George
R.R Martin, o autor baixinho e corpuento de As Crônicas de Gelo e Fogo, a série
épica de romances de fantasia que fornece a matéria-prima para a série Game of
Thrones, da HBO, apresenta seu
escritório
em Sanm Fé, Novo México. As paredes ostentam as ilustrações originais das capas
de seus livros, com homens fortes com espadas e super-heróicos com cores
berrantes. As salas são decoradas com vitrines lotadas de cavaleiros em
miniatura e outros bonequinhos pintados travando batalhas em dioramas épicos.
Há
alguns anos, este cidadão de Nova Jersey comprou a casa na frente de sua
residência e a converteu em local de trabalho, com vitrais coloridos e uma
torre que serve como biblioteca apesar de a prefeitura só ter dado permissão
para que a estrutura tivesse dois andares de altura.
Aos
63 anos, Martin tem o entusiasmo de um adolescente meio nerd e o ar distraído
de um mago ocupadíssimo. Publicado no ano passado nos Estados Unidos e neste
ano no Brasil, A Dança dos Dragões, o quinto na sequência de sete volumes, está
há diversas semanas na lista de mais vendidos, e os fãs esperam com impaciência
pelo próximo volume. “Comecei a escrever estes livros em 1991", Martin diz
e sacode a cabeça. "Neste intervalo, fiquei bem mais velho, mas os
personagens só ganharam um ou dois anos.”
Vamos
a entrevista.
Por que a série
começa quase sem magia alguma?
Eu
adoro fantasia, mas também amo ficção histórica. Eu queria fazer uma fusão das
melhores qualidades de ambas, e isso exige que se tenha muito cuidado com a
magia. Eu tenho a maior admiração pelo senhor dos Anéis, Gandalf não solta
raios dos dedos por exemplo e se esse tipo de coisa aparece em todas as
páginas, amagia,digamos, perde a magia...
Alguns autores
tramam cada página com todo o cuidado; já outras improvisam a coisa toda. Em
que ponto desse espectro você se encontra?
Eu
tenho nomes para estes tipos de escritores: eu os chamo de arquitetos e de
jardineiros, O arquiteto, antes de colocar um prego em uma tábua, tem todas as
plantas e sabe como a casa vai ser e por onde os canos vão passar. Depois,
temos os jardineiros, que cavam e plantam uma semente, regam “às vezes com o próprio sangue” e algo
aparece. Eles sabem o que plantaram, mas mesmo assim há muitas surpresas. Bom,
mas é raro encontrar um autor que seja
um arquiteto puro ou um jardineiro puro; eu estou bem mais próximo de um
jardineiro. Eu sei qual é o fim definitivo da série e eu sei qual e o destino
de todos os personagens principais, mas há muitos personagens menores, mas tem
outros detalhes que vou encontrando ao longo do caminho. Para mim, tanto como
leitor quanto como escritor, o mais importante é a viagem,
não
o destino final.
Cada capítulo
apresenta o ponto de vista de um personagem diferente. Isso pode deixalos com
que ar mais simpático, mas nem todos. Por que ?
Nós
todos temos razões para as coisas Que fazemos, até mesmo para as coisas que
aparentemente são malignas. Elas às vezes se baseiam em princípios equivocados
ou em egoísmo inato ou em compulsões psicológicas, mas ainda assim são razões.
Algumas das minhas primeiras historias de ficção cientifica tratavam do terna
da telepatia: se nós pudéssemos ler a mente uns dos outros, será que isso
levaria ao amor e a compreensão universal ou à repulsa universal?
Seus livros
também têm elementos de terror, os leitores vivem apavorados com a noção de que
qualquer personagem pode morrer a qualquer momento. Então ?
A
noção de que ninguém está a salvo existe porque esta é uma história de guerra.
