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domingo, 17 de outubro de 2010

Conversando

Por Luiz Fernando Veríssimo
— Ô Liberato...
— Sou todo ouvidos.
— Gostaria de esclarecer uma coisa.
— Vamos pôr os pingos nos is.
— Com franqueza.
— Comigo é pão, pão, queijo, queijo.
— Nos conhecemos há tempos.
— De longa data.
— Concordamos em muitas coisas.
— Somos feitos do mesmo estofo. Diga-me com quem andas e eu te direi quem és.
— Nos damos bem.
— Unha e carne.
— Às vezes brigamos, por bobagem.
— Dou a mão à palmatória.
— Mas sempre fizemos as pazes.
— Quando um não quer, dois não brigam.
— Confesso que já perdi a paciência com você.
— A perfeição não existe.
— Mas com o tempo me arrependia.
— Temos que dar tempo ao tempo. O mundo dá muitas voltas. Errar é humano.
— Certo. Mas. . .
— E perdoar é divino.
— Certo. Você também já se irritou com outros.
— Sou de carne e osso. Nunca digas, desta água não beberei.
— Lembro da sua briga com o Libório.
— Perdi os cadernos. Se arrependimento matasse, estaria morto.
— E uma vez você quase bateu na Marieta.
— Em mulher não se bate nem com uma flor. Mas não sou de ferro.
— Apesar de ser um homem normalmente  moderado.
— Tenho os pés no chão. Penso duas vezes antes de agir. Tenho uma paciência de santo.
— A briga com os dois foi pela mesma razão, se me lembro bem.
— Memória de elefante. . .
— Eles fizeram um comentário sobre você.
— Quem diz o que quer ouve o que não quer.
— Você ficou magoado, ou tudo já passou ?
— Chuvas de verão.
— Mesmo porque, eles estavam tentando ajudar.
— Não levo desaforo para casa.
— Não era desaforo. Eles estavam chamando a sua atenção para um fato de que você talvez não se tenha dado conta. Está claro?
— Como dois e dois são quatro.
— As pessoas às vezes não se conhecem. Você se conhece?
— Como a palma da minha mão.
— Mas pode não conhecer tudo.
— Entre o céu e a terra há muita coisa que a nossa. . .
— Certo, certo. Você tem que entender que nem sempre a crítica é maldosa.
— Honi soit qui mal y pense.
— Isso. Ê uma questão de interpretação.
— Tudo é relativo.
— Claro. Você pode ter interpretado mal.
— Estou em paz com a minha consciência. Quem não deve não teme. Tenho a consciência tranquila. O tempo dirá. Minha vida é um livro aberto.
— Mas você reconhece que pode ter interpretado mal.
— Tudo é possível neste mundo.
— O Libório e a Marieta podiam ter toda a razão.
— Nem tanto ao mar nem tanto à terra.
— Talvez pudessem ter dito de outra maneira.
— Depois da porta arrombada, tranca de ferro. Depois de entornado o caldo...
— O que eles queriam dizer...
— Querer é poder.
— Certo. Eles queriam chamar sua atenção para esse hábito...
— O hábito não faz o monge.
— Pois é. Para o seu hábito de só falar com frases feitas.
— A boca é minha!
— Escute. Não fique brabo outra vez. Deixe eu falar.
— Palavras loucas, orelhas moucas.
— Mas você tem que concordar que...
— Não dou o braço a torcer.
— Você nunca disse uma frase original na sua vida!
— Nunca é muito tempo. Não devo satisfações a ninguém. Quem sabe de mim sou eu. Os incomodados que se mudem. Vocês são vinho da mesma pipa. Deus é testemunha. A mentira tem pernas curtas. A justiça tarda, mas não falta.
— Calma, calma.
— Vocês vão ver com quantos paus se faz uma canoa!
— Espere. Desculpe. Está bem. Foi uma grosseria minha. Você tem razão. Se já existem as frases feitas, para que inventar outras ? Não digo mais nada.
— De boas intenções o inferno está cheio.
— Não fique magoado. Vamos conversar. Ê conversando que a gente se entende.
— Agora você está falando a minha língua!

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