É inegável que a saga Crepúsculo é um sucesso. Para quem gosta e quem não gosta. Eu li os quatro livros por força da minha profissão atuando junto a pré-adolescentes e a adolescentes. Gosto de saber o que eles leem, o que está formando o minha plateia cativa durante as aulas. Li também os sete Harry Potter. Desses eu gostei, de Crepúsculo nem tanto... Até por que eu entendi logo que o livro da Stephenie Meyer era destinado a um público específico: meninas entre os treze e os dezessete anos.
Navegando pela internet eu confirmei minhas suspeitas numa comparação inusitada entre Crepúsculo e Pokémon feita por Raphael Draccon lá no site: http://www.sedentario.org/colunas/cavernas-e-dragoes/vampires-rulez-ou-por-que-pokemon-pode-explicar-o-sucesso-de-crepusculo-20432
Ele afirma que no período em que era estagiário de roteiros de uma produtora, entrou em contato com os conceitos planejados pelos produtores de animação japonesa. Diz ele que “Crepúsculo” é um shojo (mangá voltados para o público feminino) em live action na literatura e segue dando exemplos e comparando os dois gêneros:
“Em animes para crianças, de preferência os personagens devem ser de classe média para cima (partindo mesmo do princípio de que ninguém quer ver pobre nas animações…) .
Em ‘Crepúsculo’, Bella espera ganhar um carro e até ganha do pai uma lata velha estilo cult, à espera da visita do Luciano Huck. Entretanto, ela tem computador, acesso à internet, sai pra jantar fora com as amigas, vai a livrarias comprar livros (certo, lá nos EUA livro é mais barato do que aqui, mas isso demonstra um grau de cultura da personagem já um pouco mais acentuado); em outras palavras: ela não é rica, mas também está longe de ser pobre.
A)Um personagem deve identificar o problema, mas não saber como colocar a solução em prática. Outro personagem saberá como colocar a solução em prática, mas alguém deve lhe ajudar a identificar o problema.
Bella sempre sabe quais os problemas, mas não sabe como resolvê-los (ou não tem coragem de fazê-lo). Edward nunca sabe direito o que tem de ser feito (eu a amo, eu a deixo, eu a transformo, eu a troco por Sookie…), mas quando identificado um problema, ele vai lá e resolve (enganar o pai de Bella, impedir assalto, caçar rastreadores…).
B) Tire o personagem de um mundo normal e jogue-o em um mundo alienígena para ele.
Ok, Bella não entra em nenhum portal. Mas trocar Phoenix por Forks foi como entrar em um portal na Pedra da Gávea e sair no planeta Canis 2-b.
C) Não use palavrões. Nem palavras de baixo calão. Nunca.
Alguém acredita que um dia Edward irá dizer um mísero f@#k? Mas nunca, nem quando ele crescer…
D) Não mostre sangue.
É por isso que em animes pra crianças se dá preferência a se destruir robôs ou alienígenas do que seres humanos. ‘Crepúsculo’ provavelmente é o romance de vampiro com menos sangue da história da literatura. Como disse o próprio Vianco na Bienal do RJ desse ano: “A minha impressão é a de que se o Edward ver sangue, ele desmaia…”.
E) Evite referências sexuais.
Aqui é a parte mais interessante. O sexo em “Crepúsculo” (ou a falta dele…).
O sexo e o terror/horror sempre estiveram muito próximos e abordados de maneiras diferentes. Mas em todas as obras sempre havia uma relação: o sexo no horror nunca foi seguro. Isso vai desde a relação sadomasoquista dos cenobitas de Clive Barker até os peladões que sempre morrem primeiro nas mãos de Jason.
Entretanto, ‘Crepúsculo’ revoluciona isso (se você quiser chamar assim). Porque ali não; ali o sexo é seguro! Mesmo porque não há sexo, ou ao menos não há a conotação de sexo!
O que Edward e Bella possuem (seja lá o que for), bom… não engravida nem infecta através de doenças sexualmente transmissíveis.
Diabos, podem colocar uma maçã na capa simbolizando a tentação do pecado de Eva, as referências sexuais do livro de fato sempre envolvem cores e metáforas que não preocupariam nenhum pai.
- Quais são as suas intenções com a minha filha? – qualquer pai poderia perguntar a Edward, olhando-o de lado.
- Ah, não se preocupe; são as melhores. Nós só planejamos encarar de maneira extasiante o entardecer, corrermos livres pela floresta e brilharmos como purpurina um pouco…
As metáforas ali envolvem a excitação de se correr livre pela mata (vestidos, claro, não como o lobisomen peladão de “True Blood”), de sentir a pele diferente ao toque, de se dirigir em alta velocidade impune e consciente, de se ver luzes refletindo no corpo.
Edward vela o sono de Bella todas as noites, mas por mais que a deseje a ponto de doer dentro dele, ele nunca a toca e nem mesmo toca… bom…
O fato é que sexo em ‘Crepúsculo’ é tão seguro quanto em um filme de “High School Music”.
Agora, não é um livro que ‘não dá pra ler’ ou para se criar uma comunidade de ódio pela autora. Meyers fez o que teve vontade de fazer, sem pretensão e sem imaginar que iria entrar na lista das pessoas mais influentes do mundo.
Acredite, a gente faz muito menos ideia do que estamos fazendo no primeiro livro do que se parece. Comparar Meyers, que começou agora, com Rowling, que já teve uma década para se afiar, é uma covardia. A não ser que ele comparasse a Meyers de hoje com a Rowling de ‘Harry Potter e a Pedra Filosofal’, que ainda não era tão boa quanto a de ‘Harry Potter e as Relíquias da Morte’.
O problema de tudo está apenas no fato de que a mídia vende ‘Crepúsculo’ como um fenômeno para qualquer pessoa. E ele é direcionado a um público bem específico.
Um adorador de Stephen King, Clive Barker ou Peter Straub sacanear as adolescentes apaixonadas pela obra é como sacanear as fãs de “Diário de Princesa” ou de ‘Gossip Girl’. Sabe, não faz lá muito sentido se você não fizer parte do público-alvo da obra.”
0 comentários:
Postar um comentário