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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Caminho do Guerreiro II

David Cohen
A classe dos samurais tem sua origem no sistema Rondei, de 792 d.C., em que os jovens filhos de aristocratas foram convocados para revivei" o exército. Esses oficiais montavam a cavalo, vestiam armadura e usavam o arco e a espada. Esse novo exército conseguiu finalmente desalojar os habitantes originais do país, os Ainu, que foram mandados para a ilha de Hokkaido, bem ao norte. Até hoje ainda há ressentimentos entre os Ainu e os demais japoneses.
Com o correr dos séculos, o feudalismo japonês incentivou a formação da classe samurai. Os guerreiros defendiam seus senhores (os daimyo), e cada clã formava seu estilo de luta. Num dado momento, o Japão teve mais de 700 estilos de combate diferentes.

“Mesmo quando seu espírito estiver tranqüilo,
não deixe seu corpo relaxar,
e quando seu corpo relaxar,
não deixe o espírito se soltar”

Até que, em 1573, o daimyo Oda Nobunaga conseguiu tomar o controle de quase todo o país e tornou-se xogum, ou ditador militar. Ele foi assassinado nove anos depois, mas a unificação do país prosseguiu, primeiro com Toyotomi Hideyoshi, depois com Tokugawa Ieyasu, que em 1603 tornou-se oficialmente o xogum do Japão e estabeleceu uma ditadura familiar. Como a maior ameaça ao xogum provinha dos senhores feudais, Tokugawa criou um sistema de alianças que, na prática, cristalizou uma estrutura de classes. Os samurais passaram a ser uma casta em que o título passava de pai para filho.
Com o desarmamento de vários exércitos particulares dos senhores feudais, o início do século 17 viu crescer o fenómeno dos ronin, os samurais sem daimyo, que rondavam o país. Os samurais eram oficialmente a classe mais alta, mas, a não ser que fossem donos de terras, não tinham como se sustentar. Por isso, vários ronin buscavam fama em combates com escolas estabelecidas, na esperança de serem contratados por algum daimyo. Era o que se chamava de Mu-sha-Shugyo, a peregrinação do guerreiro, uma jornada em busca de oponentes para provar suas habilidades.
Foi nessa época que surgiu Musashi. Em muitos aspectos, ele era bastante diferente do samurai típico de sua época. Durante a infância, há relatos de que Musashi contraiu uma séria doença de pele. Em termos de porte físico, ele podia ser considerado um gigante para a época, com mais de 1,80 metro, quando a média japonesa era de l,53 metro. Também diferia dos demais em relação à higiene, tão preciosa para o Bushido (um samurai devia estar sempre impecável, pois se morresse nas mãos do inimigo qualquer mancha desonraria seu senhor). Reza a lenda que, durante sua peregrinação guerreira, Musashi não se preocupava em tomar banho, apenas concentrado em treinar a espada o máximo de tempo possível. Não fazia o coque nos cabelos tradicional dos samurais, não seguia nenhuma profissão, não constituiu família, não tinha as roupas lavadas a não ser quando a chuva lhe caía em cima. Esse descaso, aliado à doença de pele e ao seu porte, devia conferir-lhe um aspecto aterrorizante aos olhos dos oponentes.
Seu primeiro combate, segundo seu próprio relato, foi aos 13 anos, quando matou um samurai chamado Arima Kibei, relativamente famoso na região. Aos 21 anos ele foi para Kvoto, onde começou uma série de combates. Foram mais de 60 em uma década. Ou se¬ja, ele se bateu em um duelo mortal a cada dois meses, em média.

“Um espírito elevado é fraco,
e um espírito rebaixado é fraco.
Não deixe que o inimigo veja seu espírito”

Um dos mais importantes foi contra a prestigiada família Yoshioka. O patriarca, Seijiro, foi o primeiro a lutar com Musashi. Ele tinha uma espada de aço, e Musashi, uma de madeira. Mesmo assim, Segiro tomou uma pancada e perdeu os sentidos. De vergonha, cortou seu coque de samurai. Seu filho, Denshichiro, foi o próximo. Como estratégia, Musashi chegou atrasado ao local do combate, e seu oponente, irritado, perdeu a concentração. Foi morto com um golpe na cabeça. Seijiro mandou então seu caçula, Hanshi-chiro, uma criança, para o combate. Dessa vez, Musashi chegou cedo, escondeu-se entre as árvores e percebeu dezenas de homens que preparavam uma emboscada. De surpresa, ele pulou em cima dos inimigos, matou o garoto e fugiu, abrindo um caminho de sangue com suas duas espadas.

“Há um momento certo para tudo.
O senso de oportunidade
não pode ser dominado
sem uma grande dose de paciência”

O duelo mais conhecido foi contra um exímio samurai chamado Sasaki Kojiro, em 1612. Musashi teve oportunidade de ver a espada de Kojiro antes do combate e constatou que ela era maior que o normal. Ele então esculpiu uma espada a partir de um remo e deixou-a escondida atrás de seu quimono. Quando Kojiro o atacou, Musashi deu um salto e, a l metro do solo, acertou a cabeça do oponente com a espada de madeira, matando-o.
Depois disso, aos 30 anos, ele montou sua própria escola de Kenjutsu (a arte da espada). A partir daí, parou de usar espadas de verdade em seus combates. Mesmo em sua geração Musashi já adquirira fama de imbatível. Segundo algumas versões, participou ainda de algumas guerras, mas na maior parte do tempo dedicou-se a ensinar, meditar, pintar e pensar sobre estratégia marcial. Ele escreveu que, aos 51 anos, atingiu o estado de "total entendimento", que lhe permitiu dominar outros caminhos de iluminação sem precisar de mestre. Aos 59 anos, retirou-se para uma vida reclusa, numa caverna. Aos 61 anos, poucas semanas antes de morrer, entregou seu livro Gorin No Sho a um discípulo.
Revista Playboy Outubro de 2005

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