Eu mesmo sempre fui contrário à guerra, eu nunca fui mandado para a guerra, mas
tive amigos que foram para o Vietnã e que falaram sobre suas experiências. Uma
das coisas fundamentais que aprendi com eles é que, no Vietnã não importava se
você fosse o melhor atirador ou se fosse o cara capaz de fazer o maior número
de flexões de braço. Qualquer um podia ser morto a qualquer momento.
Qual foi a
inspiração para criar tyrion Lannister, o anão por trás das tramoias?
Eu
escrevi umlivro com Lisa Tuttle, em 1981, chamado Windhaven, e nele há um
comentário paralelo em que um dos personagens está falando sobre visitar alguma
ilha distante e diz: “Tem um anão; é o homem mais feio que eu conheço, mas
também é o mais inteligente”. Por algum motivo, fiquei com isso na cabeça, e
quando comecei a escrever Crônicas, lá estava ele. Tyrion cravou as garras em
mim e se tomou um dos personagens mais fundamentais, que realmente fizeram a
série avançar.
Tfyrion e
Daenerys estão entre as invenções mais vigorosas.
Eles
estão entre os personagens que fazem mais sucesso, apesar de eu achar que os
dois com aceitação mais ampla sejam Jon Snow e Arya. Cada personagem tem seus
fãs e seus detratores, algo que considero como enorme elogio. Nós nos sentimos
assim em relação a pessoas reais: alguém gosta delas, outros se irritam com
elas e outros ainda acham que são umas trouxas. Quando se cria um personagem
fictício que todo mundo adora, ou que todo mundo odeia, você provavelmente
criou um pedaço de papelão.
Você achava que Game
of Thrones Iria fazer tanto sucesso na TV?
Meus
livros foram escritos, praticamente, para não serem filmados. Eu os escrevi no
final de uma década em Hollywood, onde sempre me diziam que os meus roteiros
eram ótimos, mas eram caros demais... será que dava para colocar menos
personagens ? Será que essa batalha poderia ser um duelo? Não era um processo
que eu apreciava. Por isso, quando retornei à prosa, disse: “Bom, não preciso
mais me preocupar com o orçamento”. Eu simplesmente escrevi estes romances da
maneira mais grandiosa quão minha imaginação permitia, sem nunca sonhar que um
dia seriam filmados. Agora, David Benioff e Dan Weiss (os criadores da série da
HBO ) é que precisam lidar com esta tremenda dor de cabeça. Eu não ( Risos ).
Quanto você já
avançou no próximo livro, The Winds of Winter ?
Não
tanto quanto eu gostaria de ter avançado. Vai ser mais um livro de 1.500
páginas, e eu só escrevi umas 200. Ainda tenho muito pela frente.
Você se preocupa
com a possibilidade de a série de Tv alcançar os livros?
Em
não diria que me preocupo. Tenho uma boa vantagem. Mas volte a fazer essa
pergunta daqui a um ano, talvez a resposta seja diferente! Tenho vários outros
projetos que estou dando conta;preciso tirar tudo da frente para poder me
concentrar nos livros. Preciso aprender a dizer não quando alguém me pede um
conto ou um prefácio. Na semana passada, fiquei o tempo todo escrevendo
apresentações para três livros distintos. A verdade é que eu escrevo devagar,
independentemente do que esteja fazendo, seja um épico de fantasia gigantesco,
seja um prefácio. “São só mil palavras, você consegue matar em uma tarde.” Mas
não, não consigo,passo três dias suando em cima daquilo.
Qual foi o
momento em que você percebeu que não precisava mais se preocupar com dinheiro?
