Seguidores

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Caminho do Guerreiro I

David Cohen
“Estude a estratégia ao longo dos anos
e conquiste o espírito do guerreiro.
Hoje será a vitória sobre o você de ontem.
Amanhã será a vitória sobre os mais fracos”

Este chamamento para a arte da espada está no livro Gorin No Sho (O Livro dos Cinco Anéis), de Miyamoto Musashi - assim como as demais citações em destaque nestas páginas. O principal samurai de todos os tempos, Musashi venceu mais de 60 duelos de vida ou morte no início do século 17, desenvolveu um estilo próprio de luta, com duas espadas ao mesmo tempo - o Niten, ou "dois céus" -, encarnou o mito do guerreiro peregrino em busca do aprimoramento pessoal, dominou artes como carpintaria, pintura, jardinagem e poética, atingiu uma espécie de iluminação zen-budista e, por tudo isso, tem legiões de seguidores até os dias de hoje. Só no Brasil, são 800 alunos do Instituto Niten, liderado pelo mestre Jorge Kishikawa, que pertencem 11ª geração de guardiões do estilo de Musashi.
Todo mundo já leu, viu no cinema ou pelo menos já ouviu falar dos samurais, a classe guerreira japonesa que, parecida com os cavaleiros da Idade Média européia, defendia os feudos de seus se¬nhores, vivia metida em duelos e prezava sua honra acima de tudo. Mas o que os torna realmente especiais é o Bushido - literalmente, o caminho do guerreiro, uma espécie de código de conduta desenvolvido entre os séculos 9 e 12 que sobreviveu até 1868, quando o Japão se abriu para o mundo e a monarquia recuperou o poder das mãos dos xoguns, ou ditadores militares.
Embora o combate com espadas tenha sobrevivido apenas como esporte, o Bushido ainda sobrevive, em parte, nos ensinamentos de pai para filho. Um dos grandes mestres das artes da espada hoje é Tsunemori Kaminoda, 78 anos, guardião do estilo do bastão e da foice e da corrente, entre outros. Kaminoda, que esteve no Brasil em agosto, aponta o principal preceito do Bushido, para os dias de hoje, em sua opinião: "Aja com espírito de vida ou morte em todas as situações". Eis alguns outros exemplos desse código:
• Para o samurai, não existem duas palavras.
"O que você falou, tem de cumprir", explica Kishikawa. do Instituto Niten. Pedir a um samurai que assine um contrato chega a ser uma ofensa. Quando ela dá sua palavra, não volta atrás.

• Shobuishun. Um combate termina em um segundo.
"Você tem de treinar sem saber quando acaba o treinamento", diz Kaminoda. "Ele pode durar dias, anos ou séculos. E só vai ser aplicado em um segundo."
• A espada não pode estar embainhada por muito tempo nem desembainhada por muito tempo.
"Você não pode ser subserviente nem impositivo", afirma Kishikawa.
• A coisa mais importante é o cotidiano.
Não se guarde para grandes acontecimentos. O que vale, na vida, é o que você faz a cada momento.
• Após a vitória, um samurai deve amarrar o cordão do seu elmo.
"Não se deve comemorar, e sim apertar ainda mais o elmo, para os próximos combates", diz Kishikawa.

Em linhas gerais, o Bushido (lê-se bushi-dô) enfatiza os valores de lealdade, honra, justiça, auto-sacrifício, pureza, modéstia, simplicidade, frugalidade e refinamento. Poucas normas são tão antigas e, ao mesmo tempo, tão em sintonia com a modernidade. Nesses tempos de crise moral e perda de valores tradicionais, o Bushido exerce grande atração sobre os jovens, com sua ênfase na disciplina e na retidão. Para um mundo desencantado de religiões e metafísicas, oferece a sacralização do aqui e agora, a iluminação dentro mesmo do estresse cotidiano. Não se trata de fugir do mundo, mas de vencê-lo em combate.
O código tem forte influência de quatro grandes doutrinas: o budismo, o zen, o confucionismo e o xintoísmo. Do budismo vem a noção de uma seqüência de existência aqui na Terra, mesmo. Por isso, a honra era mais importante que a vida. Se fosse conspurcada, a mancha seguiria por várias encarnações. A meditação zen ensina a ter foco e, pela prática de uma arte, atingir um estado de iluminação. O xintoísmo, que atribui divindade a elementos cotidianos e ancestrais, incentiva a devotada lealdade ao clã e, em última instância, ao imperador. Do confucionismo vieram as regras para as relações morais entre servo e senhor, pais e filhos, marido e mulher, etc. Os samurais, no entanto, discordavam da ênfase intelectual dessa doutrina. Enquanto os ocidentais têm

“Dominar a virtude da espada longa
é governar o mundo e a si mesmo.
Em minha estratégia,
um homem equivale a 10 mil”.

Um ditado como "a pena vence a espada", um japonês diria bunbu ichi, ou "pena e espada em sintonia". Há também elementos de autocontrole e estoicismo. Para ser plenamente honrado, um guerreiro não podia mostrar sinais nem de dor nem de alegria.
Revista Playboy Outubro de 2005

0 comentários:

Postar um comentário