As pessoas não
conseguem mais ler textos longos
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Por
força de um texto lido (“Internet e o comércio da distração”) assumi o compromisso de, assim que pudesse, retirar A geração
superficial, de Nicholas Carr, de uma pilha de livros novos num canto de
estante para ler com calma. A obra é interessante porque mescla história do
livro e das ideias sobre o mesmo com constatações acerca das transformações
produzidas na leitura, no mercado editorial e no próprio livro em decorrência
das novas tecnologias da informação.
Apoiando-se
na obra de outros autores, Carr defende a tese de que, assim como o livro
impresso mudou a forma dos homens pensarem e se comunicarem, a internet também
está fazendo isto. No primeiro caso, em virtude da concentração exigida pela
leitura do livro, teria havido um ganho intelectual, cultural e civilizacional.
No segundo, em razão da interatividade da internet, estaria ocorrendo um
prejuízo cognitivo porque as pessoas não conseguem mais ler textos longos (os
links produzem dispersão, a consulta dos e-mails e perfis sociais durante a
leitura também etc...).
Carr
afirma que já está ocorrendo um crescimento da compra de e-books e um declínio
das vendas de livros impressos. Após fazer uma longa digressão sobre o que
ocorreu com os jornais norte-americanos (que fecharam, faliram, reduziram sua
circulação ou simplesmente migraram para a internet), o autor sustenta que o
livro como produto cultural estaria condenado à desaparecer ou a se transformar
num produto produzido em pequena escala e consumido por uma pequena elite de
leitores.
A
perspectiva adotada por Nicholas Carr sobre o futuro do livro é diametralmente
oposta à de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. Na obra Não contem com o fim do
livro (editora Record), Eco e Carrière defendem a tese de que o livro não
morrerá. Umberto Eco afirma, por exemplo, que “você não pode fazer uma colher
melhor que uma colher. Designers tentaram melhorar, por exemplo, o saca-rolhas,
com sucessos bem modestos e, por sinal, a maioria nem funciona direito.
Philippe Starck tentou inovar do lado dos espremedores de limão, mas o dele
(para salvaguardar certa pureza estética) deixa passar os caroços. O livro
venceu seus desafios e não vemos como, para o mesmo uso, poderíamos fazer algo
melhor que o próprio livro. Talvez ele evolua em seus componentes, talvez as
páginas não sejam mais de papel. Mas ele permanecerá o que é”. Carrière lembra
com pertinência que “...nunca tivemos tanta necessidade de ler e escrever
quanto em nossos dias. Não podemos utilizar um computador se não soubermos ler
e escrever. E, inclusive, de uma maneira mais complexa do que antigamente, pois
integramos novos signos, novas chaves. Nosso alfabeto expandiu-se. É cada vez
mais difícil aprender a ler. Empreenderíamos um retorno se nossos computadores
fossem capazes de transcrever diretamente o que dizemos. Mas isto é outra
questão: podemos nos exprimir com clareza sem saber ler e escrever?”
Sou
leitor de livros há quase 40 anos. Não os dispensaria mesmo que caíssem em
desuso. Prefiro usar transporte público justamente para poder ler um livro por
algum tempo todos os dias. Tendo naturalmente a concordar com Umberto Eco, de
quem já li vários livros, inclusive. Mas os argumentos fáticos e teóricos
apresentados por Nicholas Carr não são desprezíveis.
Hoje
finalizei a leitura do capítulo 6 do livro A geração superficial ao voltar para
casa de ônibus. Lia e meditava sobre a leitura que havia feito de Não contem
com o fim do livro, de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. Ao meu lado, pouco
depois que sentei e comecei a ler sentou-se uma adolescente, que mais adiante
informou-me ter 17 anos de idade.
A
moça sentou, escolheu uma música no seu smartphone Samsung, conectou-se à
internet e pegou um livro da bolsa (Para Sempre, de Alyson Noel, sobre o qual
nada posso dizer). Leu uma página e meia escutando música e navegando na
internet. Depois fechou o livro e continuou a ler e a navegar na net por uns
quinze minutos. Então, reabriu o livro e voltou a ler meia página, sempre
escutando música e navegando na internet. O livro ficou no seu colo o resto do
trajeto, ela completamente absorta na música e na sua atividade virtual,
qualquer que fosse ela.
A
princípio, a atitude desta garota me chamou bastante a atenção porque parecia
confirmar o fenômeno que Nicholas Carr aborda no seu livro: distração, leitura
fragmentada, incapacidade de se concentrar no livro por muito tempo etc...
Quando ela desligou o smartphone e guardou o livro percebi que ela ia descer e
puxei conversa.
“Você
é uma garota multimídia, não?” “Por que?”, respondeu-me com um sorriso. “Porque
você escuta música, lê um livro e navega na internet tudo ao mesmo tempo.” “É
verdade.” “Você consegue prestar atenção a tudo ao mesmo tempo?” “Sim, estou
acostumada a fazer isto.” “Do que você gosta mais, de navegar na internet ou de
ler o livro?” “De ler o livro”, respondeu-me com ênfase e segurança.
Esta
pequena amostra comportamental que colhi no ônibus sugere muitas coisas. A
primeira e mais óbvia é que a adolescente afirmou gostar mais de ler o livro do
que de navegar na internet, apesar de ter ficado muito mais tempo escutando
música e navegando na internet do que lendo. A segunda é a total
impossibilidade que tenho de medir a veracidade ou inveracidade da afirmação
que ela fez de que consegue prestar atenção a tudo ao mesmo tempo. A terceira,
mais importante, eu prestei atenção à conduta da adolescente enquanto lia o
livro de Nicholas Carr e procurava confrontá-lo mentalmente com o que havia
lido na obra de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière.
A
minha própria conduta neste estudo de caso parece confirmar a tese de Carr. Mas
no entanto também a contradiz. Minha dispersão existiu, sim, mas não foi
improdutiva. O que eu fiz foi colher impressões laterais sobre uma conduta que
dizia justamente respeito ao livro que estava lendo naquele momento. Esta minha
atitude (desleixada, pelos padrões adotados por Carr) me ajudou a compreender
melhor e mais profundamente o assunto de que trata o livro. E assim como eu li
e prestei atenção à conduta de outra passageira, devemos admitir que as pessoas
podem muito bem ler um livro e compartilhar sua leitura na internet com outros
leitores ou colher informações sobre o mesmo em websites literários. Resumindo,
o que determina a profundidade e o aproveitamento da leitura não é
necessariamente a concentração absoluta sobre o livro.
Nem
o livro vai desaparecer, como diz Eco e Carrière, nem a internet vai produzir
necessariamente uma geração superficial como afirma Nicholas Carr. Pelo menos
para mim a superficialidade dos internautas vai continuar uma questão em
aberto.
[Fábio
de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]
Retirado
e adaptado de :
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