Não
sei dizer com certeza se esse momento já chegou. Por ter tido uma infância
pobre como a minha, um menino de conjunto habitacional popular de Nova Jersey,
eu sempre tenho consciência de como o dinheiro pode ir embora. Na época em que
vendi um livro de mistério e assassinato com tema de rock “androll”, de
1983,demorei mais ou menos um ano para escrever e recebi US$ 100 mil por ele. E,
quando isso aconteceu, eu disse a mim mesmo: “Agora eu ganho US$ 100 mil por
ano”, e isso foi um erro enorme. Comprei uma casa e um carro novo, e daí o
livro não vendeu nada. Precisamos refinanciar a casa, e eu pensei: “Como é que
eu vou conseguir pagar ?” Então, cada
vez que eu recebo um cheque, penso: “E se este for o último cheque que eu vou
receber na vida?”
Houve muitos
outros cheques que vieram antes ?
Eu
fui escritor a vida toda, eu costumava vender histórias escritas à mão para os
outros meninos do conjunto habitacional popular. Vendi a minha primeira
história para uma revista profissional em 1971. Passei a escrever em tempo
integral em 1979 e tenho me virado bastante bem. Assim como qualquer escritor,
tive anos bons e anos ruins, mas houve muito mais sucessos do que fracassos.
Mas, nos últimos dois anos, eu me transformei em um escritor-celebridade, e isto
é diferente de ser um escritor de sucesso. Sou reconhecido em restaurantes e
aeroportos e fico surpreso toda vez que isso acontece. Isso normalmente não
acontece com escritores. Cormac McCarthy mora aqui em Santa Fé, e eu não faço a
menor ideia de qual da cara dele. Pode ser o fulano de tal, na fila do
supermercado e eu nem vou saber.
Algumas pessoas
criticam a quantidade de sexo no seriado mas os seus livros também têm
bastante. Você chega a ter algum incômodo com isso?
Recebo
cartas relativas a isso com bastante regularidade. É um aspecto de repúdio
natural dos norte americanos. Você pode escrever a descrição mais detalhada e
mais vivida de um machado penetrando um crânio e ninguém diz absolutamente nada
nem reclamam disso, mas se escrever uma descrição igualmente detalhada a
respeito de um pênis penetrando uma vagina, recebe cartas de gente dizendo que nunca
mais vai ler o que você escreve. Mas que diabo é isso ? Um pênis penetrando uma
vagina traz muito mais alegria para o mundo do que um machado penetrando um
crânio.
Como são os seus
hábitos diários de escrita?
Nos
meus melhores dias de trabalho, que não ocorrem com muita frequência, eu perco
toda a noção de tempo e espaço. Caio na minha cadeira de manhã e, quando ergo
os olhos, está escuro lá fora e as minhas costas doem. Sabe, às vezes eu penso
sobre a razão da fiação, e sobre como aquilo se torna parte da nossa vida.
Tenho algumas fotos da minha classe da 3° série; eu reconheço a mim mesmo e a
uns poucos bons amigos. Mas quem diabos são aquelas outras crianças ? Eu não me lembro do nome
delas. Eu estava vivo em todos os dias da minha infância, masamaior parte
dessas lembranças desapareceu. Por ter sido criado em Bayonne, o meu mundo
tinha cinco quarteirões de extensão. A minha casa ficava em First Street e a
minha escola ficava em Fifth Street . Mas a minha imaginação desejava um mundo
muito maior. Então eu lia a respeitode planetas distantes e da Roma antiga e de
Xangai e de Gotham City.
E isso tudo
tornou você um escritor melhor?
Eu
numa vi a luz verde no final do cais de Daisy nas festas no gramado de Gatsby.
Mas, depois de ler O Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald, aquele mundo me
pareceu mais real do que coisas que eu de fato vivi. Se somos a soma das nossas
experiências, como acredito que sejamos, então os livros são a parte mais
importante da minha vida do que a minha vida de fato, É isso que eu tonto fazer
com minha própria ficção: encher as histórias com pessoas imaginárias que vão
se tornar mais reais para os meus leitores do que as pessoas que fazem parte de
sua vida.
Material
disponibilizado originalmente por Bruno "Brenner" Herdy da Toca do
Vinil.
Fonte:
Revista Rolling Stone.
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