“Tá pronto pra a missa?”
“Vou não, painho. Pode ir na paz”
“Oxente, e por que isso agora?”
“É que eu não sou católico”.
Naquele dia, a casa caiu. O adolescente resolveu peitar o coroa pela primeira vez na vida. Não que tivesse nada contra os apostólicos romanos. Somente começava a perceber que a turma da hóstia realmente não era mais a sua.
“Como não é católico, moleque!?”, o pai permanecia sem entender.
“Oxe, não sou católico, ora. Tou te dizendo que não sou” – irredutível, o menino.
Era agora ou nunca. Mas o velho não iria vender barata a derrota. E se a turma do Clube de Casais com Cristo desconfiasse? Teria ele um ateu em casa? Um satanista? Ou pior: estaria o garoto envolvido com macumbarias em geral?
“Eu não te batizei?”
“Batizou.”
“Tu num fizesse primeira comunhão? Não te crismasse! Até um dia desse tu tocava violão na igreja, participava do grupo de jovens. Agora vem com essa conversa de que não é católico?”
“Sou não, meu pai. Vá por mim que eu não sou. Eu defendo o direito das mulheres ao aborto, acho que os homossexuais têm o direito de se casar. E que o divórcio é uma coisa muito natural hoje em dia. Também acho que o sexo tem que ser livre e sempre com camisinha pra não pegar doença nem fazer barriga na namorada. Tu tás vendo que isso não é coisa de gente católica?”
“E o que é que tem uma coisa com a outra?”,
“Ih, meu pai… Vai dizer que tu não tá ligado que a igreja é contra tudo isso?”
O mais-velho já estava impaciente. Colecionava dois abortos na juventude, não tinha nada contra a homossexualidade e divorciou-se da primeira esposa antes do primeiro ano de casamento. Camisinha nunca usou, mas não pode culpar o padre. Era do tempo que gonorreias eram medalhas de virilidade.
Terço na mão, andava de um lado para o outro, catando argumento. Mas nesse ringue quem estava quente era o garoto:
“E, na boa? Não sei como um cara inteligente como o senhor ainda dá dinheiro pra uma turma dessas. Tu sabia que a igreja católica é a maior proprietária de terra do mundo?”.
Foi só um jeb. O nocaute viria a seguir.
“E tem mais, papai. Eu tenho pra mim que o senhor também não é católico não, hein?”
“Como é que é? Agora você passou do limite…”
“Calma, meu pai, preste atenção…”
“Que atenção que nada, rapaz! E eu não vou pra a missa todo domingo? Não comungo? Não cumpro minhas obrigações?”
O menino respirou um pouco e foi soltando.
“Assim assim, né, papai? O que é que aquele aquário de sal grosso tá fazendo lá na sala? E aquela carranca na porta de entrada?”
“Você não sabe que é pra espantar energia ruim?”
“E você não diz que minha avó aparece no teu sonho? Anos depois de ter morrido?”
“Aparece. E não pode aparecer?”
“Sei… E aquela mesa branca que tu frequenta com tio Pacheco?”
“Ora, e o que é que tem os espíritos com essa conversa?
“Isso não é coisa de católico não, viu?”, o menino destilava ironia:
“Nem isso, nem esse medo todo que o senhor tem de despacho na encruzilhada. Tu num é cristão? Como pode achar que aquilo ali pode fazer bem ou mal a alguém?”
“Nadaver, nadaver, nadaver”, dizia o mais-velho, como num mantra.
Derrotado, baixou a cabeça, pegou o terço e foi à missa. Gostava daquele padre que comandava a das sete. A celebração era rápida, as músicas animadas. O da batina era um jovem de poucas palavras que sempre agilizava na hora da homilia. Assim dava pra pegar o começo do Fantástico.
Nunca mais falou de religião com o filho herege, que cresceu sem se interessar por nenhuma religião organizada. Até os dias de hoje, o jovem contestador voltou a pisar numa igreja católica apenas quatro vezes.
Quando casou com uma menina judia, no batizado dos dois filhos e na missa de sétimo dia que mandou rezar para o pai.
Ironia do destino. Pouco tempo antes de morrer, o velho convertera-se oficialmente ao espiritismo.
Fonte: http://www.porqueagenteeassim.com.br/2010/12/01/dialogos-do-catolicismo-a-brasileira/
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