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terça-feira, 12 de outubro de 2010

O Modo de Viver Taoista I

Por John Blofeld
Um iniciado no Taoísmo é alguém que consegue assemelhar-se aos Três Amigos do Inverno. Como o pinheiro, ele pode esperar conseguir uma longevidade notável. Como a ameixeira do inverno, cujas pétalas carmesins cintilam ao contato com a neve, ele floresce na adversidade, serenamente inabalável em meio ao frio e à melancolia do inverno Como o bambu, ele é tão forte, e não obstante tão flexível, que se curva facilmente para adaptar-se aos ventos predominantes das circunstâncias e, longe de ser quebrado por eles; volta para trás novamente com uma elasticidade incomparável. Dessas três qualidades, a última é de suprema importância; é esta que ele deve almejar, pois as outras virão por si próprias.

Ser tenso, rígido, severo, inadaptável, rigoroso na conduta e na crença, intolerante, sem humor; ofender-se facilmente, incomodar-se, abater-se, preocupar-se, queixar-se, ser completamente subjugado pela adversidade — tudo isso se constitui na própria antítese das qualidades taoistas. As pessoas que se orgulham em poder ir contra a corrente, remar contra a maré, nunca serão bons taoistas, a menos que mudem de atitude.

Um taoista conserva a sua. energia, conformando-se e adaptando-se a cada situação. Ele pode ser Tão forte quanto a correnteza de uma queda d'água, mas isso não o faz lutar inutilmente contra obstáculos insuperáveis ou que podem ser facilmente contornados.

Como não da qualquer importância ao que as pessoas possam pensar, não se orgulha do heroísmo pelo heroísmo e, portanto, procura sempre pelo caminho mais fácil. Isso não quer dizer que ele goste de abandonar os objetivos, mas somente que não tentará o impossível nem gastará mais energia do que a estritamente necessária para atingir o possível. De modo algum preguiçoso, ele conserva os seus poderes para tirar o máximo proveito deles.

Um taoista não almeja a notoriedade ou a estima popular. Embora goste de ser útil quando solicitado, fará o que deve ser feito com o mínimo de estardalhaço e se retirará da atenção pública na primeira oportunidade possível, contente pelo fato de outros receberem o crédito. Ele e o eterno nômade que tranquilamente aceita as coisas como elas vem, usando de energia quando necessário, mas nada tenso na intimidade.

Quando as coisas vão bem, ele as usufrui integralmente, como o faria alguém, numa floresta, encantado com uma visão inesperada de prímulas, deleitando-se com o viço de sua beleza durante alguns momentos, sem o menor desejo de colher ou de possuir, para depois seguir adiante.

Quando acontece algo de mal, ele o aceita sem se lamentar, sabendo muito bem que não pode haver movimento ascendente sem o seu contrário, verão sem inverno, crescimento sem declínio; além do que, ele logo descobre a beleza do aparentemente triste e encontra compensações em coisas que a outras pessoas pareceriam males sem alívio — como um amigo meu que, abatido na meia-idade pela pólio, reagiu ao prognóstico do médico de que ele estaria confinado à cama pelo resto da vida, exclamando: "Ali, finalmente terei todo o tempo que desejo para ler!"

Por estas e outras razões, há uma especial afinidade entre os taoistas e a água corrente, que é ao mesmo tempo o mais fraco e o mais forte dos elementos. Os rios persistem no rumo de sua meta, mas não atacam obstáculos que podem ser contornados; e, se não conseguem achar nenhum caminho em torno de um muro de pedra, eles o corroem com tanta paciência que quase sempre é impossível perceber o progresso de sua conquista.

Quando os cursos de água, nos terrenos em declive, podem correr sem esforço, eles o fazem; enquanto na planície, onde se tomam mais amplos e largos, seu movimento muitas vezes é invisível mas nunca pára. Acredito que Lao-tzú tinha em mente a água quando escreveu: "A coisa mais fraca que há no céu e na terra luta contra a mais forte e a vence. Vinda do nada [isto é, invisivelmente, na forma de vapor]; ela penetra onde não há nenhuma fenda [isto é, através dos minúsculos poros da pedra]. Eu conheço, portanto, o valor do wu wei [literalmente, "ausência de atividade"]. O ensino sem palavras e o valor do wu wei não costumam ser reconhecidos pelo mundo".

Wu wei, o termo taoista favorito, é difícil de traduzir satisfatoriamente e já suscitou diversos equívocos sobre o modo apropriado de cultivar o Caminho. Creio que ele indica a ausência de atividades que não sejam essenciais à natureza de uma situação, nenhum esforço perdulário. A natureza, o mestre amado de Lao-tzú, está em contínua atividade, mas não se trata de uma atividade de um tipo desnecessário. As árvores que crescem na sombra inclinam-se na direção do sol; todas as plantas extraem o alimento da terra e do céu, os pássaros constroem ninhos e caçam vermes para alimentar-se e aos filhos; os esquilos armazenam nozes para usar no inverno; os peixes nadam e os tigres saltam — mas estas são ações que respondem a uma necessidade, às exigências do Aqui e do Agora.

Não procedem do cálculo ou de um desejo de notoriedade, ou de poder, de alguma vantagem ou de lucro, nem são levadas a excessos. Um veado pode pastar com segurança sob o olhar de um tigre, se este estiver suficientemente alimentado. É verdade que alguns peixes põem enormes quantidades de ovos, mas essa prodigalidade responde a uma necessidade real em partes do oceano onde as chances de sobrevivência de um ovo são mínimas. Nenhuma dessas atividades viola o princípio do wu wei, ao passo que monopolizar um mercado ou procurar ser alguém às custas de outrem são atividades que não se harmonizam com ele.

(Retirado e adaptado de: BLOFELD, John. O Portal da sabedoria: Iogas contemplativas e curativas, taoístas e budistas, adaptadas para os seguidores do Caminho no Ocidente. São Paulo : Editora Pensamento, 1984.)

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