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terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Crença no Controle e o Valor da Liberdade

Por Marcos Reis
O que há de mal em buscar segurança, ou, ao menos, a sensação de estar seguro? Aparentemente nada. Animais não caçam para garantir a própria sobrevivência e de sua prole? Assim também não opera o ser humano, que através do desenvolvimento de tecnologia logra dominar e transformar, em certa medida, os recursos naturais à disposição a fim de garantir uma vida mais “segura”? A rigor, o homem é uma criatura frágil, limitada e historicamente inserida em uma luta contra adversidades, sejam as suas ou as do meio. 


Contudo, uma asserção é inescapável: não foi um ente abstrato e dotado do monopólio pretensamente legítimo da violência que logrou tornar a vida dos homens mais fácil diante de tais obstáculos, senão os próprios homens que, envidando esforços conjuntos – porém, determinados livremente por cada indivíduo –, conseguiram pouco a pouco ultrapassar os referidos desafios.

O cenário atual, sequioso de mais segurança e controle de adversidades muito mais complexas, e marcado por uma irrefletida confiança no poder das autoridades, parece vinculado a um nível mais profundo da experiência humana. E talvez esta seja a razão determinante para o recrudescimento da cultura do controle em detrimento da liberdade.

Se o ser humano possui uma natureza essencial, eu diria que ela consiste na ignorância. Podemos ser mais ou menos egoístas, mais ou menos solidários, mas somos definitivamente ignorantes, no sentido de que precisamos constantemente aprender algo, seja para sobrevivermos num ambiente de escassez de recursos, seja para aprendermos a respeitar as liberdades alheias. Ao ignorante, contudo, assusta a possibilidade de haver algo para além da escura caverna em que habita, e mesmo quando alguém obtém um átimo de luz, o impacto da razão não basta para desanuviar uma mentalidade mítica.

Para que algo possa ser aprendido a liberdade é condição necessária, mas não suficiente. Daí a possibilidade permanente do erro. Liberdade é a possibilidade de aprender, mas também possibilidade de errar. E ninguém gosta de errar. Ninguém gosta de ter de abandonar convicções convenientes e aventurar-se em um mundo livre e, por isso mesmo, suscetível ao erro. 


Considero que a compreensão deste ponto é indispensável, pois aquele que renuncia ao aprendizado também o faz em relação à liberdade. E quem não está disposto a usar da própria liberdade para aprender renuncia à responsabilidade de seus atos e entrega, conscientemente ou não, a decisão acerca dos rumos de sua vida a outro que se julgue no direito de escolher pelo renunciante.

Quem age por si está sujeito ao erro, mas é um indivíduo livre; quem delega decisões, quer queira ou não, assume as responsabilidades, mas jamais os méritos do ato e, tampouco, a liberdade. A ignorância é a escassez interior que pode resultar na experiência do aprendizado (mesmo que por tentativa e erro), possibilitada pela liberdade; ou resultar no medo e no escapismo, possibilitados pela busca de segurança. Os exemplos são fartos.

Em busca de uma sociedade menos violenta e mais segura, o Estado brasileiro proibiu o comércio de armas, mas as mortes violentas por arma de fogo permanecem. O apelo por uma sociedade livre das drogas conduziu ao agravamento da resposta penal ao tráfico de drogas, mas não só as pessoas continuam a consumi-las como a violência ínsita a um aparato que procura sobreviver na ilegalidade não parou de fazer vítimas. Da mesma forma, a Lei Seca não foi capaz de deter as estatísticas que colocam o Brasil no quinto lugar das mortes no trânsito segundo a OMS e que acusam absoluta ineficiência quanto às mortes de jovens na direção.

Na tentativa de prover maior segurança aos trabalhadores, o Estado instituiu um programa de previdência social, mediante o pagamento forçado e periódico de quantias (ironicamente chamadas de contribuição) para, ao final, “garantir” uma aposentadoria muito aquém da remuneração recebida pelo trabalhador enquanto ainda ativo, bem como um déficit (preocupante, mas de modo algum surpreendente).

No nobre intuito de promover justiça “social” e prover maior segurança à população carente, o governo brasileiro arrecadou um trilhão de reais em 2009 em tributos. Os resultados sociais tão esperados pelo ideário igualitário-distributivo parecem, contudo, longe das expectativas social-democráticas, exceto pela política assistencialista e demagógica que só faz aumentar as chances de perpetuação do PT e demais partidos envolvidos no poder e expandir a economia informal às custas, mais uma vez, do “contribuinte”.

Enquanto expande artificialmente a base monetária da economia nacional por meio do Banco Central, controlador da taxa básica de juros (SELIC), sob o argumento falacioso de prover crédito e, com isso, maior segurança à economia, ao ritmo de consumo e à vida do cidadão, o Estado, em verdade, engendra um processo inflacionário imperceptível aos olhos do leigo, além de garantir uma ótima estrutura para a manutenção de seu déficit, causado, em última instância, pelo binômio ineficiência-corrupção.

A lista é interminável, entretanto, o ponto nodal e comum a todas essas experiências fracassadas é o seguinte: troca-se a falsa sensação de segurança (às vezes nem isso) pela progressiva intervenção governamental naquilo que o ser humano tem de mais precioso para aprender: a liberdade.

