No
ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu recuperar R$ 330
milhões para os cofres públicos em ações que tramitam na Justiça que envolvem,
entre outros, casos de corrupção contra a administração pública. Só em 2011, a
AGU entrou com ações que pedem a devolução de R$ 2,3 bilhões. É uma luta que
vale a pena. Ao ler sobre corrupção praticamente todos os dias na imprensa, é
comum que o cidadão muitas vezes se sinta perdido, confuso, desorientado. O
guia a seguir visa mostrar que, de maneira geral, a corrupção não é algo tão
complexo e rocambolesco como muitas vezes pode parecer. Como uma carta
endereçada ao cidadão brasileiro, da mesma forma que Arte de furtar se dirigia
ao rei Dom João IV, o objetivo singelo desse levantamento é mostrar como se
rouba no Brasil atual. Sempre tendo em vista que, entre estes cidadãos, está a
presidente Dilma Rousseff, tão preocupada com os “malfeitos”.
Retirado
de:
0 comentários:
Postar um comentário