Para Marx não há verdades eternas ou
metafísicas que percorram a história das sociedades humanas à margem das
transformações que a vida dos homens sofre.
Todas as ideias que os homens produzem
são «acontecimentos históricos», resultam de uma evolução histórica: são
dominantes numa determinada época e deixam de o ser noutra, estando intimamente
ligadas à evolução das condições concretas de vida dos homens.
Vimos acerca das duas dimensões
essenciais de uma sociedade que a infraestrutura (a base econômica ou real)
condicionava a superestrutura (as formas de consciência, as ideias, os
valores).
Aquilo que os homens pensam acerca de
si, da sociedade e do mundo é influenciado pelas suas condições materiais ou econômicas,
pelo modo como estão inseridos nas relações de produção que se dão numa
sociedade historicamente determinada.
Ao longo da história e excetuando uma
fase incipiente — o comunismo primitivo — as relações de produção têm sido
relações de desigualdade econômica. A evolução econômica das sociedades — a
passagem de um modo de produção a outro — está na origem da divisão da
sociedade em classes
As classes são grupos de indivíduos com
interesses econômicos antagônicos que, no interior das relações de produção,
possuem um estatuto diferente a respeito da propriedade dos meios produtivos: a
classe economicamente dominante num certo modo de produção é aquela que possui
a propriedade privada dos meios produtivos, negando assim à outra esse
estatuto.
Assim, no modo de produção feudal —
essencialmente agrícola — a classe economicamente dominante é aquela que possui
a fonte produtora de riqueza: a terra. Essa classe é a nobreza.
Em geral, aqueles que não possuem esse
meio produtivo por excelência estão reduzidos à servidão.
Se passarmos do modo de produção feudal
ao modo de produção capitalista — essencialmente industrial — a classe
economicamente dominante é aquela que possui em exclusivo os meios de produção
de riqueza (fábricas, minas, máquinas, meios de transporte, etc).
O que há de comum entre estas duas
classes, entre a nobreza feudal e a burguesia industrial? O que aproxima duas
classes cujo domínio se exerceu em épocas diferentes (a burguesia mediante a revolução
industral retirou à nobreza o seu estatuto de classe dominante)?
Quem possui os meios de produção pode
pôr ao seu serviço, submeter à sua vontade e ao seu interesse, aqueles que, não
os possuindo, se veem obrigados para sobreviver a vender ou alienar a sua força
de trabalho.
A classe economicamente dominante, em
determinada época, tem sempre ao seu dispor um grande número de homens cujo
trabalho não só lhe garante a subsistência e a riqueza como também a deixa
disponível para um outro tipo de produção que não a material: a produção
intelectual.
Por outras palavras, certos membros da
classe economicamente dominante, libertos da necessidade de se empenharem na
produção material da sua vida, podem dedicar-se ao trabalho intelectual, à
elaboração de teorias ou doutrinas acerca do mundo, da sociedade, do homem,
etc.
Por isso não é de admirar que Marx
denuncie que as ideias dominantes numa determinada época são as ideias da
classe economicamente dominante, ou seja, que quem controla os meios de
produção material exerce o seu domínio sobre a produção mental ou intelectual.
E porquê denunciar tal fato?
Porque as doutrinas ou concepções da
classe dominante são apresentadas como se não fossem suas, isto é, como se
fossem universais ou não condicionadas por interesses particulares. Os
produtores dessas ideias dão-nos a impressão de falar em nome da razão humana
universal.
Segundo Marx devemos suspeitar desta
aparente objectividade. Com efeito, nessas doutrinas ou teorias pretensamente
autónomas ou objectivas, os intelectuais da classe dominante, muitas vezes sem
disso terem explícita consciência, exprimiam o interesse da classe a que
pertenciam.
Tais ideias, apresentadas, consciente ou
inconscientemente, sob o disfarce de leis da natureza e de princípios morais e
religiosos absolutos (imutáveis, como se não tivessem história), tendem a ser
encaradas como verdades eternas pelos próprios oprimidos.
Segundo Marx, elas refletiam os
interesses econômicos e políticos da classe dominante. Apresenta--se o
interesse da classe dominante como verdade natural, universal ou absoluta. Qual
o objetivo?
Nega-se idealmente a razão de ser dos
conflitos e contradições existentes numa sociedade determinada, fomentado-se
assim uma atitude conformista em relação ao estado de coisas vigente.
Não dizia Aristóteles que uns homens
nascem para mandar e outros para serem mandados?
Não refletirá esta ideia os interesses econômicos
da classe dominante que vivia do trabalho de escravos?
O mesmo Aristóteles afirma que o ideal
de vida próprio do homem é a vida contemplativa. Esta ideia, conjugada com a
anterior, traduz o desprezo pelo trabalho manual, considerado como condição
natural ou destino de homens inferiores.
Quer Aristóteles disso tivesse
consciência ou não, estava no plano das ideias a traduzir o interesse da classe
dominante em perpetuar uma organização social fundada no modo de produção escravagista.
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