Apesar disto, o que gera perplexidade não é a coleção de fracassos estatais, mas a crença das pessoas de que o Estado continua a ser a melhor alternativa. Historicamente, o povo brasileiro não costuma primar pelo associativismo e pela valorização das liberdades individuais. O brasileiro, via de regra, costuma ser pródigo em críticas e inconformismos quanto aos rumos do “país do futebol”. O mensalão, o apagão, a imoral e insuportável tributação, o voto obrigatório, os desvios de conduta de seus governantes parecem lhe alarmar por alguns poucos momentos, mas não passa disto. É só. É com pesar que faço tal constatação, mas o brasileiro é passivo e acomodado.

À conclusão semelhante chega, por exemplo, o excelente trabalho do antropólogo Roberto DaMatta, que perguntou aos entrevistados o que eles achavam do brasileiro que costumava cumprir as leis e tratar todos como iguais perante a lei. O resultado é que a maioria dos brasileiros reputam este brasileiro, alheio a privilégios e cumpridor de seus deveres, um “otário”, que provavelmente não possui uma rede forte de influências.

Este é outro ponto inolvidável que, quero crer, vincula-se à insistência no messianismo estatal e ao poderio que as doutrinas coletivistas possuem em terras tupiniquins. Não se ignora que o “jeitinho brasileiro” encerra uma manifestação cultural que privilegia o círculo de amizades e interesses em detrimento da igualdade perante a lei; que faz da autoridade e da coerção um manto sob o qual todo o tipo de interesse é negociável, não à base de liberdade de escolha, tratamento uniforme e livre competição, mas às custas do “contribuinte otário” que paga seus impostos e não pertence (e nem deseja pertencer, pelo caráter nefasto que revela tal comportamento)a um círculo de poder capaz de distribuir vantagens, renda e posição com recursos alheios.

Considero que este expediente também decorre do medo e da necessidade desenfreada por segurança do indivíduo. Estaríamos sendo injustos ao afirmar que o Estado é incapaz de gerar algum grau satisfatório de segurança e controle (pelo menos material). De fato, o Estado gera. Mas só para alguns poucos amigos do rei. Aos inimigos, a lei, como diz o ditado.

As características de um Estado intervencionista, sobretudo na economia, são um convite à constituição de um círculo promíscuo de interesses. Naturalmente, os seres humanos menos escrupulosos enxergam nesta circunstância uma chance única de enriquecer, conseguir prestígio e poder. No fim das contas, garantem a si mesmos a segurança de manter seus próprios interesses intactos e, o principal, a segurança de não serem importunados neste cenário. Como pontuava Edmund Burke, para que o mal triunfe, basta a omissão dos bons. Basta que os indivíduos escrupulosos, porém amedrontados e passivos, continuem a reclamar da ineficiência estatal da boca para fora, apenas.
(...)
Liberdade é o agir livre de coerção externa. É a possibilidade de livre participação pessoal no mundo (do indivíduo em suas relações com os recursos naturais e demais seres humanos). Esta possibilidade de livre participação no mundo pressupõe o exercício ou disposição da propriedade que o ser humano tem sobre seu corpo e mente e que encontra limite na possibilidade de o outro exercer ou dispor livremente dessa mesma propriedade.

Para que tal liberdade individual se exerça de modo compatível com as demais liberdades e possa valer como máxima universal é condição necessária a interiorização do valor da autonomia individual (a garantia de um núcleo inatacável e insuscetível de intervenções forçadas, a saber: a possibilidade de livre participação da pessoa no mundo por meio do exercício e disposição da propriedade de seu corpo e mente).

Ora, se é reconhecida à pessoa a possibilidade de livre disposição para estabelecer relações com o mundo em razão de uma autonomia moral individual, a noção de responsabilidade pela escolha dentre um rol de possibilidades é complementar ao fundamento aqui defendido. A partir do momento em que se pode estabelecer a relação “X” com o mundo, a pessoa efetua uma escolha. Tal escolha pode ou não coincidir com a escolha necessária para que um certo âmbito inatacável de autonomia individual de outras pessoas seja respeitado. Este núcleo de autonomia individual é um imperativo categórico, na medida em que manifesta uma exigência incondicional de respeito, e sua razão de ser é possibilitar às pessoas uma coexistência livre e responsável. Todo desrespeito a este núcleo, exige, pois, uma atribuição de responsabilidades, sob pena de se quebrar o universo equilibrado de possibilidades de livre disposição das relações individuais.

Em síntese, compreendida a liberdade como esta possibilidade de livre exercício da propriedade que o ser possui sobre seu corpo e mente, é evidente que quando se fala em liberdade, também se fala em liberdade para errar. Liberdade para escolher possibilidades que podem ou não se demonstrar corretas. Seja a realização de um investimento inviável, seja o dedicar tempo e trabalho a uma atividade que no futuro se mostra infecunda ou seja a liberdade para se aproximar de outros indivíduos e com eles se decepcionar. Liberdade é, pois, possibilidade lastreada por responsabilidade. Possibilidade de livre participação pessoal no mundo e responsabilização pelas consequências dessa participação

Retirado e adaptado de:

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